Educação Superior Comentada | A cobrança de taxas pelas IES

Ano 2 • Nº 25 • De 16 a 22 de setembro de 2014

A Coluna Educação Superior Comentada desta semana desta semana analisa a cobrança de taxas pelas IES

22/09/2014 | Por: Gustavo Fagundes | 13168

Durante a semana passada recebi, coincidentemente, duas consultas sobre a questão da cobrança de taxas pelas instituições de ensino superior.

Estas consultas, acredito, decorrem da iniciativa do Ministério Público de convocar as instituições objetivando a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com a proibição, pura e simples, de cobrança de quaisquer tipos de taxas pelas IES, independente do fundamento adotado para a estipulação das mesmas.

Há algum tempo venho acompanhando essa controvérsia, e entendo existirem equívocos e exageros na conduta de ambas as partes.

Com efeito, é preciso deixar assente a premissa de que, no caso das instituições superiores particulares, o vínculo celebrado com os alunos é, em sua essência, um contrato de direito privado, regulado pela Lei nº 9870/1999 e pelas regras contidas no Código Civil.

Desse modo, a princípio, a questão da cobrança de taxas pela expedição de documentos acadêmicos ou para situações excepcionais da vida acadêmica é tema a ser disciplinado no contrato de prestação de serviços educacionais celebrado entre as partes, que deve, portanto, delimitar as hipóteses em que seja cabível a cobrança e seus limites.

Todavia, essa conclusão não é pacífica, existindo aceso controvertimento acerca da possibilidade de cobrança dessas taxas, bem como, para aqueles que a entendem legítima, sobre os encargos que podem ser cobrados de forma individualizada.

A discussão do tema, como não poderia deixar de ser, chegou aos tribunais, sendo certo que existem decisões variadas sobre o tema, algumas entendendo ser inaceitável a cobrança de qualquer tipo de taxa, outras, que considero mais coerentes, prestigiando o entendimento de que é possível a cobrança de taxas pela expedição de determinados tipos de documentos e para procedimentos específicos e individualizados solicitados pelos estudantes.

Com efeito, comungo desse entendimento, acreditando que a cobrança de taxas específicas não pode incidir sobre os serviços considerados regulares, quais sejam, aqueles indissociavelmente ligados à atividade educacional e, desta forma, prestados de forma geral e indistinta a todos os estudantes da instituição, tais como, por exemplo, a emissão de histórico escolar uma vez em cada período letivo, ou do diploma de conclusão do curso, porquanto são documentos emitidos para todos os alunos, independentemente de solicitação individual.

Nesse sentido, cumpre registrar as seguintes decisões judiciais, todas homenageando o entendimento de que, sendo a relação entre estudantes e instituições uma relação de direito privado, o contrato celebrado entre as partes tem o poder de regular direitos e obrigações e, assim, estipular as hipóteses em que se configura legítima a cobrança de taxas:

EMENTA

 

Processual Civil e Administrativo. Recurso ante sentença que julga procedente ação civil pública objetivando a condenação da demandada a pena pecuniária como condição para emissão dos documentos escolares acima referidos, dentre outros documentos que constituem decorrência lógica da prestação educacional, assim como para a realização de outros serviços também inerentes à prestação dos serviços vinculados à educação ministrada, tais como realização de segunda chamada, revisão de prova, dentre outros, f. 28.

Antes de tudo, a ênfase ao fato de se cuidar a apelante-demandada de pessoa jurídica de direito privado, mantenedora de instituição de ensino superior, a assumir os trajos de natureza civil ou comercial. Ou seja, é um ente que, ao explorar o ensino superior, dentro do campo privado, o faz como entidade regida pelo direito civil ou comercial.

Na consecução de seus fins, o ensino superior, necessário se revestir de setor de apoio, a dar condições para que o fim maior - o ensino superior - se concretize. Na retaguarda, então, o setor de apoio, constituído de secretaria, de corpo docente, de servidores, para fazer com que tudo funcione, desde a abertura do portão de entrada, a manutenção em dia de seus livros, fichas e papéis, até culminar com a aula dada pelo professor, e, fechamento do portão de entrada, após o encerramento das aulas, dentro do seu dia a dia.

O legislador, ao abrir condições para a entidade privada fornecer, ao lado do Poder Público [federal e estadual], o ensino superior, não a transforma em entidade pública, não a faz se submeter as mesmas normas que regem a administração universitária pública, não se aproxima demais da escola para não pisar em território que não é público.

A normatização, desta feita, atinge áreas limitadas, entre as quais, a regência da fixação das anuidades e das semestralidades escolares, por ser esta a parte que se curva a regência do Poder Público. Daí o art. 1º, da Lei 9.870, de 1999, estipular a forma como o valor das anuidades e das semestralidades escolares do ensino superior será feito, a fim de evitar exageros na sua fixação.

Mas, a teor do art. 1º, a regência se limita a anuidades e semestralidades. Só. A Lei 9.870 se restringe a tal campo, mantendo-se fiel a tradição legislativa, oriunda, de modo mais direto, da Lei 8.170, de 1991, a estabelecer regras para a negociação de reajustes das mensalidades escolares.

A mensalidade escolar, ou as anuidades, ou as semestralidades escolares, qualquer que seja a abrangência de seu significado, desembocam no cumprimento da delegação especial que a União confere a entidade particular de executar um serviço que é essencialmente dela, União. Aí, exatamente aí, seu poder regulamentar se encerra.

A cobrança que a entidade particular de ensino superior procede para emissão dos documentos escolares ..., dentre outros documentos que constituem decorrência lógica da prestação educacional, assim como para a realização de outros serviços também inerentes à prestação dos serviços vinculados à educação ministrada, tais como realização de segunda chamada, revisão de prova, dentre outros, f. 28, se rege por normas de direito privado, porque, no ponto, a entidade deixa de ser de ensino superior para se tornar num ente [privado] qualquer, que, evidentemente, exige contraprestação para o serviço extra que presta ao estudante.

Esse serviço - que não é o de assistir as aulas e fazer os testes devidos -, não se encontra arrolado na delegação dada pela entidade público a entidade particular de ensino superior, comportando-se, nesta, como ente privado, regida por normas de direito civil, em atos de simples gestão, e não entre os atos da delegação.

A Lei 9.870 não vedou a cobrança de outros valores para realizar tudo quanto for inerente a tal atividade, f. 64, vislumbrando, sim, estar esses outros valores excluídos da delegação do ensino superior.

Provimento do recurso do Ministério Público Federal demandante.

ACÓRDÃO

 

Vistos, etc.

Decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos.” (AC 569041/PE, Rel. Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho, Diário da Justiça Eletrônico TRF 5, 7.8.2014, pág. 133).

“Vistos, etc.

Agravo de Instrumento manejado em face de decisão de lavra do MM. Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, proferida nos autos do Ação Civil Pública nº 0002721-55.2012.4.05.8300, que deferiu a liminar formulado pelo Ministério Público Federal, para determinar a suspensão imediata da cobrança de todas as taxas exigidas dos alunos da Faculdade/Agravante, tais como as pertinentes à expedição de certidão de conclusão de curso, declaração de vínculo, revisão de provas, entre outros documentos que constituam decorrência lógica da prestação educacional, somente sendo admissível a taxa em caso de segunda via.

Alegou a Agravante que:

a) "...a Agravante é empresa privada, razão pela qual necessita da contraprestação pecuniária pelos serviços prestados." - fl. 9;

b) "... as certidões, declarações e demais documento relacionados na decisão interlocutória não estão inclusos no preço fixado nas anuidades/semestralidades relativas ao serviço educacional, exatamente pelo fato de se tratar de questão excepcional, enquanto o valor relativo ao serviço de educação refere-se à prestação ordinária." - fl. 10;

c) "Frise-se que a mensalidade apenas diz respeito às atividades diretamente vinculadas à prestação do serviço educacional. Já a taxa remunera os serviços extraordinários, especialmente a emissão de documentos acadêmicos contendo a assinatura do Diretor da Instituição. Tal informação pode ser extraída de forma cristalina no contrato de prestação de serviços educacionais." - fl. 10;

d) "Por todas essas razões, tem-se que a Agravante não infringiu qualquer regramento normativo. Ao contrário, primou, e prima, pela observância da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pelo Código de Defesa do Consumidor e demais legislações afetas a matéria." - fl. 10

e) Alfim, pugna para que seja restabelecido o seu direito de cobrar pelos serviços extraordinariamente prestados.

Foi requerida a atribuição do efeito suspensivo até ulterior decisão. É o relatório. Decido.

A atribuição do efeito suspensivo ao Agravo é excepcional, e reclama a presença da relevância da argumentação e a ocorrência - ou a possibilidade – de lesão grave e de difícil reparação, que possa decorrer do ato impugnado, requisitos esses cuja presença há de ficar patenteada no exame perfunctório que ora é dado empreender.

Nessa diretriz, penso que merece prosperar a pretensão da Agravante.

Caso idêntico foi apreciado pela eg. 2ª Turma deste Colegiado, quando do julgamento, em 08/11/2011, do Agravo de Instrumento nº 118.237/AL, de relatoria do Des. Federal Paulo Gadelha, com voto vencedor proferido pelo Des. Federal Francisco Wildo, cuja fundamentação adoto como razão de decidir, verbis:

"...peço todas as vênias para discordar dessa proibição de cobrar as despesas. Educação é função do Estado. O particular pode praticar a educação e naturalmente cobrar por ela... Não consigo enxergar como é que constituiu uma despesa irracional quando se põem certos serviços de reprodução ou emissão de documentos para os alunos e aqueles que se beneficiarem pagarem uma taxa. Não vejo em que isso vai desrespeitar a isonomia. Se essa taxa é cobrada de todos aqueles, e apenas daqueles, que precisarem do referido serviço. Dar esse serviço de graça, ofende a um princípio maior do capitalismo.

Insisto: o serviço é público, mas é prestado por particular mediante remuneração. Há uma expressão muito importante que diz: 'não há almoço de graça'. O serviço está aí para quem quiser pagar. Onde é que está o absurdo de cobrar de quem usa aquele serviço? É injusto? Como? Quem usa o serviço paga, quem não usa não paga. Não se está dando tratamento desigual nem se está enriquecendo a Universidade porque a prestação de educação é um serviço realmente caro..."

Com essas breves considerações, portanto, DEFIRO o pedido formulado.

Dê-se ciência desta decisão ao MM. Juiz a quo que, se assim houver por bem, poderá oferecer, a tempo e modo, as "informações" que reputar interessantes para o julgamento deste Agravo.

Intime(m)-se o(a)(s) Agravado(a)(o)(s) para, em querendo, apresentar(em) a contraminuta, no prazo da Lei. Expedientes. Cautelas. P.I.” (AGTR 122197/PE, Rel. Desembargador Federal Geraldo Apoliano, Diário da Justiça Eletrônico TRF 5, 15.2.2012, pág. 193).

Desse modo, resta evidenciada inexistência de ilegalidade de cobrança de taxas para os chamados serviços extraordinários, assim entendidos, aqueles individualizáveis, prestados de forma pessoal e específica, a partir de atendimento de requerimento expressamente formulado pelo interessado e destinado a atendimento de situação pessoal específica, entre os quais podemos destacar: revisão de provas ou exames, fornecimento de grade curricular, conteúdos programáticos, atestados, requerimentos, declarações, certidões, isenção e dispensa de disciplinas, segunda chamada de provas e avaliações, abono de faltas e emissão de segunda vias de quaisquer documentos acadêmicos.

Evidentemente, para que seja legítima a cobrança, é fundamental que exista disposição contratual expressa neste sentido, bem como que a cobrança seja limitada a valor condizente ao custeio do documento expedido ou da atividade a ser realizada, não podendo configurar valor exorbitante ou fonte de lucro para a instituição.

Com efeito, a decisão abaixo transcrita delimita, de forma bastante clara, as hipóteses de cabimento da cobrança de taxas dos estudantes:

“EMENTA

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO PARQUET FEDERAL. PRECEDENTES. INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR. EXPEDIÇÃO E REGISTRO DE DIPLOMA E CERTIFICADOS DE CONCLUSÃO DE CURSO. COBRANÇA. IMPOSSIBILIDADE. TAXAS POR SERVIÇOS EXTRAORDINÁRIOS E/OU EXTRACURRICULARES. POSSIBILIDADE. ART. 4º, §2º, DA RESOLUÇÃO Nº 03/89 DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

- "A jurisprudência desta Corte já se posicionou quanto à legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação que versa sobre a cobrança de taxa para a expedição de diploma, uma vez que a tal órgão incube a defesa não somente dos direitos coletivos e difusos, mas também dos individuais homogêneos que possuam cunho social, nos termos do art. 127 da CF/88, como o caso dos autos que abarca uma das vertentes do direito à educação, qual seja, a obtenção do diploma de conclusão do curso universitário". (AC 200785000057252, Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, TRF5 – Quarta Turma, DJE - Data: 03/12/2010 - Página:1086.); (AC 200783000062735, Desembargador Federal Frederico Pinto de Azevedo, TRF5 - Terceira Turma, DJ - Data: 23/10/2008 - Página: 350 - Nº: 206.) Preliminar rejeitada.

- As Resoluções n.s 01/83 (art. 2º, II e § 1º) e 03/89 (art. 4º, I e § 1º), do antigo Conselho Federal de Educação, e a Portaria Normativa n. 40/07 do MEC (art. 32, § 4º) proíbem que as instituições de ensino superior exijam pagamento pela expedição e registro de diplomas e de certificados de conclusão de curso. Jurisprudência pacífica de todas as Turmas desta Corte.

- Os atos normativos editados pelos órgãos da União que têm competência para tratar da Política Nacional de Educação impõe-se aos demais sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Art. 8º, § 1º, da Lei n. 9.394/96.

- O ensino é serviço público, ainda que prestado por entidades privadas, e, assim, encontra-se sujeito à regulamentação estatal. A autonomia universitária deve ser exercida nos limites traçados pelas leis e atos normativos, não em desacordo com eles. O STF tem sólida jurisprudência no sentido que "o princípio da autonomia universitária não significa soberania das universidades, devendo estas se submeter às leis e demais atos normativos" (RE 553.065-AgR, 2ª Turma, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 16/06/2009).

- É de se reformar a sentença acerca da vedação na cobrança de taxas por serviços tais como: revisão de provas ou exame, grade curricular, histórico escolar, atestados, requerimentos, declarações, certidões, isenção de disciplinas, conteúdo programático, guia de transferência, segunda chamada, provas finais, abono de faltas, pois, de acordo com a regra insculpida no art. 4º, §2º, da Resolução nº 03/89 do Conselho Federal de Educação são considerados como serviços extraordinários e/ou extracurriculares, o que torna possível sua cobrança. Precedentes: (AG 200805000025629, Desembargador Federal Edílson Nobre, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data: 28/10/2010 - Página:756.); (REO 200881000076643, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data: 31/07/2009 - Página: 219 - Nº:145.) Sentença reformada neste ponto.

- Apelação da ré parcialmente provida.

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, etc.

Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do Relatório, Voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.” (AC 531770/PE, Rel. Desembargador Federal Francisco Wildo Lacerda, Diário da Justiça Eletrônico TRF5, 9.3.2012, pág. 265). 

Destarte, evidente que fundamentos sólidos, conforme lançados nas decisões acima transcritas, amparam a cobrança de taxas em situações excepcionais, sem que tal estipulação contratual vulnere o ordenamento jurídico vigente.

Em virtude disto, quando instadas a se manifestar acerca da cobrança de taxas em decorrência dos contratos de prestação de serviços educacionais, as instituições devem apresentar suas ponderações de forma justificada, com lastro nos argumentos fáticos e jurídicos apontados nas decisões acima, sobretudo quando lhes for exigida a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta versado sobre o tema ora exposto.

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