As alterações promovidas pelo governo federal no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) no final de 2017 concluíram o processo de retirada do caráter social do programa iniciado em 2015. Fundamentadas na necessidade de ajuste fiscal diante da crise econômica vivenciada pelo país e no alto índice de inadimplência, as alterações conferiram o caráter eminentemente fiscal e financeiro ao programa, tornando-o inacessível para os estudantes.
Para eles, a divisão das vagas em três modalidades, sendo duas geridas por bancos privados no que foi denominado Programa de Financiamento Estudantil (P-Fies), dificultou sobremaneira o acesso, já que o financiamento estudantil somente é liberado aos estudantes que atendem às exigências bancárias de garantia de pagamento, geralmente muito mais rígidas do que as adotadas pelo governo.
Além disso, há que se estar atento às taxas de juros cobradas nas modalidades 2 e 3. Mesmo na modalidade 2, que conta com recursos de fundos constitucionais, as taxas de juros são mais altas do que as cobradas na modalidade 1 (onde ocorre o financiamento público).
Outro aspecto diz respeito à redução drástica no número de vagas ofertadas, caindo de 732,68 mil contratos em 2014 para 80 mil na modalidade 1 em 2018. Nas modalidades 2 e 3, para as quais havia a promessa de 210 mil vagas, apenas 800 contratos foram efetivados no primeiro semestre do ano e 256 no segundo.
Na contramão desse cenário está a relevância do programa enquanto política pública de acesso à educação superior. Levantamento realizado pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), em parceria com a empresa de pesquisas educacionais Educa Insights, revelou que 83% dos formados com financiamento do Fies são oriundos de escolas públicas e 73% têm renda familiar mensal inferior a 4,5 salários mínimos.
Para complicar um pouco mais o quadro, além de reduzir o número de vagas e dificultar no aspecto financeiro, a reformulação do Fies manteve alguns dos principais gargalos já verificados desde o modelo antigo, como o não financiamento de 100% do valor da mensalidade; a existência de cursos prioritários; e a relação da renda com a nota exigida no Enem.
A retirada do caráter social do programa prejudicou quem mais precisava dele para ter acesso à educação superior. O impacto dessa medida será sentido não só na queda do número de graduandos e, consequentemente, no distanciamento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), mas no desenvolvimento do país como um todo, que continuará a arcar os prejuízos sociais e econômicos de não ter uma população educada e devidamente qualificada.
De fato, as regras precisam ser repensadas, mas não para prejudicar ainda mais estudantes que não podem arcar com os custos de uma graduação. Elas precisam ser alteradas para que o programa tenha sua missão restabelecida. O governo precisa retomar o entendimento de que política pública em educação não é gasto, mas investimento.
E foi pensando nisso que recentemente a ABMES apresentou uma proposta de reformulação do Fies. Fundamentado na união de forças entre governo, estudantes e instituições particulares de educação superior (IES), o novo formato tem como principal objetivo resgatar o aspecto social do programa.
Nessa nova construção, as IES concedem descontos expressivos para os estudantes beneficiados pelo programa ao passo em que o governo financia 100% da mensalidade e os alunos transformam a coparticipação em amortização do financiamento já no mês subsequente à adesão, de acordo com as condições financeiras de cada um deles. Assim, além de impactar na taxa de juros e no prazo de amortização, os recursos que começam a voltar imediatamente para os cofres públicos retroalimentam o sistema, permitindo que mais jovens tenham acesso ao financiamento.
Em 2018, o Fies teve seu pior desempenho na série histórica e milhares de estudantes viram frustrado o sonho de cursar uma graduação – e isso em um país no qual apenas 17% dos jovens adultos (25 a 34 anos) possuem educação superior.
A performance pífia das modalidades privadas, intituladas de P-Fies, evidenciam que a solução não passa pela transferência da responsabilidade constitucional do governo (de garantir o acesso da população à educação) para agentes financeiros privados. Até porque não há cenário possível em que as condições de oferta destes sejam mais acessíveis do que as governamentais.
Estamos otimistas e confiantes de que o novo governo está atento a esta questão e vai trabalhar não só para resgatar o programa, mas para conceder à educação a posição de destaque que lhe é de direito e sem a qual permaneceremos enraizados no contexto de estagnação social e econômica que há décadas nos acompanha.