Educação Superior Comentada | As imunidades das universidades públicas aos procedimentos de avaliação in loco

Ano 3 • Nº 9 • De 31 de março a 6 de abril de 2015

A Coluna Educação Superior Comentada desta semana comenta as imunidades das universidades públicas aos procedimentos de avaliação in loco

06/04/2015 | Por: Gustavo Fagundes | 2128

Recentemente, reportagem apresentada no programa Fantástico, da Rede Globo, apontou para as conclusões que auditorias realizadas pelos técnicos do Tribunal de Contas da União – TCU, apontando para diversas irregularidades.

Em apertada síntese, as principais irregularidades encontradas pelos técnicos do TCU dizem respeito à falta de acessibilidade, à inadequação das normas de segurança e a problemas no reconhecimento e tombamento dos bens imóveis pela contabilidade.

No aspecto da acessibilidade, os técnicos verificaram a inexistência de sinalizações táteis para pessoas com deficiência visual, a presença de rampas com inclinações excessivas e, portanto, inadequadas e de banheiros pouco acessíveis.

Em relação às normas de segurança, boa parte dos prédios vistoriados apresentavam extintores com cargas vencidas e a inexistência de planos de evacuação e de combate a incêndio, além de salas de aula com dispositivos elétricos sem a necessária proteção, evidenciando a vulnerabilidade de alunos, professores e pessoal técnico-administrativo, constantemente expostos a risco de choque.

Como se não bastasse, grande parte das instituições federais auditadas não possuem inventário das condições de conservação dos prédios, muito menos possuindo “Habite-se” de suas unidades imobiliárias.

Cumpre registrar que, segundo os instrumentos de avaliação, essas constatações deixam evidente o descumprimento a, pelo menos, três requisitos legais, supostamente exigidos de todas as instituições de ensino superior integrantes do sistema federal de ensino.

Com efeito, segundo a matéria acima indicada, o TCU apresentou às instituições federais diversas recomendações, assim resumidas:

“O TCU recomendou às universidades que observem os padrões referentes à necessidade e à adequação de sinalização tátil, implementem brigada de incêndio e sinalização das rotas de fuga em caso de incêndio. Além disso, as instituições devem instituir canal de comunicação com os cidadãos, responsável por gerir demandas, sugestões, reclamações ou elogios, dando ensejo à aplicação do princípio da eficiência. As Ifes também devem reavaliar seus bens imóveis e atualizar os valores dos registros contábeis para que eles reflitam adequadamente a situação patrimonial das entidades.”

Podemos concluir que, além de descumprirem diversos requisitos legais, as instituições de ensino superior auditadas pelos técnicos do TCU, no tocante à avaliação institucional, não atendem adequadamente aos indicadores que tratam da comunicação com a comunidade externa e à demonstração de sustentabilidade e adequação do controle patrimonial.

Infelizmente, os descalabros nas instituições públicas não param por aí!

Segundo noticiado também recentemente pela CBN, a situação dos equipamentos de informativa e do acervo bibliográfico do curso de Direito da Universidade Federal Fluminense – UFF – não é das melhores.

Com efeito, segundo noticiado na reportagem em comento, desde 2012 boa parte dos computadores e livros da biblioteca do curso de Direito da UFF se encontram em estado de abandono, em ambiente fechado e alagado de um de seus prédios, sem qualquer previsão de solução para este grave problema.

Não deixa de ser curioso constatar a situação de absoluta precariedade de boa parte das instituições públicas de ensino, sobretudo quando lembramos estarem, ao menos em tese, submetidas aos mesmos procedimentos avaliativos que as instituições particulares, inclusive, com aplicação dos mesmos instrumentos de avaliação, que exigem, apenas a título de exemplo, a acessibilidade como requisito legal para o funcionamento de qualquer instituição integrante do sistema federal de ensino.

Ora, se os instrumentos aplicáveis para avaliação dos cursos superiores e das instituições do sistema federal de ensino são os mesmos, e se as reportagens acima mencionadas refletem a realidade, existe um grave problema de aplicação dos indicadores de qualidade e de exigência de atendimento aos requisitos legais nos procedimentos de avaliação realizados nas universidades públicas e em seus cursos.

Com efeito, diante da comparação dos fatos suscitados nas reportagens e, sobretudo, das constatações dos auditores técnicos do TCU, com os resultados das avaliações in loco realizadas nas instituições públicas e em seus cursos, percebe-se um gigantesco abismo entre os fatos e os resultados dos procedimentos avaliativos...

Parece restar claro que as universidades públicas são vistas, pelo órgão de supervisão, regulação e avaliação do sistema federal de ensino com uma postura absolutamente leniente e permissiva, diametralmente oposta à calibragem dos mecanismos de supervisão destinados às instituições particulares de ensino, sobretudo no que diz respeito aos efeitos das constatações de fragilidades presentes, que, em um caso, resultam em protocolos de compromisso e medidas cautelares, e em outro, resultam em nada.

Infelizmente, percebemos claramente que existe, de fato, uma imunidade das instituições públicas e de seus cursos aos procedimentos avaliativos previstos na Lei do SINAES, especialmente no que pertine à avaliação in loco.

Essa imunidade, em uma primeira análise, pode decorrer de dois fatos distintos, ou mesmo simultâneos, quais sejam:

Existe algum tipo de orientação não escrita para que as constatações decorrentes da avaliação das instituições públicas e de seus cursos não sejam fielmente traduzidas nos relatórios de avaliação in loco, porquanto não é crível, por exemplo, que auditores do TCU não vislumbrem o atendimento a requisitos legais que os avaliadores afirmaram atendidos, de modo que os relatórios de avaliação podem, estranhamente, não corresponder à realidade verificada.

Alternativamente, os relatórios de avaliação traduzem fielmente as constatações colhidas durante o procedimento avaliativo, mas seus resultados não são utilizados pelos agentes de regulação e supervisão com os mesmos critérios adotados no caso das avaliações das instituições particulares.

Em qualquer caso, resta evidente a vulneração do princípio da impessoalidade, que deve nortear a condução das atividades de todos os agentes públicos, porquanto a condição individual do administrado está sendo determinante na condução das atividades de avaliação, regulação e supervisão da educação superior no sistema federal de ensino, como evidenciam as constatações apontadas nas matérias acima indicadas e os resultados das avaliações in loco realizadas nas universidades federais.

É imprescindível que o princípio da impessoalidade seja, efetivamente, aplicado na condução das atividades de regulação, supervisão e avaliação no âmbito do sistema federal de ensino, aplicando-se, de fato, as regras do SINAES para todas as instituições e cursos superiores, inclusive no que pertine à necessidade de serem produzidos relatórios que, efetivamente, indiquem as condições reais de oferta e às consequências das informações fidedignas contidas nesses documentos.

O exercício das atividades de supervisão por parte da SERES/MEC não pode ser direcionado exclusivamente às instituições particulares, fazendo vista grossa para as condições de funcionamento das universidades públicas, rotineiramente apontadas por diversas reportagens divulgadas pela mídia.

 

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