Educação Superior Comentada | A ilegalidade da cobrança efetuada pelas universidades públicas por cursos de pós-graduação

Ano 3 • Nº 10 • De 7 a 13 de abril de 2015

A Coluna Educação Superior Comentada desta semana comenta a ilegalidade da cobrança efetuada pelas universidades públicas por cursos de pós-graduação

13/04/2015 | Por: Gustavo Fagundes | 4634

A ILEGALIDADE DA COBRANÇA POR CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS

Temos percebido, nesses últimos tempos, o recrudescimento da oferta de programas de pós-graduação, principalmente cursos lato sensu, pelas universidades públicas, com a cobrança de taxa de matrícula e mensalidades dos estudantes.

Essa atuação, contudo, se mostra absolutamente em desacordo com as normas vigentes, especialmente com os preceitos da Constituição Federal e da LDB sobre o tema.

Com efeito, o artigo 206 da Constituição Federal é absolutamente cristalino ao prever, em seu inciso IV, a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais como um dos princípios basilares da educação no País:

“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

.....

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;”.

Repetindo o texto constitucional, o artigo 3º da Lei nº 9.394/1996 (LDB), em seu inciso VI, reitera a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais como princípio essencial da oferta do ensino:

“Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: 

..... 

VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;”. 

A prática da cobrança de taxa de matrícula e de mensalidades pelas universidades públicas, independentemente do tipo ou modalidade de curso ofertado tem sido, rotineiramente, declarado ilegal pelo Poder Judiciário, como demonstram os arestos abaixo transcritos:

 

“EMENTA

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. UNIVERSIDADE PÚBLICA. CURSO DE PÓSGRADUAÇÃO LATO SENSU. COBRANÇA DE TAXA DE MATRÍCULA E MENSALIDADE. DESCABIMENTO.

1. A cobrança de taxa de matrícula e mensalidades relativas a curso de pós-graduação lato sensu, ministrado por universidade pública é repelida pelo Ordenamento Jurídico, pois o princípio da gratuidade de ensino nos estabelecimentos oficiais, encartado na Carta da República, art. 206, IV, não discrimina níveis, razão por que é passível a sua aplicação a todas as modalidades de cursos, inclusive os de pós-graduação lato sensu, compreendidos no conceito de educação superior (Lei 9.394/96, art. 44, III).

2. Por outro fundamento, revela-se indevida, também, a aludida cobrança, dado que fora ela instituída por meio de Resolução, norma terciária, sendo certo que o princípio da autonomia universitária não exime a Administração da observância do preceito maior a que está vinculada, qual seja, o da legalidade. Portanto, tal norma interna corporis invadiu o campo reservado à norma jurídica de atribuição constitucional exclusiva do legislador ordinário.

3. Apelação da UFMG e remessa oficial desprovidas.

 

ACÓRDÃO

Decide a Quinta Turma do TRF – 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial.” (TRF da 1ª Região, APC nº 200738000222009/MG, Rel. Des. Federal Fagundes de Deus, 5ª Turma, v.u. ,e-DJF1, nº 242, 19.12.2008, pág. 485 - grifamos).

 “EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU. INSTITUIÇÃO PÚBLICA. COBRANÇA DE TAXA DE MATRÍCULA E DE MENSALIDADE. AFRONTA AO ART. 206, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA VINCULANTE Nº 12/STF.

I – A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal (Súmula Vinculante nº 12/STF).

II - Afigura-se ilegítima a cobrança de taxa de matrícula e de mensalidade, por instituição de ensino pública, em curso de pósgraduação lato sensu, tendo em vista a garantia constitucional de gratuidade de ensino público (art. 206, IV, da CF). Precedentes do TRF/1ª Região.

III - Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença confirmada.

ACÓRDÃO

Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial.” (TRF da 1ª Região, APC nº 2007.35.00.019671-0/GO, Rel. Des. Federal Souza Prudente, 6ª Turma, v.u. ,e-DJF1, nº 015, 26.1.2009, pág. 186 - grifamos).

Buscando alternativas para se esquivar do cumprimento do ordenamento jurídico pátrio, as universidades públicas tentaram utilizar as chamadas fundações de apoio para promover a cobrança, como se fossem essas as efetivas ofertantes dos cursos de pós-graduação objeto da inconstitucional cobrança.

Sempre atento, o Poder Judiciário prontamente respondeu à indevida manobra, consolidando o entendimento de que esta modalidade de oferta também estava em desacordo com o ordenamento jurídico vigente, conforme demonstram as decisões ora apresentadas:

“EMENTA:

Administrativo. Constitucional. Processual Civil. Legitimidade do CEFET/AL. Cursos tecnológicos de formação profissional. Ensino superior público. Convênio celebrado entre o CEFET/AL e a FAPEC. Impossibilidade de cobrança de taxas e mensalidades. Devolução simples dos valores pagos indevidamente. Ausência de configuração de danos morais. Precedente. Apelações improvidas.

ACÓRDÃO

Vistos etc. Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.” (TRF da 5ª Região, AC nº 364957/AL – 2004.80.00.008342-1, Rel. Des. Federal Lázaro Guimarães, 4ª Turma, v.u., e-DJ nº 34, 16.2.2006, pág. 654 - grifamos).

“EMENTA

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ENSINO SUPERIOR. CONVÊNIO FIRMADO ENTRE A CEFET (AUTARQUIA FEDERAL VINCULADA AO MEC) E A FAPEC (PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO SEM FINS LUCRATIVOS). MATRÍCULA E MENSALIDADES. COBRANÇA PELA FAPEC. INDEVIDA. INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA GRATUIDADE DO ENSINO PÚBLICO, EM ESTABELECIMENTO OFICIAL. RESSARCIMENTO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE DANOS MATERIAIS. POSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. NÃO CONDENAÇÃO NA DECISÃO SINGULAR. CONDENAÇÃO EM TAIS DANOS NESTA INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE EM FACE DA AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO. EXCLUSÃO DE TAL CONDENAÇÃO. DEVIDA.” (TRF da 5ª Região, AC nº 384724/AL-2005.80.00.006669-5, Rel. Des. Federal Petrucio Ferreira, 2ª Turma, v.u., e-DJ nº 107, 5.6.2007, pág. 446 - grifamos).

Esta discussão chegou aos tribunais superiores, depois do entendimento acerca da ilegalidade da cobrança pelo ensino público nos estabelecimentos oficiais ter restado pacificado nos tribunais regionais federais, tendo sido objeto de manifestação expressa pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme a seguinte decisão:

“DECISÃO

Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu recurso especial, interposto com fulcro no art. 105, inciso III, alínea "a", da CF/88, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região assim ementado:

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. UNIVERSIDADE PÚBLICA. CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU. COBRANÇA DE MENSALIDADE. DESCABIMENTO.

1. A cobrança de mensalidades relativas a curso de pós-graduação lato sensu, ministrado por universidade pública é repelida pelo Ordenamento Jurídico, pois o princípio da gratuidade de ensino nos estabelecimentos oficiais, encartado na Carta da República, art. 206, IV, não discrimina níveis, razão por que é passível a sua aplicação a todas as modalidades de cursos, inclusive os de pós-graduação lato sensu, compreendidos no conceito de educação superior (Lei 9.394/96, art. 44, III).

2. Por outro fundamento, revela-se indevida, também, a aludida cobrança, dado que fora ela instituída por meio de Resolução, norma terciária, sendo certo que o princípio da autonomia universitária não exime a Administração da observância do preceito maior a que está vinculada, qual seja, o da legalidade. Portanto, tal norma interna corporis invadiu o campo reservado à norma jurídica de atribuição constitucional exclusiva do legislador ordinário.

3. Apelação do estudante provida, para desconstituir a sentença de primeiro grau e, de conseqüência, conceder a segurança, a fim de assegurar ao aluno a freqüência ao curso de pós-graduação em Criminologia, independentemente do pagamento de mensalidades" (fl. 166).

A recorrente alega ofensa aos arts. 535, II, do CPC, 4°, I e II, e 5° da Lei n. 9.394/1996. Aduz ser legítima a cobrança de mensalidades de curso de pós-graduação.

É o relatório. Decido.

Não merece prosperar o inconformismo.

A afirmada afronta ao art. 535 do Código de Processo Civil não merece prosperar, uma vez que os embargos declaratórios foram rejeitados pela inexistência de omissão, contradição ou obscuridade, tendo o Tribunal a quo dirimido todas as questões deduzidas pela recorrente, embora de forma diversa da pretendida.

No mais, bem anotado pela decisão que inadmitiu o processamento do apelo nobre, a Corte de origem dirimiu a controvérsia que lhe foi submetida adotando fundamento de índole eminentemente constitucional, em torno dos arts. 37, caput, 206 e 208, da Constituição Federal de 1.988. Assim, mostra-se inviável a revisão do aresto recorrido pela via do recurso especial. Nesse sentido:

"ADMINISTRATIVO – ENSINO SUPERIOR – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COBRANÇA DE TAXAS DE MATRÍCULA E MENSALIDADES NOS CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO "LATO SENSU", ESPECIALIZAÇÃO E ATUALIZAÇÃO DA UFPEL – LEGITIMIDADE ATIVA DO MPF – DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS – COMPETÊNCIA DO STF.

[...]

4. Quanto à alegação de legitimidade da cobrança de taxas de matrículas e mensalidades nos cursos de pós-graduação "lato sensu", especialização e atualização, o recurso não merece conhecimento, porquanto a questão se resolveu, no Tribunal de origem, mediante a interpretação e aplicação ao art. 206, inciso IV, da Constituição Federal, em razão de sua natureza eminentemente constitucional.

Agravo regimental improvido" (AgRg no REsp 967.910/RS, Ministro Humberto Martins, DJe de 7.4.2009).

Diante disso, nego provimento ao agravo.” (AG nº 1.425.042-GO – 2011/0178709-0, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJE-STJ, edição nº 917, 21.10.2011, pág. 1488).

Finalmente, atento às reiteradas manifestações de todos os tribunais pátrios, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº12, consolidando o entendimento acerca da inconstitucionalidade da cobrança pelo ensino público nos estabelecimentos oficiais:

Súmula Vinculante 12 - A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal.” (DJE, 22.8.2008 – grifamos). 

“1. O acórdão recorrido decidiu pela inconstitucionalidade da cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas.

2. Daí o recurso extraordinário interposto pela universidade.

3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 13.8.2008, ao julgar o RE 500.171/GO, rel. Min. Ricardo Lewandowski, com repercussão geral reconhecida no RE 567.801/MG, rel. Min. Menezes Direito, DJE de 23.5.2008, nos termos da Lei 11.418/2006, concluiu ser inconstitucional a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas por violar o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal. Em razão da declaração de inconstitucionalidade proferida naquele feito, o Plenário, por unanimidade, na mesma data, editou a Súmula Vinculante nº 12, nos termos seguintes: “A cobrança de taxa de matrícula nas Universidades Públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal” (DJE de 22.8.2008).

4. Assim, o acórdão ora impugnado está em consonância com a orientação firmada pelo Plenário desta Corte sobre a matéria em referência, razão pela qual nego seguimento ao recurso extraordinário com fundamento no art. 557, caput, do Código de Processo Civil.” (STF, RE nº 542.625-4, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJe nº 170/2008, 10.9.2008, pág. 222 - grifamos).

Parece, diante dessas decisões, que não existem dúvidas acerca da absoluta ilegalidade da cobrança pela oferta de cursos, inclusive de pós-graduação lato sensu, por parte das instituições públicas de educação superior.

Cabe, portanto, aos interessados/prejudicados, adotar as medidas legais para fazer cessar essa indevida conduta, seja para cessação da cobrança ilegal, seja, no caso daqueles que já concluíram seus cursos, para obtenção do ressarcimento pelos valores pagos indevidamente.

 

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