Durante muito tempo, foi absolutamente pacífico o entendimento de que as universidades públicas não poderiam efetuar a cobrança pela oferta dos cursos de pós-graduação lato sensu.
Esse entendimento, consoante de pacífica jurisprudência, tinha lastro nos preceitos contidos na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) sobre o tema.
Com efeito, o artigo 206 da Constituição Federal é absolutamente cristalino ao prever, em seu inciso IV, a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais como um dos princípios basilares da educação no país:
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
.....
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;”.
Repetindo o texto constitucional, o artigo 3º da Lei nº 9.394/1996 (LDB), em seu inciso VI, reitera a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais como princípio essencial da oferta do ensino:
“Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
.....
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;”.
A partir da análise desses dois dispositivos, reinava dominante o entendimento acerca da impossibilidade de cobrança de taxa de matrícula e de mensalidades pelas universidades públicas, independentemente do tipo ou modalidade de curso ofertado, inclusive no que diz respeito aos cursos de pós-graduação lato sensu.
Este entendimento, inclusive, restou consolidado por muitos anos, chegando a ensejar a edição da Súmula Vinculante n° 12, do Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual “a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal”.
Todavia, em abril de 2017, ao julgar o Recurso Extraordinário n° 597.854/GO, sob a relatoria do Ministro Edson Fachin, o STF modificou o entendimento até então consolidado.
O debate seguiu linha já adotada em algumas discussões levadas a efeito sobre o tema, nas quais surgia o entendimento de que os cursos de pós-graduação lato sensu eram essencialmente destinados à qualificação para o mercado de trabalho, não guardando, portanto, estreita relação com o desenvolvimento das atividades de manutenção e desenvolvimento do ensino.
Nesse sentido, relevante destacar trecho do voto do Relator, Ministro Édson Fachin:
“De fato, o regime constitucional de pós-graduação deve derivar das exigências constitucionais contidas no art. 207 da CRFB. É impossível afirmar, a partir de uma leitura estrita da Constituição, que as atividades de pós-graduação são abrangidas pelo conceito de manutenção e desenvolvimento do ensino, parâmetro constitucional para a destinação, com exclusividade, dos recursos públicos.
Para a solução do presente caso é preciso examinar, assim, se a instituição de cursos de pós-graduação implica, necessariamente, gratuidade. Cingir-se-á, aqui, como já dito, à especialização.
A tarefa de disciplinar quais características determinado curso assumirá compete ao legislador. Caso a atividade preponderante refira-se à manutenção e desenvolvimento do ensino, a gratuidade deverá ser observada, nos termos do art. 206, IV, da CRFB.
.....
Da Lei de Diretrizes e Bases é possível depreender, ainda, que os cursos de pós-graduação destinam-se à preparação para o exercício do magistério superior (arts. 64 e 66) e, por isso, são indispensáveis para a manutenção e desenvolvimento das instituições de ensino (art. 55).
É preciso observar, porém, que apenas os cursos de pós-graduação que se destinam à manutenção e desenvolvimento do ensino é que são financiados pelo poder público. Novamente é a Lei, em seus arts. 70 e 71, que fixa as regras para contabilizar essas despesas:”
Adiante, o Ministro Relator conclui seu voto, manifestando-se pela possibilidade de cobrança pela oferta de cursos de pós-graduação lato sensu pelas universidades públicas:
“Em suma, é preciso reconhecer que nem todas as atividades potencialmente desempenhadas pelas universidades referem-se exclusivamente ao ensino. A função desempenhada pelas universidades é muito mais ampla do que as formas pelas quais elas obtêm financiamento. Assim, o princípio da gratuidade não as obriga a perceber exclusivamente recursos públicos para atender sua missão institucional. Ele exige, porém, que, para todas as tarefas necessárias à plena inclusão social, missão do direito à educação, haja recursos públicos disponíveis para os estabelecimentos oficiais.
O termo utilizado pela Constituição é que essas são as tarefas de “manutenção e desenvolvimento do ensino”. Consequentemente, são a elas que se estende o princípio da gratuidade. Nada obstante, é possível às universidades, no âmbito de sua autonomia didático-científica, regulamentar, em harmonia com a legislação, as atividades destinadas preponderantemente à extensão universitária, sendo-lhes, nessa condição, possível a instituição de tarifa. Noutras palavras, a garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança, por universidades públicas, de mensalidade em curso de especialização.
Sendo esse o fundamento único da impetração, incorreto o entendimento do Tribunal a quo que, sem observar a vinculação entre a atividade em face da qual se estabeleceu a tarifa, estende a ela a gratuidade.
Ante o exposto, circunscrevendo o debate no âmbito específico dos cursos de especialização, dou provimento ao recurso extraordinário, para denegar a segurança pleiteada.
É como voto.
Proposta de tese: A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança, por universidades públicas, de mensalidade em curso de especialização.”
Com exceção do Ministro Marco Aurélio Mello e do ausente o Ministro Celso de Mello, todos os demais membros da suprema Corte acompanharam o voto proferido pelo Ministro Relator Édson Fachin, consolidando, assim, o entendimento adotado na tese vencedora, culminando com a edição do seguinte Acórdão:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. COBRANÇA DE MENSALIDADE EM CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU POR INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO. CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA GRATUIDADE DO ENSINO EM ESTABALECIMENTOS OFICIAIS. INOCORRÊNCIA.
1. A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança, por universidades públicas, de mensalidade em curso de especialização.
2. Recurso extraordinário a que se dá provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, preliminarmente, por maioria, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, em indeferir pedido de sustentação oral do advogado do amicus curiae Associação Nacional dos Pós-Graduandos - ANPG. Em seguida, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 535 da repercussão geral, deu provimento ao recurso para denegar a segurança pleiteada, e fixou a seguinte tese: "A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de mensalidade em cursos de especialização", vencido o Ministro Marco Aurélio.
Brasília, 26 de abril de 2017.
Ministro EDSON FACHIN - Relator” (RE n° 597.854/GO).
Cumpre registrar que, tendo ainda o STF decidido pela repercussão geral do tema sob análise, o entendimento acerca da possibilidade de cobrança para oferta de cursos de pós-graduação lato sensu pelas universidades públicas passou a ser adotado pelos demais tribunais, como demonstram os recentes arestos, oriundos do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
“EMENTA
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU. UNIVERSIDADE PÚBLICA. COBRANÇA DE MENSALIDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO EM GRAU DE REPERCUSÃO GERAL DO STF (RE 597.854/GO). SEGURANÇA DENEGADA.
I – A controvérsia instaurada nos presentes autos relaciona-se à possibilidade ou não de cobrança de mensalidades no curso de pós-graduação lato sensu em Universidade Federal.
II – O entendimento pacificado no âmbito desta Corte Regional desde 2012 era o de que "a cobrança de taxa de matrícula ou mensalidade em qualquer curso ministrado em estabelecimento oficial de ensino público viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal".
III – O Supremo Tribunal Federal, em abril de 2017, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 597.854, Rel. Ministro Edson Fachin, em regime de repercussão geral, decidiu por maioria que as universidades públicas podem cobrar mensalidade por cursos de pós-graduação lato sensu, sob o argumento de que “A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de mensalidade em cursos de especialização".
IV – Apelação e remessa oficial providas. Segurança denegada.” (Apelação/Reexame Necessário n° 0011664-14.2015.4.01.3500/GO, 5ª Turma do TRF da 1ª Região, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, v.u., e-DJF1, n° 161, 01.09.2017, pág. 258).
“EMENTA
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU. UNIVERSIDADE PÚBLICA. COBRANÇA DE MENSALIDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO EM GRAU DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF (RE 597.854/GO). SEGURANÇA DENEGADA.
I – A controvérsia instaurada nos presentes autos relaciona-se à possibilidade ou não de cobrança de mensalidades no curso de pós-graduação lato sensu em Universidade Federal.
II – O entendimento pacificado no âmbito desta Corte Regional desde 2012 era o de que "a cobrança de taxa de matrícula ou mensalidade em qualquer curso ministrado em estabelecimento oficial de ensino público viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal".
III – O Supremo Tribunal Federal, em abril de 2017, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 597.854, Rel. Ministro Edson Fachin, em regime de repercussão geral (Tema nº 535), decidiu, por maioria, que as universidades públicas podem cobrar pelos cursos de pós-graduação lato sensu que oferecem, haja vista que a “garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de mensalidade em cursos de especialização".
IV – Apelação e remessa oficial providas. Segurança denegada.” (Apelação/Reexame Necessário n° 0016395-53.2015.4.01.3500/GO, 5ª Turma do TRF da 1ª Região, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, v.u., eDJF1, n° 178, 27.09.2017, pág. 94).
Desse modo, a partir da modificação do entendimento anteriormente consolidado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário passou a entender que não há impedimento legal para que as instituições públicas promovam a cobrança pela oferta dos cursos de pós-graduação lato sensu.
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