Educação Superior Comentada | Os vícios no processo de chamada pública decorrente do Edital n° 6/2014

Ano 3 • Nº 25 • De 21 a 27 de julho de 2015

A Coluna Educação Superior Comentada analisa os vícios no processo de chamada pública decorrente do Edital n° 6/2014

27/07/2015 | Por: Gustavo Fagundes | 4676

OS VÍCIOS NO PROCESSO DE CHAMADA PÚBLICA DECORRENTE DO EDITAL N° 6/2014

No final do ano de 2014, o Ministério da Educação, por meio da SERES, publicou o Edital n° 6/2014, destinado a ser o primeiro edital para promover a chamada pública de mantenedoras de instituições de educação superior do sistema federal de ensino para seleção de propostas para autorização de funcionamento de cursos de Medicina em municípios selecionados no âmbito do anteriormente publicado Edital n° 03, de outubro de 2013.

Este artigo não tem a intenção, e nem poderia, de analisar o mérito do resultado preliminar divulgado pelo MEC no último dia 10 de julho, com a divulgação das propostas selecionadas, haja vista não ser ainda pública a informação acerca da pontuação das mantenedoras participantes.

Todavia, abordaremos, de forma breve e sucinta, alguns aspectos formais que demonstram a total desconformidade do procedimento levado a efeito pela SERES/MEC com as normas e princípios que regulam os procedimentos licitatórios no âmbito da Administração Pública Federal.

Com efeito, alguns flagrantes vícios formais condenam de forma inequívoca a legitimidade do processo de chamada pública iniciado com a publicação do Edital n° 6/2014.

Para melhor demonstrar tais vícios, cumpre lembrar que o referido Edital previa, claramente, o roteiro das etapas de análise a ser levado a efeito para definição dos vencedores do certame, conforme claramente previsto, originariamente, no item 5.1 do instrumento convocatório:  

“5. DAS ETAPAS DE ANÁLISE

5.1 Etapas

5.1.1 As propostas que atenderem às condições de participação previstas no item 4 deste Edital serão analisadas de acordo com as seguintes etapas:

5.1.1.1 Habilitação da Mantenedora – etapa eliminatória composta de avaliação da capacidade econômico-financeira e da regularidade jurídica e fiscal da mantenedora.

5.1.1.2 Análise da experiência regulatória da mantida indicada e da mantenedora – etapa eliminatória e classificatória de verificação da atuação da mantenedora e de suas mantidas quanto à qualidade institucional da(s) sua(s) mantida(s) e cursos, experiência na oferta de cursos de graduação e pós-graduação na área de saúde.

5.1.1.3 Análise e classificação das propostas – etapa de caráter classificatório e eliminatório, que consiste na análise de mérito e pertinência da proposta para autorização de curso de graduação em medicina, considerando os critérios de análise previstos neste Edital.”

O primeiro vício formal é a inexistência, no Edital n° 6/2014, da delimitação clara e expressa dos critérios de habilitação da mantenedora, especialmente no que diz respeito à sua capacidade econômico-financeira.

Com efeito, é certo que os critérios de análise a serem adotados nos certames licitatórios devem estar expressamente previstos no instrumento convocatório, o que não ocorreu no caso em comento, haja vista que esses critérios, surpreendentemente, somente foram tornados públicos depois da publicação do resultado preliminar do certamente, com a divulgação da Nota Técnica n° 1.103/2015, contendo o “padrão decisório da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior adotado para análise dos processos inscritos no âmbito do Edital n° 6/2014”.

Ora, em atendimento ao princípio da publicidade e da vinculação ao edital, este padrão decisório, contendo a clara delimitação dos critérios a serem adotados para habilitação e classificação dos participantes da mencionada chamada pública, deveria estar contido no bojo do Edital n° 6/2014, não em uma nota técnica tornada pública depois da divulgação do resultado preliminar do certame.

Outro ponto de fragilidade no procedimento é a informação de que os critérios e métodos de análise foram desenvolvidos e aparentemente aplicados por uma instituição que, na condição de mantenedora de instituição de ensino superior privada, é concorrente de diversos participantes da chamada pública e parceira de outros participantes.

Voltando ao conteúdo do Edital n° 6/2014, cumpre registrar que, conforme acima demonstrado, a previsão originária do cronograma das fases do certamente era absolutamente cristalina ao prever três etapas, consecutivas e distintas, quais sejam:

1ª Etapa: habilitação da mantenedora: fase inicial, eliminatória, destinada à avaliação da capacidade econômico-financeira e regularidade jurídica e fiscal dos participantes, sem critérios objetivos de análise previstos no edital, como acima apontado;

2ª Etapa: análise da experiência regulatória da mantida indicada e da mantenedora: etapa eliminatória e classificatória, destinada à verificação da atuação da mantenedora e de suas mantidas, com critérios estabelecidos em edital, mediante análise da qualidade institucional da(s) mantida(s) e seus cursos, experiência na oferta de cursos superiores na área da saúde; e

3ª Etapa: análise e classificação das propostas: fase final, eliminatória e classificatória, destinada à análise de mérito e pertinência da proposta para autorização de curso de Medicina, mediante aplicação de critérios estabelecidos no edital.

Consoante originariamente previsto no Edital n° 6/2014, a primeira etapa seria a análise da habilitação das mantenedoras, sendo certo que somente aquelas que lograssem êxito nesta fase seriam encaminhadas à etapa seguinte, de análise da experiência regulatória.

Da mesma forma, somente aquelas que ultrapassem com êxito esta fase teriam as suas propostas para autorização de curso de Medicina apreciadas.

Com fulcro neste roteiro, repita-se, expressa e formalmente previsto no Edital n° 6/2014, as mantenedoras concorrentes apresentaram todos os documentos exigidos, dentro do prazo inicialmente estipulado, qual seja, até o dia 6 de fevereiro de 2015, nos exatos termos do item 7 do referido instrumento convocatório.

Registre-se, por imperioso, que este mesmo item 7 previa, para o dia 8 de abril de 2015, a divulgação da classificação das propostas, ou seja, as mantenedoras que ultrapassassem, com êxito, as duas primeiras etapas do procedimento de chamada pública, quais sejam: habilitação da mantenedora e análise de experiência regulatória.

E assim foi feito, com a divulgação, no dia 8 de abril de 2015, sendo certo que, observada a regra contida no Edital n° 6/2014, todas as mantenedoras apontadas como classificadas na relação preliminar publicada na referida data, estariam habilitadas para prosseguir no certame e, assim, ingressar na fase final, de análise e classificação das propostas para autorização do curso de Medicina.

Contudo, nesta mesma data, houve outra flagrante inadequação no processo administrativo sob análise, com a divulgação da Segunda Retificação ao Edital n°6/2014, promovendo, de forma absolutamente descabida, a modificação no procedimento licitatório e nas suas etapas de habilitação e classificação.

Com efeito, a referida retificação promoveu sutil modificação do item 6.5.1 do Edital, com a ilegítima reabertura da então superada fase de habilitação, alterando de forma significativa todo o procedimento decisório da chamada pública em tela.

Com efeito, assim estava originalmente prevista a sistemática para definição da proposta vencedora do certame:

“Item 6.5.1 A proposta vencedora será aquela que, tendo sido classificada na 1ª fase (etapa de habilitação e experiência regulatória), obtiver maior pontuação no somatório desta com a segunda fase (propostas), a partir da aplicação da fórmula abaixo:”.

A redação original previa, como já apontado, a sucessão legítima das fases de habilitação e classificação, sendo certo que, com a publicação da relação havida em 8 de abril de 2015, contendo a informação das mantenedoras habilitadas, encontrava-se encerrada a fase de habilitação econômico-financeira e de regularidade jurídica e fiscal das concorrentes, tornando-se preclusa a discussão sobre esta fase.

Contudo, a mencionada Segunda Retificação, ainda que de forma sutil, promoveu a modificação do procedimento de análise e julgamento, trazendo a seguinte redação para o item editalício acima mencionado:

“Item 6.5.1 A proposta vencedora será aquela que, superada a fase de habilitação da mantenedora, de análise da experiência regulatória da mantenedora e da mantida indicada e de análise e classificação das propostas obtiver maior pontuação no somatório, a partir da aplicação da fórmula abaixo:”.

Inaceitável a alteração do procedimento decisório e das fases de análise e julgamento das propostas das mantenedoras participantes do processo de chamada pública, sobretudo porquanto efetuada depois de iniciado o certame e recebida toda a documentação.

Aliás, ainda mais flagrante esta irregularidade quando se verifica que ela ocorreu exatamente na mesma data em que foram divulgados os resultados das duas primeiras etapas do certame em tela.

As alterações no edital, decerto, somente são admitidas antes de iniciado o procedimento licitatório e, sobretudo, da entrega da documentação dos participantes e da divulgação do resultado da fase de habilitação.

Evidentemente, portanto, a existência de vícios formais absolutamente insanáveis no processo de chamada pública promovido pelo Edital n° 6/2014, os quais, decerto, vulneram de forma indelével a legitimidade do referido procedimento administrativo.

 

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