A decisão do Ministério da Educação (MEC) de suspender, pelos próximos cinco anos, a criação de novos cursos de medicina e ampliação de vagas dos já existentes tem sido alvo de críticas. Na Bahia, assim como em outros estados do país, a situação trouxe à tona um debate sobre a qualidade da estrutura oferecida por instituições de ensino, a capacitação dos profissionais formados, além da concentração de médicos na capital.
Segundo o órgão federal, a portaria não afeta, no entanto, editais para criação de novos cursos já em andamento nem universidades federais pactuadas com a Secretaria de Educação Superior (Sesu) do MEC. O objetivo, informou o ministério, é garantir a "sustentabilidade da política de formação médica no Brasil, preservando a qualidade do ensino".
Para determinar a suspensão, o órgão levou em consideração dados que indicam que o país atingiu a meta estipulada de criação de 11 mil vagas/alunos em cursos de medicina por ano. Além da interrupção, a portaria também cria um grupo de trabalho que fará uma análise do setor, das instituições, da oferta e dos currículos do curso, com o objetivo de "reorientar a formação médica".
Sexta posição
Na Bahia, segundo dados do estudo "Demografia Médica no Brasil 2018", realizado pela Universidade de São Paulo (USP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), há 20.708 médicos. O estado perde apenas para outros cinco: São Paulo (126.687), Rio de Janeiro (59.366), Minas Gerais (48.606), Rio Grande do Sul (28.931) e Paraná (23.661).
Destes 20.708 profissionais, 12.232 estão concentrados na capital e os 8.476 em cidades do interior. O número de instituições e cursos ofertados do estudo e do próprio Inep são divergentes. Segundo o trabalho da USP e do CFM, há, em 2018, 18 instituições – 11 públicas e sete privadas que oferecem o curso. Delas, cinco estão na capital e 13 no interior.
Já o Inep informou que dispõe de dados da Sinopse Estatística da Educação Superior. No entanto, o mais atualizado, segundo o órgão, é de 2016. De acordo com o documento, há, na Bahia, 14 instituições que oferecem o curso, sendo oito públicas e seis privadas. Duas delas, inclusive, oferecem duas vezes o mesmo curso, totalizando 16 ofertas no estado.
Conselheiro do Conselho Regional de Medicina (Cremeb) e integrante do Conselho Federal (CFM), Otávio Marambaia afirmou que o MEC deve aproveitar os cinco anos da suspensão para fazer uma avaliação das instituições que oferecem cursos de medicina. "Tem que aproveitar esse tempo para fazer um pente fino nas escolas, com critérios transparentes e rígidos. Depois, só devem permitir a abertura de faculdades que atendam a esses critérios", opina.
O diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas, disse que é preciso intensificar a fiscalização. "Se existe curso com qualidade deficitária, o caminho deveria ser uma supervisão rígida. Até porque estancar a criação de novas graduações não tem qualquer relação com a garantia da qualidade dos serviços prestados e nem dos profissionais que são disponibilizados no mercado de trabalho", avalia.
Conselheiro é contra proliferação de faculdades
O conselheiro do Conselho Regional de Medicina (Cremeb) Otávio Marambaia contou que os conselhos regionais havia pedido que se coibisse a “proliferação indiscriminada das escolas de medicina”.
“Isso passou a ser moeda de troca política, sem atentar para o corpo docente adequado, estrutura para ensino, hospital-escola, áreas de treinamento para a formação desses profissionais. Estamos criando um problema que a sociedade vai pagar caro”, elenca.
Marambaia disse, também, que o foco tem sido o lucro. “Nos últimos anos, sempre foi um balcão de negócios de empresários, políticos, visando o lucro com mensalidades que vão de R$ 5 mil a R$ 17 mil”, diz.
Para ele, a determinação foi acertada, mas tardia. “Ainda foi feita por portaria, que é um instrumento frágil. Se o governo que aí está precisar, ela pode cair. Não somos contra a abertura de novos cursos e sim à abertura sem nenhum critério”.
Estas são últimas vagas a serem criadas em quatro cidades do interior da Bahia para o curso de médicina
Segundo Marambia, é preciso levar médicos para o interior e dar condições para que eles se mantenham no local. “O que temos hoje é uma concentração em determinados lugares. Há concentração da metade ou um pouco mais em Salvador e na Região Metropolitana. O restante dos municípios fica com menos. É preciso gerar carreira médica numa política de estado. Enquanto isto não se resolver, abrir escolas de medicina não vai solucionar”, pontuou.
Últimas vagas
Na Bahia, as 200 últimas vagas em cursos de medicina deverão ser criadas nas cidades de Irecê, Porto Seguro, Valença e Brumado – sendo 50 em cada município. Elas são as remanescentes de um edital do Ministério da Educação (MEC) lançado antes do órgão determinar, em portaria, a suspensão, por cinco anos, da criação de novos cursos de medicina.
Estas novas vagas do edital se somarão às 1.643 já existentes no estado, de acordo com um estudo realizado pela Universidade São Paulo (USP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM). Mas somente em setembro deste ano, o MEC saberá quais as instituições mantenedoras que têm interesse em implantar cursos de medicina nesses municípios.
ASSOCIAÇÃO DE INSTITUIÇÕES DE ENSINO CONDENA DECISÃO DO MEC
Em nota publicada no site da entidade, a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), instância que representa entidades do setor de educação superior particular no país, criticou a decisão do governo federal, que “optou por atender ao clamor de uma política da classe médica, em detrimento das reais e urgentes necessidades da população do país”.
“Para a ABMES, a medida do MEC não possui justificativas plausíveis que respaldem a decisão, segue na contramão das necessidades brasileiras, além de possuir equívocos legais e ignorar aspectos relevantes da regulamentação da educação superior”, ressaltou, em nota, a entidade.
O pedido convencional por meio de sistema para criação de novos cursos, acrescentou a entidade, foi substituído por chamamentos públicos com o objetivo de alcançar a meta de 2,7 médicos para cada mil habitantes. “Para as mantenedoras, é difícil conceber que, após a criação de uma lei, a qual regularmente instruiu os editais para seleção de municípios e instituições de ensino, a oferta de novas vagas seja abruptamente suspensa sem uma ampla discussão e esclarecimento de toda sociedade”, ressaltou, em nota, a ABMES.
Argumento
Diretor executivo da ABMES, Sólon Caldas, afirmou que o argumento inicial utilizado para suspender a criação de novos cursos era de que novas vagas não garantiriam a qualidade da formação profissional dos médicos.
“Tal justificativa não se sustentou ao ser confrontada com a realidade do país, que tem um setor educacional altamente regulado e frequentemente avaliado, além do fato de que a proibição de novos cursos não resolve o problema de eventuais cursos insatisfatórios que possam existir”, frisou Caldas.
Para ele, “o verdadeiro objetivo do pleito encabeçado por entidades de classe” foi “frear” a formação de novos profissionais com o objetivo de não gerar uma saturação no mercado. “Ainda estamos longe de atingir a meta de 2,7 médicos para cada mil habitantes estipulada, em 2013, no âmbito do Programa Mais Médicos. A seguir nesta linha, em poucos anos o país terá que voltar a importar mão de obra para atender a população naquilo que é um direito humano fundamental: a saúde”, acrescentou o diretor executivo da ABMES.