Minas Gerais, tão conhecida por ser a síntese do Brasil no quesito estatísticas, vem seguindo na contramão no cenário da educação superior. Enquanto no país a quantidade de vagas em cursos a distância superou pela primeira vez o daqueles ministrados em sala de aula, em território mineiro a oferta de graduações presenciais continua reinando. As vagas para estudos on-line avançaram, mas ainda representam pouco mais de um terço do total de cadeiras nas instituições de ensino. Os dados estão no Censo da Educação Superior, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) com os números da conjuntura nacional e regional relativos a 2018. O levantamento mostrou também que, sem uma política forte de financiamento estudantil, alunos da rede privada estão deixando as salas de aula.
Apesar de o ensino tradicional ainda ser líder em número de vagas, a modalidade vem recuando em número de ingressantes. No estado, as matrículas presenciais chegaram a 648.554, ao passo que as inscrições para cursos a distância somaram quase um terço desse total (203.600). Mas, em relação a 2017, houve redução de 3,1% na quantidade de alunos que assistem às aulas diante da lousa e aumento de 15,6% no total daqueles que optam por se formar fora de sala de aula, diante da tela do computador.
Já quando se considera todo o Brasil, as vagas oferecidas na modalidade presencial totalizaram 6.358.534, sendo ultrapassadas pelos cursos remotos, que tiveram 7.170.567 lugares disponíveis. Minas não acompanhou a tendência nacional: as graduações que exigem o aluno em sala ofereceram 328.385 vagas, enquanto pela internet foram 193.319 oportunidades.
Escalada
De acordo com o censo, o ingresso em cursos de graduação a distância tem crescido substancialmente nos últimos anos, de forma geral. Em uma década, essa modalidade de ensino dobrou sua participação na educação superior, passando de 20% do total de ingressantes no ensino superior, em 2008, para 40%, em 2018.
No Brasil, mudança na legislação, ainda no governo do ex-presidente Michel Temer, permitiu a expansão de polos, em um crescimento que tem trajetória mundial. A expectativa era de que até 2023 a educação a distância (EAD) superasse a graduação presencial também em número de matrículas. Agora, a previsão, segundo o presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Celso Niskier, é de que a virada ocorra antes, por causa do salto no número de cursos oferecidos – aumento de mais de 50% de um ano para outro.
O crescimento da modalidade é impulsionado ainda pelo fator financeiro, de distribuição regional e de uso da tecnologia. O primeiro tem a ver a crise econômica e a falta de financiamento estudantil que faz o aluno de menor poder aquisitivo optar pela graduação a distância por ser mais acessível. O segundo se consolida pelo fato de em muitas cidades de pequeno e médio porte polos serem as únicas opções para se fazer um curso superior. “A expansão está criando uma capilaridade em todo o país”, ressalta Niskier. O terceiro se refere à mudança de comportamento da sociedade. “O jovem que ingressa hoje no ensino superior usa mais tecnologia e prefere um curso com flexibilidade de estudar em casa ou no trabalho”, afirma o presidente da ABMES.
Celso Niskier diz que, embora o setor de educação privada seja favorável ao crescimento quantitativo da EAD – até mesmo para se alcançar as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) que prevê, até 2024, 33% dos estudantes entre 18 e 24 anos cursando ensino superior –, a preocupação com a qualidade não sai do radar. “Uma boa instituição presencial vai oferecer bom EAD. Aquelas com limitações também as terão no ensino a distância. Os resultados serão melhores ou iguais ao curso presencial desde que se escolham instituições que tenham qualidade”, avisa.
Se a EAD vive seus momentos de glória, na outra ponta, nos últimos cinco anos, os ingressos nos cursos de graduação presenciais diminuíram 13%. Com uma taxa média de crescimento anual de 3,8%, nos últimos 10 anos, a matrícula na educação superior cresceu 56,4% nesse período. Em 2018,o aumento foi de 1,9%. Com mais de 6,3 milhões de alunos, a rede privada tem três em cada quatro alunos de graduação. Em 2018, a matrícula na rede pública cresceu 1,6% e, na rede privada, 2,1%.
Fies e Prouni ladeira abaixo
Os números do ensino superior mostram bem as consequências do efeito do desastre em que se transformou o Programa de Financiamento Estudantil (Fies), que há quatro anos começou a dar os primeiros sinais de queda e teve a derrocada final com mudanças de regras e a criação do Fies privado. Em 2015, justamente em seu auge da concessão de benefícios e quando começaram as primeiras dificuldades, as matrículas presenciais caíram de 486.924 para 468.821, em 2017. No mesmo período, a EAD subiu de 613.984 para 635.881.
Outro programa que também viu suas vagas diminuírem foi o Universidade para Todos (Prouni). Como as bolsas são proporcionais ao número de alunos, reduzindo a quantidade daqueles na modalidade presencial, diminui também a disponibilidade do benefício. A curva ascendente, e de maneira vertiginosa, ficou por conta das modalidades de crédito oferecidas pelas próprias instituições de ensino.
Em 2015, o Fies teve seu auge, com quase 1,4 milhão de matrículas. No ano seguinte, caiu para 1.251.815 e despencou no ano seguinte até chegar, em 2018, a 821.122 alunos. O Prouni se manteve relativamente estável até 2017, mas ano passado sentiu o baque da queda na rede privada, saindo de 609.434 bolsas em 2017, para 575.099 no ano passado. Desde 2015, bolsas e financiamentos feitos diretamente com as universidades vêm numa crescente, saindo de pouco mais de 800 mil naquele ano para o dobro três anos depois.
Mesmo assim, as 1.627.488 matrículas feitas graças a essas modalidades em 2018 não foram suficientes para alavancar as matrículas presenciais no ensino superior. “As instituições correram atrás para criar outros modelos de financiamentos, mas muitos exigem pagar 50% da mensalidade enquanto se estuda e o restante depois de formado. E muitos estudantes não têm condições de arcar nem com esses 50%”, afirma o presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Celso Niskier. “As mudanças no Fies afetaram fortemente o crescimento das instituições como um todo. O Brasil terá dificuldade de atingir as metas do PNE se não houver mobilização da sociedade para permitir que as pessoas de menor poder aquisitivo possam fazer um curso superior. Esse gigante tem pés de barro e não vai crescer enquanto o financiamento não for visto como uma questão social e não pecuniária.”
Recuperação recorde entra em reta decisiva
No último bimestre letivo, milhares de estudantes mineiros se debruçam sobre livros e cadernos para recuperar o tempo perdido, aprender conteúdos não assimilados e estudar em dobro para escapar da reprovação no fim do ano. Eles integram as 5.719 turmas distribuídas em todo o território mineiro e montadas no contraturno das escolas da rede estadual de ensino para atender 114 mil alunos com reforço em português e matemática. Cada disciplina oferece duas horas por semana de revisão, até o fim de novembro.
O programa se concentra em adolescentes dos anos finais do ensino fundamental (6º a 9º ano) e dos três anos do ensino médio que haviam abandonado a escola e voltaram às salas de aula ou que estão com notas abaixo da média esperada. Estudante do 1º ano do ensino médio, o jovem Pablo Emanuel Secundino dos Santos, de 15 anos, é um dos estudantes que já estavam de olho no reforço mesmo antes de ele começar.
Aluno da Escola Estadual Professor Guilherme Azevedo Lage, no Bairro São Gabriel, na Região Nordeste de Belo Horizonte, ele deixou de frequentar as aulas em abril, mas voltou no início deste semestre, depois de um telefonema da escola. A iniciativa é parte de um programa de busca ativa instaurado pela Secretaria de Estado de Educação (SEE), voltado para alunos infrequentes ou que abandonaram a escola. Por meio dele, 15 mil já retornaram à atividade escolar.
“Agora que voltei, estou 100% focado e não vou perder a oportunidade de avançar”, diz. Pablo conta que fez um bom primeiro bimestre, mas começou a ter desempenho ruim no segundo, motivo que o levou a desistir, ainda no mês de abril. Seu tempo passou a se dividir entre ficar em casa sem fazer nada e jogar bola com os amigos. “Estava indo bem no início do ano, com notas acima da média, mas depois desanimei. Além disso, me perguntava para que estudar, para que ir à aula...”, relata. O telefonema da escola marcou um recomeço. “Minha mãe diz que eu tenho potencial e me deu muito apoio. A escola falou que eu não estava tão mal, que dava para recuperar. Lembrou que se eu ficasse em casa, perderia o ano e prejudicaria meu futuro”, diz. “Agora estou me sentindo bem melhor e corrigindo o que perdi.”
De volta a Escola Estadual Professor Guilherme Azevedo Lage tem 902 alunos, todos de ensino médio. Dos 126 infrequentes detectados no sistema, 98 retornaram. “Estamos tornando a escola mais agradável. A sala de informática que não estava sendo usada passou a ser, o auditório tem aulas interativas e a biblioteca também está ganhando cara nova”, afirma a diretora Marléia Avelar, que tomou posse em julho com a missão de revigorar o colégio. Outra aposta, segundo ela, é promover a integração com os vizinhos. “Quando temos boa relação com os pais e a comunidade, os alunos voltam para a escola. Tenho uma equipe engajada que permite fazer um excelente trabalho. Tornando a escola mais atrativa, eles permanecem.”
Outra ação que promete mobilizar os alunos é o preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), idealizado pela professora Danielle Cristine Ferreira Silva, de português, literatura e redação. O curso, que começou no início do mês e será dado em sábados alternados, conta com o trabalho voluntário ainda dos professores de matemática, física e geografia. “Os meninos estão tendo uma oportunidade. Turmas menores permitem um trabalho mais preciso. É uma iniciativa para resgatar os alunos, motivá-los, divulgar a escola e ajudar a comunidade”, afirma Danielle.