A Revolução Cultural Chinesa - movimento liderado por Mao Tsé-tung que perseguiu professores, intelectuais e artistas - levou ao fechamento de praticamente todas as universidades do país asiático por dez anos, entre 1966 e 1976. Hoje, quatro décadas depois, o governo da China investe fortemente para atrair estrangeiros para suas universidades, concedendo generosas bolsas de estudo. Atualmente, há cerca de meio milhão de alunos de outros países estudando nas instituições chinesas. Algumas delas já despontam entre as melhores do mundo.
O volume de estudantes brasileiros na China ainda é pequeno, mas vem aumentando com a estratégia do governo de atrair estrangeiros com bolsas que arcam com todos os custos. “Em Macao, temos mais bolsas de estudo para estrangeiros do que demanda de estudantes”, contou Sou Chio Fai, diretor do departamento de ensino superior do governo da região.
O gaúcho Bruno Locatelli interrompeu sua graduação de engenharia na Univates, universidade privada do Rio Grande do Sul, após conseguir uma bolsa para cursar mandarim na Beijing Language and Culture University, em Pequim. Já Laura Torres se formou em relações internacionais pela Unesp e está na China há um ano, fazendo um mestrado na Fudan. Seu colega, Ney Myahira, de 38 anos, doutorando da FEA-USP, está na China com seu professor orientador, que foi convidado pela Fudan. Os três brasileiros - Laura, Locatelli e Myyahira - estão no país asiático estudando com bolsa do governo chinês.
Diante do interesse dos brasileiros e da importância econômica que a China conquistou, os grupos privados de ensino superior do Brasil estão firmando parcerias com universidades chinesas. “O ensino superior particular brasileiro cresceu muito e agora está na hora da internacionalização. Historicamente, o intercâmbio é feito por alunos de pós-graduação ou de uma classe mais privilegiada. Precisamos oferecer para todos”, disse Celso Niskier, diretor presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e da Unicarioca.
Representantes de faculdades brasileiras e da ABMES estiveram em cinco cidades da China em outubro, durante duas semanas. No período, foram fechados acordos com a Beijing Language and Culture, University of Macau, Beihang e Shanghai Business School. Há ainda um processo em andamento com a Fudan.
No acordo com Beihang University, de Pequim, as instituições brasileiras Unicarioca, UniAtenas e Inapós fecharam negócios e adquiriram um software de realidade virtual desenvolvido pelo centro de inovação da universidade chinesa. O programa permite, por exemplo, simulações de aulas de anatomia ou experimentos em laboratórios de química com uso de realidade aumentada.
“O custo é muito interessante. Vou pagar US$ 10 mil por curso, independentemente do número de alunos e com direito a atualizações do software. No Brasil, um programa semelhante custa R$ 600 mil e é preciso pagar um extra por aluno”, disse Roberto Costa Rabello, pró-reitor de infraestrutura e estratégia da UniAtenas, de Minas Gerais. A ideia é usar o programa de realidade virtual nas escolas de ensino médio e na faculdade de medicina do grupo.
A Unicarioca vai usar o software de realidade virtual no mestrado de tecnologias aplicadas à educação. Os alunos do colégio público Pedro II, do Rio, usam o programa para aprendizado de diversas disciplinas como, por exemplo, meio ambiente. A mineira Inapós, por sua vez, adotará o programa em sua graduação de odontologia.
Na semana em que o presidente Jair Bolsonaro esteve na China, também em outubro, a Capes, órgão do MEC responsável pelo apoio a pesquisas acadêmicas, firmou acordo com a National Natural Science Foundation of China (NSFC), agência de fomento à pesquisa e inovação chinesa.
“É impressionante como em quarenta e poucos anos, as universidades chinesas conseguiram se recuperar e aparecem hoje nos melhores rankings. Claro, uma coisa que houve é que não faltaram recursos financeiros para isso. A capacidade financeira do Estado chinês faz com que eles tenham dinheiro para mandar as pessoas estudarem fora, investir em laboratórios, pagar bolsas de estudo. Vários chineses foram estudar fora, se capacitaram e voltaram. Mas chama atenção como eles conseguiram multiplicar a educação no país”, disse Paulo Estivallet de Mesquita, embaixador do Brasil na China.
Nos últimos 40 anos, 5 milhões de chineses foram estudar em outros países, sendo que 3,5 milhões retornaram à China. Hoje, há cerca de 38 milhões de jovens na universidade, o que representa 48% da população local com idade entre 18 e 22 anos. No Brasil, esse percentual é de 18% (considerando os jovens com até 24 anos).
No mais recente ranking da revista britânica “Times Higher Education”, que avalia cerca de 1,3 mil instituições do mundo, as universidades Tsinghua e Peking foram as melhores classificadas, na posições 23 e 24, respectivamente. Além dessas duas, outras três instituições de ensino do país são destaque: a University of Science and Technology of China e as universidades Zhejiang e Fudan.
“Além do alto investimento nas universidades para que elas tenham performance em padrões internacionais, o governo usa as pesquisas dessas intituições como fonte de informação para embasar políticas públicas. Então, há uma demanda para que produzam dados corretos, caso isso não ocorra, são cobradas”, disse Evandro Menezes de Carvalho, consultor especializado em China e professor da FGV-RJ.
Questionado sobre as vantagens de um estrangeiro optar por uma universidade chinesa e não da Europa ou dos EUA, Li XiaoMu, vice-reitor da Beijing International Studies University (Bisu), em Pequim, argumentou que o seu país vive um grande momento econômico e que “após estudar na Bisu, na China ou aprender chinês os alunos serão mais competitivos no mercado de trabalho.”
Se por um lado, o vigor da economia do país é um atrativo para estrangeiros na China, o grande empecilho para as universidades chinesas deslancharem no cenário internacional é o idioma. A maior parte dos cursos de graduação é ministrada em mandarim. A oferta de cursos em inglês se dá na pós-graduação.
Outro desafio é o controle do governo sobre as universidades. Na semana passada, um artigo do jornal “Financial Times” mostrou que a London School of Economics, tradicional universidade britânica, adiou um programa de pesquisa sobre a China, por receio de que os estudos não pudessem ser independentes. O principal patrocinador do programa era um empresário apoiador do Partido Comunista e havia sido definido que o conselho do grupo de estudos não poderia ter membros contrários às diretrizes do governo.
Na China continental, todas as universidades são públicas, ou seja, são controladas pelo partido comunista, que sempre tem um representante dentro das instituições de ensino superior. Apesar de serem públicas, não são gratuitas. Uma graduação, com direito a dormitório compartilhado, sai pelo equivalente a R$ 500 ao mês para um chinês. O valor varia muito conforme o tipo de curso, instituição de ensino e região. Mas a questão financeira não é um grande problema, uma vez que o governo ajuda os alunos com renda menor.
O grande desafio para os estudantes chineses é o vestibular, conhecido como Gaokao. O processo é extremamente disputado, com provas em dois dias. Os alunos com as melhores pontuações podem escolher as universidade mais conceituadas, num processo semelhante ao nosso Enem. No entanto, há uma grande diferença que torna o Gaokao muito mais concorrido. Na China, o estudante só pode prestar o vestibular uma vez na vida. Quem não consegue entrar na universidade, pode ir para cursos politécnicos, mas ficam sujeitos a empregos com menor remuneração.
Os estrangeiros não precisam passar por um processo tão acirrado. O custo da universidade é maior, mas não se compara a de outros países. Na Fudan, uma das melhores instituições da China, a anuidade varia de R$ 13 mil a R$ 42 mil, dependendo do curso.