A educação à distância (EAD) ainda é uma "aposta de crescimento" para as universidades privadas . Essa é a análise de Celso Niskier, diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), que representa 88% das instituições privadas do país que oferecem a modalidade.
O setor passa por um momento de reorganização, já que o número de contratos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) despencou de 732.673, em 2014, para 82.892 neste ano.
Segundo Niskier, apesar do boom do crescimento do número de matrículas, a modalidade corresponde a apenas 30% das matrículas e a 11% do faturamento das instituições que ele representa. Além disso, o valor médio da mensalidade no ensino presencial é bem superior, custando, em média, R$ 785,15. No ensino à distância, o valor é R$ 237.
O quadro é tema desta reportagem, a quarta da série sobre EAD que O GLOBO publica desde terça-feira.
— A educação à distância é uma aposta de crescimento, mas, como o tíquete médio é menor do que o do presencial, isso faz com que haja necessidade de escala. Ou seja, mantidos esses preços que estão impulsionando o crescimento da modalidade, as instituições vão precisar crescer em número de alunos para atingir o patamar desejado — explica Niskier, dizendo ainda que essa perspectiva acaba privilegiando grandes grupos e promovendo uma concentração de mercado.
Atualmente, apenas cinco universidades têm 52% do total de alunos à distância. Só a Universidade Norte do Paraná (Unopar), do grupo Kroton, possui 16% do mercado.
A instituição possui 319 mil alunos à distância divididos em 48 cursos — uma média de 6.860 estudantes por programa de formação. No presencial, essa média é de apenas 213 (são 14 mil universitários em 67 graduações em sala de aula).
No setor privado , alunos de educação à distância (EAD) já são maioria em metade das formações universitárias em que os estudantes podem optar entre o modelo presencial e o on-line. Há cinco anos, apenas 21% dessas carreiras tinham mais alunos estudando fora do que dentro das salas de aula tradicionais.
O dado ilustra a explosão da modalidade, que tinha apenas 60 mil graduandos em 2004 e passou a quase dois milhões de matrículas no ano passado — 24% dos alunos no país. Além disso, em 2018 houve, pela primeira vez, mais oferta de vagas à distância (7,1 milhões) do que presencial (6,3 milhões).
'Disciplina por natureza'
Jeferson Altenhofen Ortiz, diretor de operações EAD da Kroton (grupo do qual fazem parte a Unopar e outras universidades privadas), afirma que a modalidade auxilia a sustentabilidade financeira das instituições.
— Ela possui uma estrutura de cursos menor quando comparada com a do ensino presencial, mas o que nos faz investir muito nesta modalidade hoje é a busca das pessoas por ensino de qualidade com mais flexibilidade de tempo. Porém, as instituições precisam investir o tempo todo, e não é pouco, em tecnologia e qualidade — afirmou Ortiz.
Segundo ele, a estrutura possui centenas de tutores para auxiliar alunos, ambiente virtual de aprendizagem, monitoramento de transmissões, monitoramento de aulas práticas para garantir a realização delas em todos os polos, e mais uma série de outros investimentos para assegurar a qualidade dos nossos cursos.
Já Aroldo Alves, vice-presidente de mercado da Estácio de Sá, afirma ainda que os cursos à distância têm um custo alto no seu lançamento para a produção do conteúdo.
— A nossa aula tem vídeo, tem texto, tem conteúdo interativo, podcast. Isso tem custo. E o curso não pode ficar muito caro. Além disso, depois tem uma atualização — afirmou Alves.
Segundo ele, o mercado contratante vem progressivamente se abrindo para egressos do ensino à distância.
— Já houve um preconceito muito grande porque há cinco, seis anos, não existia profissional formado nessa modalidade no mercado de trabalho. E tem vagas que buscam o aluno formado via EAD porque esse profissional vem naturalmente com mais resiliência. O cara que terminou o ensino à distância tem disciplina por natureza — avalia.
Ensino híbrido
Presidente do conselho da Ânima Educação, uma das gigantes do setor, Daniel Castanho critica a maneira como, na opinião dele, parte dos cursos de EAD tem se desenvolvido no Brasil.
— Boa parte da educação à distância que é oferecida hoje no Brasil é simplesmente pautada na redução de custo. O modelo de negócio da EAD foi muito estruturado apenas em entregar conteúdo, enviar ao aluno um PDF ou um vídeo e depois pedir que ele vá ao polo fazer uma prova. É um modelo completamente obsoleto e que agrega pouco valor para o aluno. O foco da EAD não deveria ser redução de custo e para isso oferecer um curso mais barato para suprir a falta de financiamento estudantil — questiona.
A partir de análises de mercado, a empresa passou a investir no chamado "ensino híbrido", com isso todas as instituições ligadas ao grupo congregam tanto aulas presenciais como à distância em seus cursos.
— A tecnologia deveria efetivamente ser utilizada para melhorar a qualidade da aprendizagem. De que adianta ter um quadro na parede dizendo que você é formado em algo se você não entende nada sobre aquela carreira? Acredito que o futuro da educação será híbrido.
Niskier pondera que não é possível generalizar quanto à avaliação do desempenho dos cursos de EAD. Segundo ele, há inúmeros exemplos de cursos de excelência na modalidade.
Mas o diretor presidente da ABMES também acredita que a tendência do meio educacional é promover cada vez mais um ensino que misture elementos do ensino presencial com ferramentas utilizadas em cursos feitos on-line.
Atualmente, a legislação permite que os cursos presenciais tenham até 40% de atividades à distância. Já os cursos de EAD preveem o percentual máximo de 30% de lições presenciais. O ensino híbrido estaria situado entre essas porcentagens.
— Nossa visão é que o ensino híbrido vai crescer muito no futuro. O ensino presencial tradicional tende a desaparecer e, no seu lugar, surgirá um modelo misto, combinando disciplinas presenciais e à distância.