Os contratos em atraso do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) atingiram número recorde. De 727.522 em fase de amortização em junho, 416.137 (57,1%) estão com atraso de pelo menos um dia. A dívida oficial cresceu mais de 30 vezes em três anos. Segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o rombo em prestações atrasadas atual é de R$ 20 bilhões, podendo triplicar nos próximos anos. Em 2015, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), esse número era de R$ 625 milhões.
Órgão responsável pela política, o Comitê Gestor do Fies (CG-Fies) pretende discutir um novo modelo de renegociação em outubro. A ideia é adotar parcelas menores e mais tempo para quitar a dívida. Dos atrasados, 75% já passam dos 90 dias sem pagar, apresentando maior risco para o governo. É o caso de Fabiana Boldrin, de 43 anos, formada há dois em Recursos Humanos, que nunca trabalhou na área. “A ideia que passam é de que você começaria a pagar em dois anos e, até lá, já estaria trabalhando. Para mim, nunca aconteceu.”
Ela está desempregada desde maio e pagou apenas uma parcela do financiamento, que hoje está no valor de R$ 106,95. O prazo final para quitar a dívida é 2024. “É um valor baixo, você fica empurrando aos poucos, na expectativa de que vai ser mais fácil de pagar. Fica com restrição no nome, mas não é algo que me impede de grandes coisas, como arrumar emprego”, explica. “Mas se você deixar de pagar uma mensalidade escolar, seu filho não estuda. Então, você acaba não priorizando (o Financiamento Estudantil).
Mudanças
Criado em 1999, o Fies teve uma explosão de contratos em 2010, quando os juros caíram de 6,5% para 3,4% ao ano, abaixo da inflação. Além disso, o financiamento passou a ser obtido a qualquer momento, a exigência de fiador foi relaxada e o prazo de quitação, alongado. Muitas faculdades passaram a incentivar alunos já matriculados a não pagar a própria mensalidade, mas a entrar no Fies, transferindo o risco de inadimplência para o governo. Em 2015, uma série de medidas começou a mudar novamente o programa e a focar em determinados cursos e regiões. Os financiamentos vêm caindo. O primeiro semestre de 2018 registrou o menor número de novas contratações desde 2011.
“Os alunos que estão entrando agora na fase de amortização são aqueles que contrataram o Fies antigo”, explica Pedro Pedrosa, diretor de gestão de fundos do FNDE. Para Sólon Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), esses atrasos não significam falha no desenho do programa, mas sim “reflexo da crise econômica que o Brasil está atravessando e do aumento significativo no número de desempregados”.
Já Renato Pedrosa, coordenador do Laboratório de Estudos em Educação Superior da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), critica o modelo anterior. “O governo fez um financiamento sem garantia e com juros baixos. Você só conseguiria fazer isso se a taxa de sucesso fosse muito alta”, afirma. “Não foi feita uma análise de risco nem uma avaliação contínua do sistema.”
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) afirma que “os números refletem a falta de sustentabilidade do modelo antigo do Fies (da gestão anterior) e reforçam a importância da mudança para o Novo Fies, iniciado em 2018”. “Nele, o governo federal deixa de ser responsável único pela inadimplência dos estudantes.”
Renegociação
Para recuperar débitos, o Comitê Gestor do Fies vai discutir, no início do próximo mês, um novo modelo de renegociação. Hoje, o estudante que não paga as parcelas do financiamento só tem a opção de quitar a dívida à vista. Caso ele não pague, pode ter o nome “negativado”, como é o caso de Fabiana. “O Banco do Brasil sempre me fala que, até quitar a dívida, eu vou continuar com restrição no nome”, afirma.
Segundo Pedrosa, o Fies apresenta atualmente um insucesso muito grande em renegociação. “Uma vez que o aluno atrasa um pouquinho, significa que ele não vai pagar nunca”, comenta o diretor. “Quase ninguém vem quitar a dívida à vista, o que mostra que nós precisamos de uma regra mais amigável para o estudante. Vamos discutir uma regra que traga esse aluno de volta para adimplência, dando um novo prazo e fazendo uma obrigação de pagamento bem baixa.”
Programa deixa de ser principal opção de financiamento
Fies responde por 1,07 milhão dos 2,8 milhões de contratos com algum tipo de bolsa; ProUni cresce e atinge 609 mil
Pela primeira vez em quatro anos, o Financiamento Estudantil (Fies) não foi o principal financiador dos alunos matriculados em universidades particulares brasileiras. Dados do Censo da Educação Superior 2017 mostram que, no ano passado, houve uma expansão de outras formas de financiamento - a principal delas o crédito de instituições privadas.
Das 6,2 milhões de matrículas no ensino superior privado em 2017, 2,8 milhões (46,3%) tiveram algum tipo de financiamento ou bolsa (privada ou pública). Foi o maior porcentual de matrículas financiadas desde 2009. O Fies correspondeu a 1,07 milhão de financiamentos (37,1%) e o Programa Universidade para Todos (ProUni), por 609,4 mil (21,1%).
A maioria ficou concentrada no setor privado: pelas próprias instituições de ensino, bancos ou empresas especializadas, com 1,2 milhão de contratos (41,8%). Nesse total também são incluídas as bolsas concedidas por instituições privadas dentro de programas governamentais - em contrapartida, elas recebem isenção fiscal ou abatem dívidas com a União.
“A partir de 2015, quando houve a redução do Fies, as instituições de ensino buscaram opções para que o aluno pudesse permanecer no ensino superior. Para isso, fizeram parcerias com instituições financeiras para subsidiar os juros ou passaram a oferecer crédito próprio. Ainda assim, há uma demanda enorme de jovens que querem ingressar na faculdade, mas não têm condições financeiras de arcar com esse financiamento privado”, afirma Sólon Caldas, diretor da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior.
Desde 2014, o Fies permanecia como o principal financiador e chegou, naquele ano, a ser responsável por 1,33 milhão de contratos. A tendência é de que diminua ainda mais sua participação nos dados de 2018, por causa das alterações nas regras de concessão.
Mudanças
Para reverter o baixo índice de contratação, o governo federal mudou para o segundo semestre deste ano parte da regulamentação, com o financiamento de no mínimo 50% do valor da mensalidade. Antes, a parcela mínima chegava a 8%. Outra mudança foi o aumento do teto das mensalidades, de R$ 5 mil para R$ 7,1 mil.
Durante a apresentação dos dados do censo, o ministro da Educação, Rossieli Soares, minimizou a redução do Fies nos financiamentos. “Somando os dois programas, o governo federal ainda é o maior financiador. O ProUni, no ano passado, teve um aumento de 13,1% no número de contratos em relação ao ano anterior.”
Apesar da segunda queda consecutiva nos contratos do Finaciamento Estudantil, o ministro defende a regra atual. “Não dá para manter a responsabilidade de colocar o financiamento sem controle. É claro que sempre que possível, e se tivermos condições com responsabilidade, vamos continuar o financiamento em várias modalidades para os estudantes.”
Teto de R$ 7,1 mil para mensalidade
2015
Estabeleceu-se, para acesso ao programa, a obtenção mínima de 450 pontos no Enem.
2016
70% das vagas do 1º semestre foram para áreas consideradas prioritárias pelo MEC.
2017
Estabeleceu-se que o valor máximo da mensalidade financiada seria de R$ 5 mil.
2018
MEC anuncia P-Fies, modalidade com crédito privado. Teto de financiamento chega a R$ 7,1 mil.
Mais uma chance
O MEC publicou nesta terça-feira, 25, edital para abertura das vagas remanescentes do processo seletivo do Fies para o segundo semestre deste ano. As inscrições ocorrem pelo site http://fies.mec.gov.br.