Educação Superior Comentada | Análise da proposta da SERES/MEC para o novo instrumento de avaliação para os cursos de Direito

Ano 2 • Nº 14 • De 01 a 07 de julho de 2014

A Coluna Educação Superior Comentada desta semana analisa a proposta da SERES/MEC para o novo instrumento de avaliação para os cursos de Direito

07/07/2014 | Por: Gustavo Fagundes | 3137

ANÁLISE DA PROPOSTA DA SERES/MEC PARA O NOVO INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO PARA OS CURSOS DE DIREITO

Como já abordado na coluna da semana passada, a SERES divulgou, recentemente, como resultado do trabalho desenvolvido pela Câmara Temática de Direito, proposta de modificação nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito e de novo instrumento de avaliação, exclusivo para estes cursos.

Naquela ocasião, já havia manifestado estranheza pelo completo alijamento do INEP de processo destinado ao debate relativo à elaboração de instrumento de avaliação específico para os cursos de Direito, proposta que, evidentemente, trafega em sentido contrário ao esforço que vem sendo desenvolvido para a adoção de instrumento de avaliação unificado, para avaliação de todos os cursos, com indicadores específicos para as necessidades individuais, como já acontece, por exemplo, com os cursos de Direito e Medicina, que possuem indicadores exclusivos no instrumento unificado.

Na coluna publicada na semana passada, trouxe minhas considerações acerca da proposta apresentada para as “novas” DCN para os cursos de Direito, as quais, como já apontado naquela ocasião, não trazem alterações contundentes, embora tenham alguns pontos que mereçam atenção e debate mais aprofundado.

Superada aquela análise, tive então a oportunidade de conhecer com um pouco mais de profundidade a proposta para o novo instrumento de avaliação, a ser aplicado exclusivamente aos cursos de Direito.

Reitero, por oportuno, o entendimento de esta individualização de instrumento de avaliação soa como um retrocesso, na contramão do profícuo trabalho levado a efeito pelo INEP na busca de um instrumento único, aplicável a todos os cursos superiores, respeitadas suas especificidades, como já acontece, registre-se, em relação aos cursos de Direito e Medicina, que possuem indicadores exclusivos, sem a necessidade, portanto, de utilização de instrumento específico.

Se a análise da proposta de novas DCN apontou para a existência de poucas alterações efetivas, embora com pontos relevantes e preocupantes, como apontado na coluna da semana passada, em relação ao instrumento individual proposto as modificações são mais evidentes, demandando um debate mais profundo e cauteloso.

Por serem mais alterações e com maior impacto, e por limitações naturais de espaço, farei a elencação das modificações identificadas, juntamente com as observações julgadas pertinentes em cada caso:

1)    Indicador 1.1 – Contexto educacional e inserção social: a proposta parece seguir no princípio de valorizar o efetivo atendimento das demandas de natureza econômica e social, especialmente no que pertine à inserção local, em postura que, aparentemente, está em contradição com a proposta das DCN, que pretende tornar obrigatórias atividades ligadas à internacionalização.

2)    Indicador 1.7 – Metodologia: a exemplo do que ocorre com a proposta para as DCN, este indicador contempla a exigência de adoção de metodologias ativas (artigo 2º, parágrafo 1º, inciso VI), o que entendo vulnerar o disposto no artigo 3º da LDB, segundo o qual é princípio basilar da oferta de ensino a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, assim como o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”, de modo que a imposição da adoção de metodologias ativas confronta tais princípios.

3)    Indicador 1.11 – Atendimento ao discente: além da mudança da denominação do indicador (atualmente é “apoio ao discente”), a proposta, além de apontar as atividades exigidas, preconiza que sejam claramente delimitados tempos, espaços, carga horária e até a designação dos docentes responsáveis por tais atividades: a intenção, nesse caso, parece ser tornar mais efetiva a indicação das características das atividades de atendimento ao discente. 

4)    Indicador 2.8 – Regime de trabalho do corpo docente do curso: foram significativamente majorados os percentuais exigidos para obtenção de conceitos satisfatórios (60% a 70% para conceito 3, 70% a 80% para conceito 4 e superior a 80% para conceito 5): esses percentuais são manifestamente excessivos, muito superiores às exigências legais para credenciamento de universidades e centros universitários e, virtualmente, inatingíveis, motivo por que é impositivo amplo debate sobre este indicador específico, face o grande impacto financeiro que será gerado, sendo desejável a manutenção dos percentuais constantes do instrumento único em vigor, já adequados à realidade das instituições de ensino superior.

5)    Indicador 2.9 – Experiência profissional do corpo docente: aumento do nível de experiência exigido para 3 anos, mantidos os percentuais de docentes exigidos com esta experiência: a exigência igual o curso de Direito aos CST em termos de tempo de experiência exigido, ficando acima da exigência apresentada para os demais bacharelados, embora, aparentemente, não seja um período absurdo e impossível de ser atendido. 

6)    Indicador 2.13 – Produção científica, cultural, artística ou tecnológica: aumento do percentual de docentes com produção nos últimos três anos, passando de 50% para 60%: neste indicador, já era comum a avaliação insatisfatória, o que deve aumentar com a exigência de maior parcela do corpo docente com produção recente. 

7)    Indicador 3.5 – Salas de atividades acadêmicas autônomas, convivência e estudo para os discentes: sem explicitar de forma clara o objetivo da disponibilização dessa sala, haja vista a existência de espaços acadêmicos já destinados à realização desses tipos de atividade, o indicador preconiza a existência deste espaço com os mesmos critérios gerais de avaliação dos demais espaços acadêmicos. Entendo que seria necessário delimitar, com clareza, o objetivo deste espaço, porquanto, a princípio, as atividades propostas para o mesmo já são realizadas em outros ambientes acadêmicos. 

8)    Indicadores 3.7 e 3.8 – Bibliografias básica e complementar: adota, expressamente, a exigência de atualização das referências bibliográficas disponibilizadas, o que já é, via de regra, adotado pelas IES. 

9)    Indicador 3.9 – Periódicos especializados: exige, expressamente, que somente sejam considerados os periódicos disponibilizados pelo sistema de assinatura. No instrumento único, admite-se assinatura ou acesso aos periódicos, sob o descabido argumento de que os periódicos de acesso livre, disponíveis em plataformas abertas na internet, por não dependerem de investimento, não serão admitidos na avaliação, de modo que entendo, por ser exigível a qualidade e não o desembolso financeiro, se busque manter o texto original, constante do instrumento de avaliação unificado. 

10) Indicador 3.11 – Núcleo de Práticas Jurídicas – atividades básicas: deve assegurar a realização de práticas jurídicas reais e simuladas, processo eletrônico e visitas orientadas, com sistema de avaliação de aprendizagem das práticas: a novidade, neste indicador, é a inclusão das atividades ligadas ao processo eletrônico e a exigência de sistema de avaliação de aprendizagem das práticas. Não configura grande novidade, porquanto, em sua maioria, são atividades já desenvolvidos nos NPJ em funcionamento. 

11) Indicador 3.13 – Núcleo de Práticas Jurídicas - atividades reais e/ou simuladas relacionadas às tutelas coletivas de interesse público e social: deve, em harmonia com a proposta de DCN apresentada, assegurar a presença das atividades relacionadas às tutelas coletivas de interesse público e social. A intenção parece assegurar um perfil mais social aos cursos de Direito, através da obrigatoriedade da inclusão desses conteúdos e das atividades correlatas no âmbito do NPJ. 

12) Indicador 3.14 – Núcleo de Práticas Jurídicas – relação entre número de estágios matriculados e o número de orientadores: a intenção é vincular o número de estagiários ao número de profissionais orientadores (docentes, advogados e demais profissionais vinculados ao NPJ). Entendo que esta questão é objeto de delimitação inerente ao exercício da autonomia didático-científica das IES, posto que a Lei nº 11.788/2008, que regulamenta o estágio, não contempla qualquer exigência nesse sentido. 

13) Indicador 3.15 – Atuação do Núcleo Docente Estruturante – NDE no Núcleo de Prática Jurídica – NPJ: exige que exista representação do NPJ na constituição do NDE dos cursos de Direito, avaliando, ainda, a atuação desse colegiado em relação à concepção, acompanhamento, consolidação e avaliação das atividades do NPJ. A primeira vista, parece razoável e mesmo óbvio que, diante da importância do NPJ para os cursos de Direito, esteja devidamente representado no NDE, como forma de assegurar a permanente qualidade e relevância das atividades do NPJ. Todavia, não deixa de configurar interferência na autonomia didático-científica das IES, porquanto exige determinada composição para seus órgãos internos.

Dessa forma, e considerando os argumentos acima traçados, entendo, numa análise global, que a proposta de novo instrumento de avaliação, específico para os cursos de Direito, demanda um debate mais profundo e criterioso, desta feita com a participação efetiva da comunidade acadêmica, do INEP e da CONAES, em virtude da abrangência das modificações contidas na proposta apresentada.

Com efeito, a aplicação do instrumento proposto certamente trará impacto profundo, inclusive, como acima exposto, com pontos que aparentemente representam interferência descabida na autonomia didático-científica das instituições e, mesmo, desrespeito às normas legais vigentes.

 

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