Educação Superior Comentada | A responsabilidade civil das IES na oferta de estacionamentos para alunos

Ano 2 • Nº 8 • De 20 a 26 de maio de 2014

A Coluna Educação Superior Comentada desta semana alerta para a responsabilidade civil das instituições na oferta de estacionamentos para alunos.

26/05/2014 | Por: Gustavo Fagundes | 5795

A RESPONSABILIDADE CIVIL NA OFERTA DE ESTACIONAMENTOS PARA ALUNOS

O aumento da oferta de cursos superiores, bem como da quantidade de instituições credenciadas, tem acarretado o crescimento da quantidade de estudantes na educação superior.

Esse aumento trouxe consigo uma série de consequências de ordem prática, entre as quais o crescimento do fluxo de veículos e, destarte, da demanda pela oferta de vagas de estacionamento pelas instituições ou em suas proximidades.

A presença de quantidade maior de veículos nas imediações das instituições de ensino superior, aliada à notória fragilidade das políticas de segurança pública em todo o País, resultou em natural surgimento de mais casos de furto em veículos e de veículos dos alunos durante o período em que estão em sala de aula.

Como não poderia deixar de ser, esta situação gerou, nos últimos anos, a ampliação da discussão acerca da responsabilidade civil das instituições de ensino superior nos casos de ocorrência daqueles tipos de delito, para fins de ressarcimento dos danos experimentados pelos alunos.

A controvérsia surgida decorre da existência, em síntese, de três possibilidades de situação distintas, quais sejam:

*A IES disponibiliza estacionamento, pago ou não, com serviços de vigilância;
*A IES disponibiliza estacionamento gratuito, sem serviços de vigilância; ou
*A IES não disponibiliza estacionamento, mas existe área pública nas proximidades com estacionamento.

Embora sejam três situações distintas, especialmente no que se refere à terceira hipótese apresentada, qual seja, utilização pelos alunos de espaços públicos nas áreas próximas à instituição de ensino, algumas decisões judiciais tem adotado a mesma solução final, vislumbrando, em todas, a responsabilidade da instituição pelos danos experimentados.

No caso da existência de estacionamento, seja gratuito ou pago, com serviços de vigilância, mesmo que executados por empresa prestadora de serviços, resta inequívoca a responsabilidade da instituição de ensino, conforme decisões emanadas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT:

“EMENTA

CIVIL. CÓDIGO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. FURTO DE MOTO EM ESTACIONAMENTO. RELAÇÃO DE CONSUMO ENTRE O EDUCANDÁRIO E O RESPECTIVO DISCENTE, CARACTERIZADA. LOCAL EM QUE A VIGILÂNCIA É REALIZADA PERMANENTEMENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEVER DE VIGILÂNCIA DESCUMPRIDO. DANO MATERIAL CARACTERIZADO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR RECONHECIDA. APELO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

1. Qualifica-se como de consumo a relação estabelecida entre a instituição de ensino superior privada e o discente, destinatário final dos serviços educacionais, e como tal sujeita-se ela aos dispositivos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, mormente aqueles atinentes à responsabilidade objetiva e às medidas processuais relacionadas à proteção do hipossuficiente, a exemplo da possibilidade da inversão do onus probandi, quando presentes os seus requisitos legais.

2. Se a instituição de ensino superior privada mantém no estacionamento, oferecido aos alunos e professores, vigilantes em circulação durante todo o dia, transmite aos usuários a sensação de permanente cuidado, assumindo, dessa forma, a responsabilidade pelos danos a que sua omissão der causa.

3. A falha no dever de vigilância em estacionamento privado, seja ele gratuito ou oneroso, oferecido a alunos e professores, equivale a defeito na prestação do serviço, e nesse caso a responsabilidade é objetiva, somente podendo ser elidida por uma das excludentes do artigo 14, parágrafo 3º, do CDC. Comprovados o dano e o nexo de causalidade entre a conduta omissiva e o evento, emerge o dever de indenizar os prejuízos causados, indenização essa que deverá ser integral. ""A empresa responde, perante o cliente, pela reparação do dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento"". (Súmula 130 STJ).

4. Sentença mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, com Súmula de julgamento servindo de Acórdão, na forma do artigo 46 da Lei nº 9.099/95. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor condenação, mais custas processuais, a cargo da recorrente.” (Diário de Justiça do TJDFT, 45/2010, 10.3.2010, pág. 156).

EMENTA

CONSUMIDOR. FURTO DE MOTO EM ESTACIONAMENTO DE FACULDADE. MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. LEGITIMIDADE ATIVA. DANO MATERIAL CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE VIGILÂNCIA. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. Admite-se como parte legítima ativa aquele que, mesmo não sendo o proprietário, tenha suportado os prejuízos causados pelo furto do veículo.

2. Moto furtada dentro do estacionamento que estava sob os cuidados da empresa prestadora de serviços (Instituição de Ensino), a qual possui sistema de vigilância com câmeras. Falta de cuidado da recorrente com o patrimônio de seus alunos.

3. Demonstrado o dano material sofrido nas dependências da instituição de ensino, por meio de boletim de ocorrência e por todo o conjunto probatório, é de responsabilidade desta o seu ressarcimento.

4. RECURSO CONHECIDO. PRELIMINAR REJEITADA. IMPROVIDO, sentença mantida por seus próprios fundamentos.” (Diário de Justiça do TJDFT, 196/2011, 17.10.2011, pág. 274).

O Poder Judiciário também adota entendimento semelhante nas hipóteses em que as instituições disponibilizem estacionamento gratuito, mesmo que não adotem controle de entrada e saída de veículos ou serviços de segurança, sob o consistente argumento de que a oferta de estacionamento, nas atuais condições, é seguramente fator de atração como estratégia de captação de clientela, como demonstra a decisão abaixo:

“EMENTA

VEÍCULO EM ESTACIONAMENTO DISPONIBILIZADO POR INSTITUIÇÃO DE ENSINO. INEXISTÊNCIA DE CONTROLE DE ENTRADA E SAÍDA DE VEÍCULOS. UTILIZAÇÃO GRATUITA. CONTRATO DE DEPÓSITO NÃO CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DA RÉ (UNIPLAN) QUE DISPONIBILIZA ESTACIONAMENTO A SUA CLIENTELA COM INTUITO DE AUMENTAR SEUS LUCROS (SÚMULA 130 STJ). RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

1. A doutrina define contrato de depósito como sendo o contrato pelo qual um dos contraentes (depositário) recebe do outro (depositante) um bem móvel, obrigando-se a guardá-lo temporariamente, de forma onerosa ou gratuita, para restituí-lo quando for exigido, responsabilizando-se civilmente por eventuais danos decorrentes da guarda. No caso de relação de consumo enquadra-se como prestação de serviço. Nos termos do art. 627, do Código Civil, "pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame". Já o art. 628, do mesmo Código, estabelece que "o contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário, se resultante de atividade negocial, ou se o depositário o praticar por profissão".

2. Na hipótese, alega o autor que estacionou seu veículo, como de costume, em local cercado com muro e alambrado disponibilizado pela Uniplan e que, após o término das aulas, constatou que o veículo fora furtado.

3. É cediço que o dever de vigilância, e responsabilidade civil por danos, é imanente ao proprietário de estabelecimento comercial, ou de prestação de serviços, que disponibiliza estacionamento a sua clientela com intuito de aumentar seus lucros, fomentando sua atividade econômica, tenha ou não o controle de entrada e saída dos veículos e vigilância, independentemente de cobrar pelo serviço adicional ou contratação específica.

4. Nesse caso não se trata de contrato de depósito, tal qual regulado pelo Código Civil, mas sim de assunção tácita do dever jurídico de guarda e vigilância dos veículos. Esta responsabilidade é atribuída, no caso, exclusivamente à escola Uniplan em relação a seus alunos, nos termos da Súmula 130 do STJ.

5. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida. Custas e honorários pela recorrente que fixo em 10% sobre o valor da condenação.” (Diário de Justiça do TJDFT, 60/2014, 31.3.2014, pág. 353).

Na última situação apresentada, em que a instituição de ensino superior não oferece estacionamento próprio, mas a utilização dos espaços públicos próximos é feita preponderantemente por seus alunos e, em virtude disto, disponibiliza, ainda que de forma precária, serviços de vigilância volante, existe decisão judicial atribuindo responsabilidade à instituição por furto ocorrido, conforme abaixo apresentado:

“EMENTA

CIVIL E CONSUMIDOR. FURTO DE VEÍCULO EM ESTACIONAMENTO PÚBLICO, CONTÍGUO À FACULDADE, DOTADO DE VIGILÂNCIA E DE USO PREPONDERANTE PELOS ALUNOS DA INSTITUIÇÃO. CARACTERIZADO O DEVER DE INDENIZAR. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. A instituição de ensino superior responde pelo furto de veículo estacionado em área contígua às suas instalações, de uso preponderante pelos alunos do turno (noturno) e provida de vigilância volante, ainda que se trate de área pública não provida de controle de entrada e saída.

2. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

3. Decisão proferida na forma do art. 46 da Lei nº 9.099/95, servindo a ementa como acórdão.

4. Custas e honorários pela recorrente, estes fixados em 10% (dez) por cento do valor da condenação.” (Diário de Justiça do TJDFT, 79/2011, 29.4.2011, pág. 252).

Neste último caso, contudo, acredito que tenha havido equívoco na decisão em comento, a qual possivelmente será objeto de reforma em grau recursal, porquanto, estando o veículo furtado em espaço público, ainda que contíguo às instalações da instituição de ensino, parece evidente que a responsabilidade pela segurança é do poder público.

Com efeito, a garantia e manutenção da segurança pública é tarefa precípua do poder público, devendo ser resultado da aplicação dos recursos do erário, compostos, entre outros, pelos elevados tributos suportados pelo cidadão.

De qualquer forma, a coluna desta semana tem como escopo chamar a atenção das instituições de educação superior para a questão da responsabilidade civil decorrente do furto de veículos em seus estacionamentos ou, ainda, em suas imediações, como sustentando pela última decisão transcrita acima.

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