Durante um ano e meio, a rotina de Max Linder de Moura, 30 anos, foi atribulada. Trabalho, horas perdidas no trânsito, aulas e todos os sábados tomados para cursar um MBA em finanças. A correria levou o administrador de empresas a cogitar desistir de continuar a estudar. Até que ele recebeu um email de uma instituição que falava sobre ensino a distância (EAD). Descobriu ali que a saída para seu problema estava na internet.
“Percebi que era possível fazer um bom curso superior online. Foi uma experiência completamente diferente, mais leve, consegui aproveitar muito mais e ainda ter tempo para descansar e me divertir”, diz ele, que está prestes a entregar o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) para se formar em economia comportamental pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
Moura adequou os estudos a sua rotina e encontrou horários alternativos para assistir às aulas, ler e fazer atividades, como nas quase três horas que gasta no trânsito do Rio de Janeiro para ir e voltar do trabalho.
“Tive aulas com professores de outros países, tirava todas as dúvidas com as ferramentas virtuais, consegui me organizar para estudar e fiz muito contato com os colegas de turma. Estou satisfeito e já me programando para o próximo curso”, afirma Moura, que recebeu até uma proposta enquanto fazia o MBA e trocou de emprego.
Como ele, cerca de 1,5 milhão de brasileiros optam pelo ensino a distância — 18,6% das matrículas totais. Em 2004, eram apenas 60 000, 4,2% do total. O número de ingressantes nessa modalidade no ensino superior cresceu 21,4% de 2015 a 2016 e já representa 28% dos novos alunos. Por outro lado, a quantidade de alunos que entraram em vagas presenciais em faculdades sofreu retração de 3,7% no mesmo período.
Flexibilidade e preço
O crescimento vertiginoso do EAD se deve a dois fatores principais, segundo especialistas em educação. A flexibilidade é um deles. Em um curso online o aluno pode estudar onde e quando quiser. É uma solução para quem prefere evitar grandes deslocamentos ou já está no mercado de trabalho, com horários apertados. A modalidade também tem ampliado o acesso à educação superior principalmente para pessoas que vivem em localidades distantes dos grandes centros e não teriam como acessar cursos presenciais.
Kátia de Jesus, professora de graduação e pós-graduação do EAD da Laureate International Universities no Brasil — que inclui instituições como Anhembi Morumbi e FMU, entre outras —, lembra de um caso que exemplifica o tamanho do alcance que essa modalidade de ensino pode ter.
“Tivemos uma aluna que cumpria pena em regime semiaberto. Em alguns dias específicos era permitido a ela acessar materiais no computador. Muitas vezes foram solicitadas prorrogações de prazos de trabalhos ou de provas para que ela pudesse estar liberada para fazer as atividades. Ela conseguiu se formar”, diz a professora, que trabalha com EAD desde 2013.
O outro fator que ajuda a explicar o crescimento das matrículas no EAD é o custo: as mensalidades podem ser até 65% mais baratas dos que as presenciais. De acordo com o censo da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância), o valor médio caiu de 348 reais em 2012 para 279 reais no ano passado. O preço é justificado pela escala. Os cursos atingem maior número de alunos e um mesmo professor leciona para muito mais estudantes do que na dinâmica presencial. A tecnologia usada também não é muito cara. A oferta de preços leva em conta, ainda, as diferenças regionais. Por exemplo, um curso de São Paulo que quer atrair estudantes de todo o Brasil não pode cobrar baseado apenas na economia do Sudeste.
“Conseguimos trabalhar em escala, então o preço é mais acessível. (EAD) É um grande instrumento de educação inclusiva, talvez uma nova forma de o país conseguir aumentar o número de pessoas com ensino superior”, diz Josiane Tonelotto, reitora de EAD da rede Laureate.
Como funciona
Os primeiros cursos de graduação à distância no Brasil datam de 1995 e serviam principalmente para oferecer formação em pedagogia para professores. Hoje, o catálogo já inclui engenharias, estudos tecnólogos e nas áreas de saúde, gastronomia e estética, entre outros. As instituições públicas que oferecem EAD no Brasil representam 44% do total. No entanto, ficam com apenas 9% das matrículas, segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
O desenho dos cursos e as ferramentas tecnológicas usadas por eles variam. As melhores faculdades costumam oferecer ambientes virtuais em que os alunos podem acessar aulas, textos e tarefas online, como em uma página da internet em que estudante se loga e tem acesso aos conteúdos.
As aulas podem ser gravadas, com um esquema mais expositivo, ou ao vivo, com a possibilidade de interação dos alunos para discutir temas e tirar dúvidas — o conteúdo fica disponível na plataforma digital para aqueles que não puderam “comparecer”.
Também há sistemas de fóruns e chats, com a participação de professores ou tutores, para o aprofundamento de conteúdos e questionamentos. As provas podem ser online ou presenciais. Como nas faculdades convencionais, há até trabalhos em grupo e TCC, com a interação entre estudante e orientador feita por meio das ferramentas virtuais.
Algumas instituições oferecem também locais físicos em que os alunos podem ser reunir para estudar — para algumas disciplinas, principalmente das áreas de engenharia e saúde, as aulas práticas e em laboratórios são obrigatórias.
Perfil do aluno de EAD
A liberdade para escolher horários e a autonomia para o estudo são bastante atraentes. Elas não significam, no entanto, mais facilidade. Especialistas e alunos ressaltam que disciplina e organização são fundamentais no ensino a distância, já que o bom andamento da aprendizagem depende muito mais do estudante.
“Estudar a distância é um massacre para os alunos. Sem ter uma cadência permanente para fazer as leituras, assistir às aulas, cumprir as tarefas e as provas, não se consegue chegar a bons resultados. No começo, muitos alunos desistem porque imaginavam que ‘não tinha que estudar'”, diz João Vianney, professor e consultor de EAD na Hoper Educação, em Florianópolis, e consultor da Associação Brasileira de Educação à Distância (Abed). “Mas quem consegue vencer a trilha de esforço e de aprendizagem adquire hábitos de autonomia e determinação que fazem a diferença ao longo da vida”, completa.
Flávia Ávilla, 34, enfrentou o desafio do EAD do outro lado da tela. Após concluir um mestrado na Inglaterra, voltou ao Brasil e se tornou coordenadora e professora da primeira pós-graduação em economia comportamental do país, na ESPM. O curso, diz, seria mais limitado se estivesse restrito às salas de aula. Graças às ferramentas online, por exemplo, foram viabilizadas as participações de professores de outros países.
O curso a distância, segundo a professora, também torna a turma mais diversificada: ela tem alunos de 20 a 60 anos, de quem está começando no mercado de trabalho a executivos do Banco Mundial.
“No início, eu tinha receio de que fosse pouco dinâmico, mas o desenho do curso da ESPM me surpreendeu. Temos aulas ao vivo, chats, fóruns, grupo de WhatsApp. A troca com os alunos é mais intensa do que em curso presencial”, afirma Ávilla, que já lecionou de quartos de hotéis e viu alunos “entrarem” na aula enquanto andavam de bicicleta.
Análise da Hoper Educação mostra que a idade mais comum entre os estudantes de ensino superior à distância no Brasil é 28 anos — no presencial, 21. A média caiu de 42 anos em 2000 para 33 em 2014.
“No ensino a distância, vemos três perfis que se destacam: o do jovem que não tem condições de sair do meio em que se encontra para ir a uma universidade; dos profissionais que já atuam no mercado e moram em cidades distantes ou não têm flexibilidade de horários; e o de pessoas de mais idade, que querem se reciclar e buscar novas perspectivas profissionais”, diz Lovois Miguel, secretário de EAD da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Vinicius Athouguia Gama, 29 anos, jamais pensou em parar de estudar. Engenheiro elétrico formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, queria aprender mais, aventurar-se por novas áreas e se tornar um profissional mais bem qualificado. Quando decidiu começar a colocar o plano em prática e iniciar um MBA, no entanto, esbarrou no calendário. Gama trabalha para a Petrobras e passa metade dos meses embarcado em navios ou plataformas de petróleo no meio do oceano, a centenas de quilômetros de uma sala de aula.
Depois de tentativas frustradas em busca de um curso que se adequasse à sua agenda, descobriu que poderia facilmente transpor a barreira geográfica usando computador e internet sem abrir mão da qualidade de uma renomada e bem avaliada instituição de ensino.
“Consigo ajustar as atividades presenciais à minha rotina, assisto às aulas e faço as tarefas online em casa ou quando estou embarcado. Tenho flexibilidade para fazer meu próprio horário”, diz Gama, que terminou um MBA em gerenciamento de projetos no ano passado e já está cursando outro em gestão empresarial.
Gama escolheu uma das instituições com ensino a distância mais conceituadas do país. Atualmente, apenas 11 instituições de desta modalidade fazem parte do seleto grupo com nota máxima no MEC, que avalia as notas dos cursos e faz visitas in loco. Além da nota da universidade, especialistas alertam que é importante verificar também a avaliação da disciplina no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) antes de escolher em qual se matricular.
O contratante valoriza quem se formou a distância?
Os diplomas são exatamente iguais. Não importa se o aluno passou anos se deslocando até a faculdade para assistir às aulas ou se estudou pela internet, no computador de casa ou no celular enquanto enfrentava o trânsito, a formação em cursos presenciais ou a distância têm o mesmo valor.
Na maioria dos casos, o mercado de trabalho já não faz distinção entre as duas modalidades de aprendizado. Para ganhar um emprego, o candidato tem que ser competente e formado por uma boa instituição de ensino, mesmo que a distância. Essa é a avaliação de especialistas em educação, empregadores e empregados ouvidos pela reportagem.
César Arcanjo, 32 anos, é um exemplo. Formado em turismo em 2007, queria continuar a estudar, mas além de não se identificar com nenhuma pós-graduação, não enxergava meios de encaixar as aulas em sua rotina atribulada. Quando encontrou o curso ideal na versão a distância, ganhou um incentivo a mais: a empresa em que trabalha oferece ajuda financeira aos funcionários que querem se aperfeiçoar. O método escolhido não importa.
“Vejo o mercado aceitando completamente o EAD. A vida é muito corrida atualmente, e estamos completamente inseridos nesse contexto de uso da internet”, afirma o aluno de um MBA em gestão de negócios no IBMEC.
A aceitação, no entanto, não é unânime. Em algumas áreas, os estudos online ainda são vistos com ressalvas. Saiba quais são na reportagem completa.
Semipresencial é opção para quem não se adapta apenas ao online
Nem 100% online nem apenas sentado em sala de aula ouvindo o professor. O futuro do ensino é híbrido. Profissionais que trabalham com educação superior a distância acreditam que a mistura de ferramentas tecnológicas com atividades presenciais irá nortear a formação dos estudantes brasileiros nos próximos anos.
Os cursos semipresenciais começaram a se disseminar com mais força no Brasil desde 2015. Neles, os alunos assistem às aulas em ambientes virtuais, mas combinam essa experiência com vivências em salas e laboratórios.