Desde o final do ano de 2017, apresentei diversas manifestações acerca do novo marco regulatório para a educação superior, editado naquela ocasião, com a publicação do Decreto n° 9.235/2017 e das diversas portarias normativas que o seguiram.
Uma das questões suscitadas dizia respeito à necessidade de incremento nas atividades de supervisão e nas então criadas atividades de monitoramento, com o regramento trazido, inicialmente, pela Portaria Normativa n° 22/2017 e, em seguida, pela Portaria n° 315/2018, que revogada a anterior e trazia pequenas alterações no texto original, como já abordado neste espaço, na edição n° 11, veiculada em 11.4.2018.
Como mencionado em outras ocasiões, o novo pacote regulatório, encabeçado, na verdade, pelo Decreto n° 9.057/2017, mas abordado de forma mais efetiva a partir da edição do Decreto n° 9.235/2017, face a especificidade do tema tratado naquele, trouxe saudáveis ares de modernidade ao contexto regulatório, com flexibilização das regras e abrandamento do antes vigente rigorismo burocrático.
O problema que se anunciava era que essa súbita distensão do sistema regulatório poderia ensejar excessos, decorrentes da redução do rigor e do abrandamento da postura regulatória, sobretudo se não houvesse, por motivos óbvios, a adequada atuação do Estado no exercício do poder-dever de supervisionar e fiscalizar a atuação de todos os atores envolvidos no processo educacional.
Participando de debates sobre o contexto regulatório, procurei externar essa preocupação, e sempre recebi, dos gestores públicos do MEC, que esse risco fora previsto e que a redução da atividade regulatória, antes excessiva, permitiria a efetivação das atividades das ações de supervisão e monitoramento, justamente para detectar e evitar eventuais excessos.
Decorrido mais de um ano da edição do Decreto n° 9.057/2017 e mais de sete meses da edição do pacote regulatório capitaneado pelo Decreto n° 9.235/2017, a triste constatação é de que a prometida efetivação das ações de supervisão e monitoramento ainda não foi capaz de decolar e sair do protocolo de intenções.
Em virtude desse descompasso entre teoria e prática, temos presenciado alguns excessos decorrentes do abrandamento regulatório, divorciado da efetividade das ações de supervisão e monitoramento e, aparentemente, da falta de maturidade do próprio mercado, como um todo considerado.
Exemplos desses excessos, alguns naturalmente não advindos das modificações do contexto regulatório, mas certamente decorrentes do pouco caso e de aparente descompromisso com a qualidade são noticiados todos os dias.
Vão desde a divulgação de campanhas e notícias com erros crassos no uso do vernáculo à instalação de polos de apoio presencial em locais sem condições mínimas de desenvolvimento das atividades presenciais previstas, passando pela oferta de cursos com preços que parecem ter saído de panfletos de Black Friday.
Recentemente, cheguei a receber um material de divulgação convidando os interessados a se tornarem donos de faculdade com o módico investimento de R$ 14.000,00 (catorze mil reais), o que, evidentemente, não permite sequer o pagamento das taxas de avaliação in loco necessárias ao credenciamento institucional e à autorização de um único curso de graduação.
Naturalmente, esses são casos veiculados pelos próprios interessados ou que acabam entrando em circulação pelas mãos de pessoas que testemunham tais fatos ou recebem tais promoções, existindo, decerto, outras situações que evidenciam os excessos que vem sendo praticados.
Acompanhamos, há pouco tempo, a grave situação dos institutos não credenciados, que atuam em boa parte do País oferecendo cursos de extensão que são indevidamente vendidos como cursos regulares, com a garantia de acesso desses alunos a processos espúrios de aproveitamento de estudos e emissão de diplomas “esquentados”.
Neste caso concreto, a atuação do MEC na supervisão e sancionamento dos envolvidos somente ocorreu depois de disseminada tal prática em quase todo o País, depois de milhares de estudantes prejudicados recorrerem a órgãos do Ministério Público e mesmo do Poder Legislativo, inclusive com instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito em alguns Estados da Federação.
No caso dos excessos, não surgidos, mas certamente intensificados, depois da modernização, e consequente flexibilização, do contexto regulatório, parece que, mais uma vez, a atuação do MEC somente vem sendo efetivada depois da mobilização de outros segmentos do poder público para coibir os abusos.
Entendo que o correto seria uma postura ativa, e não meramente reativa, do órgão responsável pela regulação, supervisão e avaliação no âmbito do sistema federal de ensino, principalmente enquanto os demais atores do processo ainda se encontram em processo de amadurecimento, precisando dar mais alguns passos firmes na direção de uma responsabilidade compatível e proporcional à importância da atividade que desempenham.
Convém lembrar que, além das atividades de supervisão, o contexto regulatório trouxe a figura da atuação do poder público sob a forma de monitoramento, que certamente tem como escopo o acompanhamento da atuação dos atores do processo, de forma geral e preventiva, para, em caso de indícios de irregularidade ou inadequação aos padrões de qualidade, dar início a procedimento administrativo de supervisão.
A grande, e talvez desagradável verdade, é que precisamos todos amadurecer como protagonistas do processo de mudança da situação da educação no Brasil, pois cada um de nós tem sua indelével parcela de responsabilidade na condução das mudanças que, com acerto, julgamos necessárias.
Caso o Ministério da Educação não assegure, com brevidade, a efetivação das ações de supervisão e monitoramento, não tardará o dia em que encontraremos cursos superiores sendo oferecidos a R$ 1,99 ou polos de apoio presencial instalados em quiosques nos corredores dos principais shoppings do País.
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