Habitualmente, surgem controvertimentos acerca da possibilidade de cancelamento de bolsas acadêmicas ou descontos concedidos, como se fossem benefícios permanentes e intocáveis, os quais, uma vez concedidos, tornar-se-iam direito adquirido assegurado até o término da relação contratual entre aluno e instituição de educação superior.
Havia um entendimento de que, uma vez concedida determinada bolsa ou desconto específico ao acadêmico, não importando a modalidade ou o fundamento para sua concessão, este benefício se tornaria universal e permaneceria assegurado ao estudante até a conclusão de seu curso superior.
Este entendimento estaria correto nas situações em que se não houvesse, no âmbito da instituição de educação superior, a clara regulamentação de cada programa de concessão de bolsa ou desconto para os acadêmicos, estipulando de forma expressa as condições para acesso ao benefício e para sua manutenção, inclusive no que pertine ao prazo de sua vigência.
Com efeito, a concessão de bolsas acadêmicas ou descontos é ato de mera liberalidade da mantenedora, não aderindo de forma absoluta e perene aos contratos dos alunos beneficiados, desde, repita-se, que exista regulamentação clara e específica para cada tipo de benefício a ser concedido, estipulando as condições para sua concessão e manutenção, prazo de validade e demais características específicas.
Havendo regulamentação, é lícito, por exemplo, que se estabeleça uma bolsa por mérito acadêmico a ser concedida a alunos com determinado perfil de aproveitamento, a serem mantidas enquanto também mantido o padrão de rendimento exigido, sem que haja o direito adquirido ao acadêmico, uma vez beneficiado, de manter-se no gozo da bolsa quando não mais apresentado o resultado acadêmico necessário.
O Poder Judiciário, historicamente, admite o estabelecimento de critérios para concessão e manutenção de bolsas e demais benefícios, condicionando a validade destes à clara previsão normativa, conforme demonstram os arestos abaixo colacionados:
“EMENTA
CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. BOLSISTA DE CURSO DE GRADUAÇÃO. GENITOR FUNCIONÁRIO DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. DEMISSÃO. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO. LEGALIDADE. PREVISÃO EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO.
I. Se a Convenção Coletiva de Trabalho firmada entre o sindicato da instituição de ensino e o dos seus funcionários prevê, no caso de demissão sem justa causa ou pedido de demissão do auxiliar, que o dependente terá direito à bolsa de estudos somente até o final do semestre em que estiver matriculado, não há ilegalidade na cessação do benefício perpetrada após sete meses da demissão do empregado.
II. Deu-se provimento ao apelo.
Decisão CONHECIDO. DEU-SE PROVIMENTO. UNÂNIME.” (TJDFT, Acórdão 581586, Rel. Des. José Divino de Oliveira, EDJ, 26.4.2012, p. 184).
“EMENTA
PROCESSO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. REVELIA. EFEITOS MATERIAIS. FACULDADE PARTICULAR. DESCONTO PARA ALUNOS INGRESSANTES. ALUNA MATRICULADA ANTERIORMENTE.
1. Conquanto, em princípio, tenha aplicação o art. 319 do CPC a quem não contesta, a presunção de veracidade dos fatos alegados em face da revelia é relativa, cedendo passo a outras circunstâncias constantes nos autos, tendo em conta que adstrito o julgador ao princípio do livre convencimento motivado. A conseqüência da falta de resposta não conduz, necessariamente, à procedência do pedido. Cabe ao julgador examinar a realidade dos autos, cotejando as provas com os fatos alegados, para verificar se o pedido deve ou não ser julgado procedente.
2. O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 46, expressamente relativiza o princípio do "pacta sunt servanda". No entanto, de acordo com seu artigo 6º, inciso V, a revisão contratual é permitida em apenas duas hipóteses: por abuso contemporâneo à contratação ou por onerosidade excessiva derivada de fato superveniente.
3. Consoante exposto no folheto que contém a propaganda, a faculdade comprometeu-se a conceder desconto de 50% (cinquenta por cento) na mensalidade, para servidores públicos. Registra que o valor da mensalidade, contemplada com o desconto, seria praticada somente para alunos ingressantes no 1º semestre de 2010. À época em que houve a concessão do desconto nas mensalidades, por conveniência da Instituição de Ensino, a Autora já era aluna da faculdade, desde abril de 2009. Destarte, não faz jus ao benefício concedido.
4. Não há que se falar em tratamento diferenciado, porquanto os alunos não se encontram em situações idênticas.
5. Negou-se provimento ao apelo.
Decisão CONHECER E NEGAR PROVIMENTO, UNÂNIME.” (TJDFT, Acórdão 602052, Rel. Des. Flávio Rostirola, EDJ, 13.7.2012, p. 80).
Verificamos, por exemplo, com os acórdãos acima trazidos, que é absolutamente legítimo o cancelamento de uma bolsa decorrente de instrumento coletivo de trabalho, quando cessado o vínculo de emprego que gerou tal concessão, como também é lícito estabelecer benefícios eventuais para ingressantes em determinado período, como estratégia institucional de marketing.
A linha central dos entendimentos trazidos à colação está umbilicalmente ligada à qualidade da informação acerca das condições de concessão e manutenção das bolsas e demais benefícios, essenciais, repita-se, para que as eventuais limitações ou restrições sejam legítimas.
A necessidade da adequada informação aos interessados acerca das características dos benefícios acadêmicos, sobretudo no que diz respeito aos critérios para sua concessão e manutenção, assim como as hipóteses para seu cancelamento, em atendimento, entre outros, aos princípios basilares do direito consumerista, encontra-se exemplarmente demonstrada em recente decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, instância máxima do Poder Judiciário para discussão de temas ligados à aplicação da legislação federal ordinária, que pedimos licença para transcrever na íntegra, face sua relevância:
“Superior Tribunal de Justiça - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO
Edição nº 2421 – Brasília, disponibilização Quarta-feira, 25 de Abril de 2018, publicação Quinta-feira, 26 de Abril de 2018, p. 6791.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.497.824 - DF (2013/0374526-0)
RELATOR: MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO)
RECORRENTE: ROBERTO CARLOS DE JESUS
ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
RECORRIDO: GUATAG ASSOCIAÇÃO DE ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL ESPAM
ADVOGADO: VALÉRIO ALVARENGA MONTEIRO DE CASTRO E OUTRO(S) - DF013398
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por ROBERTO CARLOS DE JESUS, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, assim ementado:
'CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. BOLSA DE ESTUDO. DESCONTOS NAS MENSALIDADES. LIBERALIDADE. CONDIÇÃO. ESTABELECIMENTO. ALUNO. FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO. SUPRESSÃO. LEGITIMIDADE. ENQUADRAMENTO NAS CONDIÇÕES DIVULGADAS. INEXISTÊNCIA. PROPAGANDA ENGANOSA. VINCULAÇÃO DA FORNECEDORA. INEXISTÊNCIA.
1. O contrato de prestação de serviços educacionais, contemplando em seus vértices pessoa jurídica especializada no fomento dos serviços e consumidor como destinatário final dos serviços oferecidos, ostenta a natureza de relação de consumo, devendo a crise derivada da aplicação das disposições nele impregnadas ser resolvida, com os temperamentos provenientes da natureza que encerra, de conformidade com a regulação que lhe é própria e com o efetivamente contratado.
2. A concessão de descontos nas mensalidades escolares traduz liberalidade da instituição de ensino como manifestação da autonomia de vontade, de gestão financeira e patrimonial que lhe é resguarda, que. sob essas condições, está revestida de suporte para pautar as condições e o tempo em que a vantagem é oferecida, obstando que a supressão do benefício, ante a inexistência de previsão assegurando-o durante toda a perduração do curso, seja reputado como abuso de direito e ato ilícito, legitimando que seja restabelecido coercitivamente.
3. Aferido que a vantagem traduzida em desconto nas mensalidades escolares fora condicionada ã satisfação, pelo interessado, das condições pautadas pela fornecedora, a inferência de que o aluno não evidenciara que satisfizera o exigido obsta que lhe seja assegurada a vantagem, à medida que a propaganda e a proposta somente são aptas a vincularem a fornecedora nos exatos termos da sua difusão, não podendo ser assegurado ao consumidor a fruição de benefício que não lhe é reservado como expressão dos princípios da boa-fé contratual, da vinculação à oferta e da autonomia da vontade (CDC, arts. 6o, II. 37 e 48).
4. Apelação da ré conhecida e provida. Prejudicado o apelo do autor. Unânime." (e-STJ,fl. 187/188)
Em suas razões recursais, a parte recorrente aponta violação dos arts. 6º, incisos IV e VIII, 37 e 48 do Código de Defesa do Consumidor e 422 do Código Civil de 2002, sustentando, em síntese, (a) que foi negado o direito à inversão do ônus da prova, que deveria ter sido aplicado a fim de atribuir à parte recorrida a prova dos fatos, (b) que houve oferta e propaganda enganosa por omissão da parte recorrida ao oferecer publicamente 40% de desconto nas mensalidades sem informação clara e precisa sobre eventual limitação à oferta, não sendo permitido que imponha óbices após a contratação, (c) que a fornecedora se vincula às manifestações feitas no mercado e por isso deve conceder desconto de 40% nas mensalidades até a conclusão do curso, (d) que houve violação da boa-fé contratual no cancelamento repentino do benefício concedido e que perdurou por três anos Apresentadas contrarrazões às fls. 224/240.
É o relatório. Passo a decidir.
O recurso será examinado à luz do Enunciado n. 2 do Plenário do STJ, nos seguintes termos: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça".
Com relação à suposta violação ao art. 422 do CC/02 em decorrência da violação da boa-fé contratual no cancelamento repentino do benefício concedido e frustração da expectativa da parte recorrente, tem-se que este tema não se encontra contemplado no objeto da controvérsia resolvida pelo Tribunal de origem, tampouco foi objeto de embargos de declaração, não se vislumbrando o prequestionamento necessário para viabilizar a interposição do presente recurso especial.
Daí a inteligência do enunciado da Súmula nº 356 do Supremo Tribunal Federal, aplicada por analogia, a qual orienta que "o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento".
Nesse sentido:
“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. PROCESSO CIVIL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO REALIZAÇÃO DO COTEJO ANALÍTICO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Aplicam-se as Súmulas n. 282 e 356 do STF quando as questões suscitadas no recurso especial não tenham sido debatidas no acórdão recorrido nem, a respeito, tenham sido opostos embargos declaratórios.
(...)
3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no AREsp 544.459/MT, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe de 25/11/2014)
No que diz respeito à suposta violação ao art. 6º, VIII do CDC, tem-se que o Tribunal de origem, diante dos elementos informativos da demanda, concluiu que não caberia a inversão do ônus da prova no presente caso, pois a comprovação do preenchimento das condições para usufruto do desconto requerido era inteiramente viável e de fácil resolução, in verbis:
"Destarte, como o autor não comprovara o preenchimento dos requisitos necessários para a concessão da bolsa de estudos ofertada pela ré, pois não evidenciara que fora aluno e era egresso do Cursos Alfa, o direito que invocara restara desguarnecido de sustentação material. Há que ser acentuado que, quanto ao ponto, não subsiste lastro para se ventilar a inversão do ônus da prova, pois a comprovação de aludido fato era inteiramente viável e de fácil resolução, pois dependente exclusivamente da exibição do histórico escolar do autor. Considerando que não se safara do encargo probatório que lhe estava afetado, o direito que invocara, portanto, restara desprovido de sustentação, resultando na apreensão de que não o assiste o direito de ser contemplado com os descontos que almeja.' (e-STJ, fl. 196)
A modificação de tais entendimentos lançados no v. acórdão recorrido a fim de aplicar a inversão do ônus da prova no presente caso demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável na sede estreita do recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE DA MENSALIDADE EM RAZÃO DO AUMENTO DA SINISTRALIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. ABUSIVIDADE. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL E REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS 5 E 7/STJ. ENTENDIMENTO HORMÔNICO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. CABIMENTO. SÚMULA 07/STJ. INSURGÊNCIA PELA ALÍNEA "C". AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO AGRAVO NÃO PROVIDO. SÚMULA 284/STF. RECURSO QUE NÃO INFIRMA AS RAZÕES DA DECISÃO COMBATIDA. AGRAVO NÃO CONHECIDO.
1. A conclusão exarada pelas instâncias ordinárias sobre a abusividade do reajuste, afastada a alegação de aumento de sinistralidade, não prescinde da análise da relação contratual e circunstâncias fáticas do caso, inviável na instância extraordinária. Súmulas 05 e 07/STJ.
2. A inversão do ônus da prova fica a critério do juiz, segundo apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor e de sua hipossuficiência, conceitos intrinsecamente ligados ao conjunto fático-probatório dos autos delineado nas instâncias ordinárias, cujo reexame é vedado em sede especial. (AgInt no REsp 1409028/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/11/2016, DJe 01/12/2016).
3. O conhecimento do recurso especial interposto com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional exige a demonstração analítica do dissídio jurisprudencial, bem como a particularização do dispositivo federal tipo por violado, do que não se desincumbiu a parte recorrente.
4. Ausentes alegações que infirmem os fundamentos da decisão atacada, permanecem incólumes os motivos expendidos pela decisão recorrida.
5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1146549/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017).
Quanto a suposta violação aos arts. 6º, IV, 37 e 48 do CDC, tem-se que a mesma cinge-se à suposta prática de propaganda enganosa pela parte recorrida referente a desconto de 40% nas mensalidades sem a exigência de condições.
Nesse ponto, o Tribunal de origem, diante do contexto-fático probatório e das cláusulas contratuais firmadas pelas partes concluiu que não houve propaganda enganosa, pois o desconto propagado pela parte recorrida não se destinava a quaisquer alunos de forma indiscriminada, mas apenas àqueles originários do “Programa Reta Final dos Cursos Alfa”, requisito não demonstrado pela parte recorrente, bem como que os panfletos publicitários juntados aos autos não garantiam descontos durante todo o curso superior, o que corrobora a cláusula contratual firmada pelas partes, in verbis:
"Estabelecidas essas premissas, cotejando-se os documentos que ilustram os autos depara-se com a constatação de que a Instituição de Ensino Superior Paulo Martins - ESPAM veiculara propaganda prometendo bolsa universitária de 40% aos alunos provenientes do Programa Reta Final dos Cursos Alfa, não ressalvando até quando a bolsa se estenderia, nem se estaria restrita somente às matrículas ou às mensalidades ou se abrangeria ambas. Sob essa moldura, afere-se que as bolsas oferecidas estão sujeitas a condição a ser preenchida pelos interessados em obtê-las, qual seja, a de que fossem alunos originários do "Programa Reta Final dos Cursos Alfa", o que denota que os descontos compreendidos pela difusão não eram destinados a quaisquer alunos e de forma indiscriminada.
Com efeito, a instituição de ensino não está obrigada a conceder descontos nas mensalidades a seus alunos. Ao oferecer o benefício poderá, pois, estabelecer condições para que possa ser gozada pelo aluno beneficiário pela liberalidade.
Sob essa moldura, os panfletos publicitários juntados aos autos, além de não garantirem os descontos ofertados durante todo o curso superior no qual o interessado viesse a se matricular, ressalva expressamente que deveria ser egresso dos Cursos Alfa. Ou seja, as bolsas oferecidas, traduzidas em descontos nas mensalidades escolares, estão condicionadas à satisfação da condição estabelecida pela instituição de ensino, qual seja, de que o interessado fosse egresso da escola identificada.
(...)
Ademais, deve ser assinalado que, na forma do instrumento contratual firmado, o autor estava ciente da previsão contratual que alforriara a instituição de ensino superior em estender descontos promocionais para contratos futuros de alunos, obstando a germinação de direito adquirido ao benefício. Confira-se o § 7o da cláusula 6a do contrato celebrado em julho de 2011 pelos litigantes:
"Fica, desde já, ciente o CONTRATANTE/ALUNO (A), que o bônus para pagamento antecipado e/ou desconto promocional, constituem meras liberalidades concedidas pela Instituição, não representando obrigatoriedade quando CONTRATADA para contratos futuros, nem tampouco direito adquirido em favor do (a) CONTRATANTE/ALUNO (A)".
Dessa forma, a concessão de descontos nas mensalidades do curso constituíra mera liberalidade da instituição de ensino superior, decorrente, inclusive, da autonomia de gestão financeira e patrimonial que lhe é resguarda.
Considerando que não fora prometida a perduração da vantagem nem a difusão de propaganda encerrara a contemplação do benefício na forma almejada, não se verifica nenhum abuso ou prática iníqua por parte da ré. A propaganda veiculada, frise-se, somente vinculara a ré nos exatos termos da sua difusão.
Considerando que para a fruição dos descontos oferecidos fora pautada condição que, a seu turno, não fora satisfeita pelo autor, não subsiste suporte para que seja reputada apta a vincular a fornecedora por qualificar prática enganosa (CDC, arts. 6o, II, 37 e 48)." (e-STJ, fls. 194/197)
Deste modo, o reconhecimento de eventual propaganda enganosa de responsabilidade da parte recorrida demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos e análise de cláusulas contratuais, o que é inviável na sede estreita do recurso especial, a teor do que dispõem a Súmula 7 e Súmula 5 do Superior Tribunal de Justiça.
Confira-se:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. GRADUAÇÃO EM CURSO SUPERIOR. CURSO ANUNCIADO. PROPAGANDA ENGANOSA. REEXAME DE PROVA.
1. Não se admite o recurso especial quando sua análise depende de reexame de matéria de prova (Súmula 7 do STJ).
2. Agravo interno a que se nega provimento." (AgInt no AREsp 1096256/GO, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe 04/04/2018)
Diante do exposto, nos termos do art. 255, § 4º, II, do RISTJ, nego provimento ao recurso especial.
Publique-se.
Brasília (DF), 24 de abril de 2018.
MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) – Relator”
Evidente, portanto, que as bolsas, descontos e demais benefícios de cunho financeiro podem ser concedidos por ato de mera liberalidade das mantenedoras das instituições de ensino superior, sendo apenas necessário que cada programa tenha regras próprias, claras e, sobretudo, tornadas públicas para todos os interessados, como requisito essencial para sua efetiva aplicabilidade.
Para concluir, cumpre apenas registrar que, para as instituições participantes do PROUNI e do FIES, os descontos regulares e de caráter coletivo são aplicáveis a todos os estudantes beneficiários dos referidos programas, exceto, naturalmente, os bolsistas integrais no âmbito do PROUNI, sendo certo que, no caso específico do FIES, os valores a serem praticados para fins de financiamento devem contemplar a incidência de todos esses descontos, observando-se o disposto nas Resoluções n° 3/2017, alterada pela Resolução n° 20/2018 do Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil – CG-Fies.
A Resolução n° 3/2017 dispõe sobre a definição dos descontos de caráter coletivo, regulares ou temporários, a serem considerados pelas instituições de ensino no que diz respeito ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), nos seguintes termos, com a redação alterada pela Resolução n° 20/2018:
“Art. 1º Para fins do disposto nesta Portaria considera-se encargo educacional a parcela mensal da semestralidade ou anuidade escolar cobrada pela instituição de ensino superior (IES) do estudante no âmbito do Fies e não abrangida pelas bolsas parciais do ProUni, vedada a cobrança de qualquer valor ou taxa adicional.
Parágrafo único. Os encargos educacionais deverão considerar todos os descontos regulares e de caráter coletivo praticado pela IES, inclusive aqueles concedidos em virtude de pagamento pontual, nos termos do § 4º do art. 4º da Lei Nº 10.260, de 2001.
Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, não são considerados como descontos regulares e de caráter coletivo aqueles instituídos por liberalidade da IES com incidência sobre os encargos educacionais, exclusivamente aqueles conferidos ao estudante:
I - por mérito acadêmico ou destaque em atividades da instituição, inclusive esportivas;
II - com o objetivo de incentivar a participação em projetos de iniciação científica ou extensão;
III - servidor público beneficiado por convênio celebrado com os governos municipais e estaduais;
IV - beneficiado por convênio com entidades que atendem pessoas com deficiência ou individualmente pessoas com deficiências; e
V - professor ou seus dependentes, em razão de convenção coletiva de trabalho, desde que vinculado à mesma instituição de ensino; e
VI - trabalhador formal de empresa pública ou privada com 100 (cem) ou mais funcionários, que possua convênio com a instituição de ensino.
Parágrafo Único - Os descontos mencionados no inciso I a VI do caput deverão ser estendidos aos estudantes no âmbito do Fies que preencherem seus requisitos.”
Fundamental registrar que, mesmo não estando os descontos especificados na resolução acima transcrita obrigatoriamente adotados na definição do valor a ser financiado pelo FIES, os alunos beneficiários do referido programa que se enquadrem nas exigências para sua concessão terão direito à sua adoção para definição do valor efetivo a ser financiado.
Concluímos, portanto, pela legitimidade da concessão de bolsas, descontos e outros benefícios financeiros por ato de liberalidade das entidades mantenedoras, sendo, contudo, indispensável que cada tipo de beneficio tenha seu regramento claramente estabelecido, apontando de forma cristalina as hipóteses e critérios para sua concessão, manutenção e cessação.
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