Educação Superior Comentada | A imposição de tabelamento às instituições participantes do FIES

Ano 3 • Nº 3 • 10 a 23 de fevereiro de 2015 A Coluna do Gustavo desta semana comenta o “tabelamento” de valores imposto pelo MEC às instituições participantes do FIES.

23/02/2015 | Por: Gustavo Fagundes | 4356

A IMPOSIÇÃO DE TABELAMENTO ÀS INSTITUIÇÕES PARTICIPANTES DO FIES

Depois de imensos transtornos para a retomada do aditamento dos contratos do FIES, os estudantes e as instituições participantes do programa foram surpreendidos com outra “novidade” imposta pelo Ministério da Educação e pelo FNDE.

Já havíamos comentado em nossa coluna de retomada das atividades de 2015 a edição do tradicional pacote de autoritarismos de final de ano, em cujo bojo estavam incluídas as Portarias Normativas nº 21/2014, de 26/12/2014, nº 22/2014 e nº 23/2014, ambas de 29/12/2014, contendo significativas modificações, sobretudo no FIES (publicadas, respectivamente, em 29 e 30 de dezembro de 2014 - disponíveis aqui).

Apenas para relembrar, vale registrar, em apertada síntese, que as principais modificações trazidas contemplam a exigência, a partir de 30/3/2015, de desempenho do candidato no ENEM realizado a partir de 2010 constante de média superior a 450 (quatrocentos e cinquenta pontos) e nota superior a 0 (zero) na redação e aquelas relativas ao reescalonamento dos repasses e períodos de recompra dos títulos, que irão, grosso modo, implicar no represamento de parte significativa dos recursos decorrentes da adesão das instituições ao FIES, o que certamente atingirá de forma sensível as instituições que tenham parte significativa de sua receita decorrente da participação no referido programa de financiamento.

O que as portarias em comento não registram, contudo, é a prática de flagrante “tabelamento” dos reajustes aplicados pelas instituições de ensino superior aos preços praticados no ano de 2014, ressuscitando a SUNAB e limitando os reajustes ao patamar de 6,41%.

Esta prática, além de absolutamente informal, porquanto não trazida por qualquer ato normativo válido, o que, por se tratar de ato administrativo, é capaz, por si só, de evidenciar sua absoluta ilegalidade, tem ainda o evidente condão de indevidamente revogar a Lei nº 9.870/1999, que dispõe sobre o valor das anuidades escolares e dá outras providências.

A referida lei, até onde sabemos ainda em pleno vigor, não exige qualquer tipo de limitação ao reajustamento das anuidades ou semestralidades praticadas pelas instituições de ensino superior, exigindo, para legítima aplicação do reajuste praticado, a devida divulgação na forma de seu artigo 2º, verbis:

“Art. 2º O estabelecimento de ensino deverá divulgar, em local de fácil acesso ao público, o texto da proposta de contrato, o valor apurado na forma do art. 1º e o número de vagas por sala-classe, no período mínimo de quarenta e cinco dias antes da data final para matrícula, conforme calendário e cronograma da instituição de ensino.” (grifamos).

Na hipótese de reajustes supostamente abusivos, a competência para adoção de qualquer tipo de providência, nos termos do artigo 4º da prefalada lei, está atribuída à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, nos seguintes termos:

“Art. 4º A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, quando necessário, poderá requerer, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, e no âmbito de suas atribuições, comprovação documental referente a qualquer cláusula contratual, exceto dos estabelecimentos de ensino que tenham firmado acordo com alunos, pais de alunos ou associações de pais e alunos, devidamente legalizadas, bem como quando o valor arbitrado for decorrente da decisão do mediador.” (grifamos).

A norma em comento, portanto, não confere ao Ministério da Educação qualquer tipo de competência para intervir no processo de fixação das anuidades e semestralidades das instituições de ensino superior, muito menos para estipular patamares máximos ou mínimos para o seu reajustamento.

Aliás, na situação corrente, em que assistimos à desenfreada alta de todos os tributos, preços e tarifas públicas, querer impor a entidades privadas limites para reajustamento de seus preços é, no mínimo, pretender condená-las à insolvência.

Limitar a 6,41% o reajustamento das anuidades e semestralidades escolares para o ano de 2015, em cenário de reajustes absurdamente superiores à excessiva inflação do ano de 2014 é, indubitavelmente, empurrar as instituições de ensino participantes do FIES para a inadimplência de suas obrigações e, com isso, impor sua insolvência.

Além disso, impor linearmente, sem considerar as particularidades das relações entre estudantes e instituições, um teto para o reajustamento do valor contratado, além da indevida tentativa de tabelamento dos reajustamentos contratuais, tem um lado ainda mais perverso.

Com efeito, ignora, por exemplo, a situação de um estudante que tenha cursado, seja por que motivo seja, poucas disciplinas no ano de 2014, mas que necessita, em 2015, retomar o ritmo normal de seu curso...

Este estudante, que no ano passado pagou uma anuidade ou semestralidade reduzida, não pelo valor geral estipulado, mas pela peculiaridade de sua situação acadêmica, encontra-se, neste momento, em situação deveras complicada, pois estará impedido de obter o financiamento para o novo valor praticado, simplesmente porque passará a cursar mais disciplinas do que fez no ano anterior.

Que alternativa restará a este estudante?

Continuar assumindo uma carga reduzida de disciplinas para poder obter o reajustamento do FIES, colocando assim em risco o atendimento ao prazo máximo de integralização de seu curso e mesmo sua conclusão?

Desistir do FIES e, possivelmente, de sua justa e mais do que legítima expectativa de obter um diploma de curso superior?

Ou assumir, contratualmente, a obrigação de arcar com a diferença entre o valor financiado pelo FIES e aquele legalmente fixado para a contraprestação pelos serviços educacionais contratados?

Fundamental registrar que, em qualquer dessas circunstâncias, a força motriz para a decisão será, inequivocamente, mais uma indevida intervenção do Ministério da Educação em tema que foge à sua competência, buscando, à revelia da Lei nº 9.870/1999, impor um tabelamento no reajuste das anuidades e semestralidades praticadas pelas instituições de ensino superior, condenando os estudantes a adotar uma penosa opção, sem olvidar que estará empurrando as instituições para a insolvência.

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Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.