Educação Superior Comentada | A necessidade de modernização dos instrumentos de avaliação

Ano 5 - Nº 26 - 16 de agosto de 2017

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, fala sobre a importância de que o instrumento de avaliação dos cursos de graduação acompanhe a evolução, cada vez mais veloz, da realidade educacional. Segundo ele, o MEC vem promovendo, de forma ainda cautelosa, a modernização das normas regulatórias. No entanto, direção semelhante precisa ser seguida pelos demais órgãos integrantes do sistema federal de ensino

16/08/2017 | Por: Gustavo Fagundes | 6275

A Constituição Federal de 1988, consagrando instituto fundamental presente nas Cartas Magnas nacionais desde o ano de 1946, assegura o direito à livre iniciativa na educação, obedecidas as normas gerais da educação nacional e mediante avaliação de qualidade pelo poder público.

Não obstante o manifesto caráter vanguardista e visionário da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) é correto afirmar que essa ousadia nunca teve o devido reflexo nas normas relativas à regulação, supervisão e avaliação, notadamente no caso da educação superior.

As instituições de ensino superior, historicamente, convivem com uma regulamentação vetusta, de nítido viés publicista e, em diversos pontos, flagrantemente intervencionista que rotineiramente traz empecilhos ao pleno exercício do princípio constitucional da livre iniciativa, como ocorre, por exemplo, no caso da abertura de novos cursos de Medicina.

Felizmente, o Ministério da Educação (MEC) parece, enfim, ter percebido a necessidade de harmonizar os comandos regulatórios com o espírito inovador da LDB, tanto que vem promovendo, de forma ainda cautelosa, a modernização das normas regulatórias no âmbito do sistema federal de ensino.

Começa a aplicar, de forma criteriosa, a possibilidade de estender às instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa determinadas atribuições de autonomia universitária, como faculta o § 2º do artigo 54 da LDB, demonstrando, com isso, que a avaliação de qualidade é questão fundamental, como prevê o referido dispositivo:

“Art. 54. As universidades mantidas pelo Poder Público gozarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos de carreira e do regime jurídico do seu pessoal.

.....

§ 2º Atribuições de autonomia universitária poderão ser estendidas a instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa, com base em avaliação realizada pelo Poder Público.”

Avançou, ainda, significativamente com o novo marco regulatório para a educação a distância (EAD), removendo alguns entulhos autoritários históricos, buscando, com isso, imprimir maior racionalidade e celeridade aos processos regulatórios, permitindo, doravante, maior atenção da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres/MEC) para as atividades de supervisão.

Infelizmente, nem todos os atores do processo caminham com a mesma passada em direção à modernização do aparato de regulação, supervisão e avaliação.

É imprescindível que a modernidade buscada no contexto regulatório tenha eco nos procedimentos de avaliação, sobretudo no que pertine à definição dos indicadores de qualidade a serem aferidos nas avaliações in loco, pois, hoje, é flagrante o descompasso entre os aspectos de regulação e avaliação no sistema federal de ensino, especialmente no que diz respeito ao instrumento aplicável aos cursos de graduação e ao credenciamento para oferta de educação a distância.

A modernização necessária, registre-se, do marco regulatório para a educação a distância demonstrou, de forma cristalina, a obsolescência do instrumento utilizado nos procedimentos de credenciamento para oferta dessa modalidade educacional.

Impôs, decerto, a necessidade premente e inadiável de revisão integral do referido instrumento, com vistas a garantir que, mesmo diante da grande flexibilização das normas regulatórias, a qualidade, avaliada com base em critérios claros e que permitam, de fato, aferir as condições institucionais, seja sempre a peça fulcral de toda atividade educacional.

Nesse mesmo sentido, é necessário que o instrumento de avaliação dos cursos de graduação também acompanhe a evolução, cada vez mais veloz, da realidade educacional.

No mundo moderno, algumas exigências não fazem mais o menor sentido da forma como estão sendo apresentadas, tais como:

Exigir a disponibilidade de grandes quantidades de equipamentos de informática para os alunos num mundo em que a maior parte dos estudantes já possui smartphones ou tablets próprios, no qual seria, portanto, muito mais lógico a garantia de acesso rápido e eficiente à internet e a aplicativos de interface educacional (indicador de qualidade 3.5);

Condicionar a efetividade, para fins de avaliação externa, de obras virtuais, no caso das bibliografias básicas das unidades curriculares, à indicação de uma obra virtual para cada unidade curricular, ao invés de permitir sua adoção para aquelas unidades que, efetivamente, disponham de títulos virtuais de qualidade, uma vez que é sabido que não existem bons títulos disponíveis para todas as possíveis disciplinas previstas (indicador de qualidade 3.6); e

Exigir assinatura para a maior parte dos periódicos especializados previstos, quando existem diversas bases de dados com enorme abrangência de temas, além da existência de muitos periódicos gratuitos de boa qualidade, com acesso online gratuito, sem demandar a formalização de uma assinatura (indicador de qualidade 3.8).

Pinço esses exemplos, retirados do instrumento de avaliação de cursos de graduação, todos integrantes da Dimensão 3 – Infraestrutura, para demonstrar a necessidade premente de revisão dos instrumentos de avaliação, presos num rigorismo formal em flagrante descompasso com a modernidade fluida com a qual a realidade nos confronta no cotidiano.

A manutenção de indicadores de qualidade obsoletos, divorciados da modernidade, além de tornar inadequado o procedimento avaliativo, termina por desviar a atenção das instituições de ensino de questões realmente relevantes, fazendo com que percam tempo e recursos para atender a aspectos que não tem o condão de permitir uma efetiva avaliação de qualidade da atividade educacional desenvolvida.

Entendo, portanto, que o esforço levado a efeito pelo Ministro da Educação, Mendonça Filho, sobretudo no âmbito da Seres/MEC, para modernizar o contexto regulatório e traduzir, na regulamentação, a inovação e a flexibilidade preconizadas pela LDB, precisa ser, necessariamente, seguido por esforços em semelhante direção por todos os demais órgãos integrantes do sistema federal de ensino.

Premente, nessa linha de raciocínio, a modernização dos instrumentos de avaliação, notadamente aqueles aplicáveis nos processos de credenciamento para oferta de educação a distância e de avaliação de cursos de graduação, para que possam, efetivamente, espelhar a evolução do contexto regulatório e, sobretudo, a velocidade de evolução das atividades educacionais, em todos os seus aspectos.

Fundamental, portanto, que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) promova debates qualificados com toda a comunidade acadêmica com vistas a seguir os passos do MEC, modernizando, com a velocidade que o mundo moderno exige, os procedimentos e instrumentos de avaliação.

Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.

A ABMES também oferece atendimento presencial nas áreas jurídica e acadêmica. Para agendar um horário, envie e-mail para faleconosco@abmes.org.br.


Conteúdo Relacionado

Áudios

Áudio: Os instrumentos de avaliação da educação superior no contexto da nova legislação (Debate)

Data:08/02/2018

Descrição:

Áudio do debate ocorrido no Seminário sobre os instrumentos de avaliação da educação superior no contexto da nova legislação

Download

Legislação

PORTARIA MEC Nº 315, DE 04 DE ABRIL DE 2018

Dispõe sobre os procedimentos de supervisão e monitoramento de instituições de educação superior integrantes do sistema federal de ensino e de cursos superiores de graduação e de pós-graduação lato sensu, nas modalidades presencial e a distância.

 


Notícias

IES precisam refletir sobre conceitos incluídos nos instrumentos de avaliação

Mensagem foi transmitida pela consultora da CC-Pares, Iara de Xavier, aos participantes do ABMES Regional realizado em Belo Horizonte/MG

Inep prepara capacitação sobre novos instrumentos de avaliação in loco de cursos de graduação e IES

As questões mais recorrentes registradas pelos pesquisadores institucionais das IES ganharão destaque nas capacitações a distância que a Diretoria de Avaliação da Educação Superior

Última semana da Avaliação Quadrienal analisa mestrados profissionais em rede

Ao longo do período, serão avaliados os mestrados profissionais em rede voltados à formação de professores da educação básica (PROFs)

Publicado o Relatório Síntese dos Resultados da Anasem 2016

O relatório contribui principalmente, com a autoavaliação dos cursos por parte das Instituições de Ensino Superior (IES)

Coluna

Educação Superior Comentada | As novas regras para credenciamento e recredenciamento de centros universitários

Ano 5 - Nº 19 - 28 de junho de 2017

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, fala sobre as novas regras para credenciamento e recredenciamento de centros universitários. Entre as alterações previstas no Parecer CNE/CES nº 248/2010 está a criação de centros universitários para faculdades devidamente credenciadas há, no mínimo, 6 anos e que tenha obtido conceito igual ou superior a 4 na avaliação institucional externa no ciclo avaliativo anterior

Educação Superior Comentada | A publicação da aprovação, em extrato, dos indicadores de qualidade dos instrumentos de avaliação institucional e de cursos de graduação

Ano 5 - Nº 40 - 22 de novembro de 2017

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, fala sobre a publicação, em extrato, dos indicadores de qualidade dos instrumentos de avaliação institucional externa e de cursos de graduação. Para o especialista, a medida tornou mais claras e objetivas as formas de assegurar que a avaliação reflita, efetivamente, a realidade encontrada, a melhoria da qualificação e a crescente responsabilização dos avaliadores

Educação Superior Comentada | As principais novidades regulatórias trazidas pelo Decreto n° 9.235/2017

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, apresenta e comenta as principais novidades regulatórias trazidas pelo Decreto n° 9.235/2017, de 15 de dezembro de 2017, que regulamenta a educação superior no Brasil. Para o especialista, a medida trouxe significativa modernização com a flexibilização de procedimentos regulatórios e atribuição progressiva de prerrogativas de autonomia universitária às instituições que demonstrem elevada qualidade nos procedimentos avaliativos

Educação Superior Comentada | A nova regulamentação para procedimentos de supervisão e monitoramento

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, analisa a nova regulamentação para procedimentos de supervisão e monitoramento de IES e cursos de graduação. Na opinião do especialista, a Portaria Normativa n° 22/2017 teve o objetivo de tornar mais clara a regulamentação acerca do processo administrativo de supervisão das instituições e cursos de graduação, além de tratar de questões ligadas ao acervo acadêmico a ao processo de transferência assistida

Educação Superior Comentada | As principais mudanças trazidas pelos instrumentos de avaliação de cursos de graduação relativamente ao corpo docente

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, analisa as principais mudanças trazidas pelos instrumentos de avaliação de cursos de graduação relativamente ao corpo docente. Segundo o especialista, a principal mudança verificada nos instrumentos de avaliação de cursos de graduação, notadamente para fins de autorização de cursos, foi a adoção de critérios avaliativos que objetivam assegurar o respeito à individualidade das instituições de educação superior

Educação Superior Comentada | A nova sistemática de avaliação dos indicadores relativos às bibliografias básica e complementar nos instrumentos de avaliação de cursos de graduação

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, comenta a mudança na sistemática de avaliação dos indicadores relativos às bibliografias básica e complementar nos instrumentos de avaliação de cursos de graduação. Segundo o especialista, o afastamento da utilização de parâmetros objetivos uniformes e impeditivos do pleno exercício da autonomia didático-científico das instituições representa um inegável avanço no respeito aos projetos pedagógicos das IES