A Constituição Federal de 1988, consagrando instituto fundamental presente nas Cartas Magnas nacionais desde o ano de 1946, assegura o direito à livre iniciativa na educação, obedecidas as normas gerais da educação nacional e mediante avaliação de qualidade pelo poder público.
Não obstante o manifesto caráter vanguardista e visionário da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) é correto afirmar que essa ousadia nunca teve o devido reflexo nas normas relativas à regulação, supervisão e avaliação, notadamente no caso da educação superior.
As instituições de ensino superior, historicamente, convivem com uma regulamentação vetusta, de nítido viés publicista e, em diversos pontos, flagrantemente intervencionista que rotineiramente traz empecilhos ao pleno exercício do princípio constitucional da livre iniciativa, como ocorre, por exemplo, no caso da abertura de novos cursos de Medicina.
Felizmente, o Ministério da Educação (MEC) parece, enfim, ter percebido a necessidade de harmonizar os comandos regulatórios com o espírito inovador da LDB, tanto que vem promovendo, de forma ainda cautelosa, a modernização das normas regulatórias no âmbito do sistema federal de ensino.
Começa a aplicar, de forma criteriosa, a possibilidade de estender às instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa determinadas atribuições de autonomia universitária, como faculta o § 2º do artigo 54 da LDB, demonstrando, com isso, que a avaliação de qualidade é questão fundamental, como prevê o referido dispositivo:
“Art. 54. As universidades mantidas pelo Poder Público gozarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos de carreira e do regime jurídico do seu pessoal.
§ 2º Atribuições de autonomia universitária poderão ser estendidas a instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa, com base em avaliação realizada pelo Poder Público.”
Avançou, ainda, significativamente com o novo marco regulatório para a educação a distância (EAD), removendo alguns entulhos autoritários históricos, buscando, com isso, imprimir maior racionalidade e celeridade aos processos regulatórios, permitindo, doravante, maior atenção da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres/MEC) para as atividades de supervisão.
Infelizmente, nem todos os atores do processo caminham com a mesma passada em direção à modernização do aparato de regulação, supervisão e avaliação.
É imprescindível que a modernidade buscada no contexto regulatório tenha eco nos procedimentos de avaliação, sobretudo no que pertine à definição dos indicadores de qualidade a serem aferidos nas avaliações in loco, pois, hoje, é flagrante o descompasso entre os aspectos de regulação e avaliação no sistema federal de ensino, especialmente no que diz respeito ao instrumento aplicável aos cursos de graduação e ao credenciamento para oferta de educação a distância.
A modernização necessária, registre-se, do marco regulatório para a educação a distância demonstrou, de forma cristalina, a obsolescência do instrumento utilizado nos procedimentos de credenciamento para oferta dessa modalidade educacional.
Impôs, decerto, a necessidade premente e inadiável de revisão integral do referido instrumento, com vistas a garantir que, mesmo diante da grande flexibilização das normas regulatórias, a qualidade, avaliada com base em critérios claros e que permitam, de fato, aferir as condições institucionais, seja sempre a peça fulcral de toda atividade educacional.
Nesse mesmo sentido, é necessário que o instrumento de avaliação dos cursos de graduação também acompanhe a evolução, cada vez mais veloz, da realidade educacional.
No mundo moderno, algumas exigências não fazem mais o menor sentido da forma como estão sendo apresentadas, tais como:
Exigir a disponibilidade de grandes quantidades de equipamentos de informática para os alunos num mundo em que a maior parte dos estudantes já possui smartphones ou tablets próprios, no qual seria, portanto, muito mais lógico a garantia de acesso rápido e eficiente à internet e a aplicativos de interface educacional (indicador de qualidade 3.5);
Condicionar a efetividade, para fins de avaliação externa, de obras virtuais, no caso das bibliografias básicas das unidades curriculares, à indicação de uma obra virtual para cada unidade curricular, ao invés de permitir sua adoção para aquelas unidades que, efetivamente, disponham de títulos virtuais de qualidade, uma vez que é sabido que não existem bons títulos disponíveis para todas as possíveis disciplinas previstas (indicador de qualidade 3.6); e
Exigir assinatura para a maior parte dos periódicos especializados previstos, quando existem diversas bases de dados com enorme abrangência de temas, além da existência de muitos periódicos gratuitos de boa qualidade, com acesso online gratuito, sem demandar a formalização de uma assinatura (indicador de qualidade 3.8).
Pinço esses exemplos, retirados do instrumento de avaliação de cursos de graduação, todos integrantes da Dimensão 3 – Infraestrutura, para demonstrar a necessidade premente de revisão dos instrumentos de avaliação, presos num rigorismo formal em flagrante descompasso com a modernidade fluida com a qual a realidade nos confronta no cotidiano.
A manutenção de indicadores de qualidade obsoletos, divorciados da modernidade, além de tornar inadequado o procedimento avaliativo, termina por desviar a atenção das instituições de ensino de questões realmente relevantes, fazendo com que percam tempo e recursos para atender a aspectos que não tem o condão de permitir uma efetiva avaliação de qualidade da atividade educacional desenvolvida.
Entendo, portanto, que o esforço levado a efeito pelo Ministro da Educação, Mendonça Filho, sobretudo no âmbito da Seres/MEC, para modernizar o contexto regulatório e traduzir, na regulamentação, a inovação e a flexibilidade preconizadas pela LDB, precisa ser, necessariamente, seguido por esforços em semelhante direção por todos os demais órgãos integrantes do sistema federal de ensino.
Premente, nessa linha de raciocínio, a modernização dos instrumentos de avaliação, notadamente aqueles aplicáveis nos processos de credenciamento para oferta de educação a distância e de avaliação de cursos de graduação, para que possam, efetivamente, espelhar a evolução do contexto regulatório e, sobretudo, a velocidade de evolução das atividades educacionais, em todos os seus aspectos.
Fundamental, portanto, que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) promova debates qualificados com toda a comunidade acadêmica com vistas a seguir os passos do MEC, modernizando, com a velocidade que o mundo moderno exige, os procedimentos e instrumentos de avaliação.
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