Educação Superior Comentada | A criação e organização das empresas juniores

Ano 3 • Nº 10 • 20 de abril de 2016

Nesta semana, a Coluna Educação Superior Comentada reflete sobre a criação e organização das empresas juniores

20/04/2016 | Por: Gustavo Fagundes | 3014

A CRIAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DAS EMPRESAS JUNIORES

Restou publicada no Diário Oficial, no dia 7 de abril, a Lei n° 13.267, de 6 de abril de 2016, destinada a disciplinar “a criação e a organização das associações denominadas empresas juniores, com funcionamento perante instituições de ensino superior”.

De acordo com a recente norma legal, a empresa júnior deverá ser organizada em conformidade com seus comandos, sob a forma de associação civil gerida por estudantes regularmente matriculados em cursos de graduação com atividades representadas no âmbito da atuação da entidade, nos termos de seu artigo 2º:

 

“Art. 2º. Considera-se empresa júnior a entidade organizada nos termos desta Lei, sob a forma de associação civil gerida por estudantes matriculados em cursos de graduação de instituições de ensino superior, com o propósito de realizar projetos e serviços que contribuam para o desenvolvimento acadêmico e profissional dos associados, capacitando-os para o mercado de trabalho.

§ 1º. A empresa júnior será inscrita como associação civil no Registro Civil das Pessoas Jurídicas e no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica.

§ 2º. A empresa júnior vincular-se-á a instituição de ensino superior e desenvolverá atividades relacionadas ao campo de abrangência de pelo menos um curso de graduação indicado no estatuto da empresa júnior, nos termos do estatuto ou do regimento interno da instituição de ensino superior, vedada qualquer forma de ligação partidária.”

Para o surgimento de empresa júnior, nos termos da recente Lei n° 13.267/2016, a primeira questão a ser impositivamente observada, portanto, é a necessidade de criação de uma associação civil, em conformidade com o disposto, entre outros, nos artigos 44 a 61 do Código Civil.

Os estudantes que desejem participar das atividades da empresa júnior deverão estar regularmente matriculados na instituição de ensino superior, em curso de graduação a que a entidade esteja vinculada, sendo certo, ainda, que deverão ingressar como associados e exercerão trabalho voluntário, ou seja, não poderão perceber qualquer tipo de remuneração pelas atividades desempenhadas junto à associação, nos exatos termos do artigo 3º da mencionada Lei:

“Art. 3º. Poderão integrar a empresa júnior estudantes regulamente matriculados na instituição de ensino superior e no curso de graduação a que a entidade esteja vinculada, desde que manifestem interesse, observados os procedimentos estabelecidos no estatuto.

§ 1º. (VETADO)

§ 2º. Os estudantes matriculados em curso de graduação e associados à respectiva empresa júnior exercem trabalho voluntário, nos termos da Lei n° 9.608, de 18 de fevereiro de 1998.”.

 

Esta exigência, contudo, pode inviabilizar a criação e funcionamento das empresas júniores, pois apresenta, como conditio sine qua non para associação e atuação na entidade a condição de aluno regulamente matriculado na instituição de ensino, em curso vinculado à mesma.

Assim, além de não haver meio de se obrigar o estudante a ingressar na associação, porquanto o inciso XX do artigo 5º da Constituição Federal é absolutamente cristalino ao estabelecer que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”, não há meios de garantir que, depois de regularmente criada a associação, não exista estudante interessado em associar-se à mesma, o que poderia, além de inviabilizar sua continuidade, trazer um grave problema para o regular encerramento de suas atividades, pela simples inexistência de associados habilitados a realizar tal procedimento.

Aspecto fundamental da regularidade na constituição e funcionamento das empresas juniores, sob o prisma da recente norma legal, é a limitação do alcance de suas atividades, que deverão, obrigatoriamente, atender a pelo menos uma das condições essenciais estipuladas pelos incisos I e II de seu artigo 4º, verbis:

“Art. 4º. A empresa júnior somente poderá desenvolver atividades que atendam a pelo menos uma das seguintes condições:

I – relacionem-se aos conteúdos programáticos do curso de graduação ou dos cursos de graduação a que se vinculem;

II – constituam atribuição da categoria profissional correspondente à formação superior dos estudantes associados à entidade.”

Registre-se que as atividades da empresa júnior, assim como acontece com o estágio, deverão ser orientadas por professores e supervisionadas por profissionais especializados, sendo certo ainda que, cumpridas as questões legais, a entidade poderá ser reconhecida pela instituição de ensino superior, nos termos de suas normas internas, situação em que terá gestão autônoma.

Previsão que certamente há de gerar intensa polêmica é a possibilidade concedida à empresa júnior, desde que suas atividades sejam orientadas por professores ou supervisionadas por profissionais habilitados, de cobrar pela elaboração de produtos e prestação de serviços independentemente de autorização do conselho profissional da área, mesmo que haja lei específica de regência da profissão.

Impositivo registrar que a empresa júnior deverá ter fins educacionais e não lucrativos, devendo colimar, entre outros específicos que venha a estabelecer, o atendimento aos objetivos previstos no artigo 5º do diploma legal em comento:

“Art. 5º. A empresa júnior, cujos fins são educacionais e não lucrativos, terá, além de outros específicos, os seguintes objetivos:

I – proporcionar a seus membros as condições necessárias para a aplicação prática dos conhecimentos teóricos referentes à respectiva área de formação profissional, dando-lhes oportunidade de vivenciar o mercado de trabalho em caráter de formação para o exercício da futura profissão e aguçando-lhes o espírito crítico, analítico e empreendedor;

II – aperfeiçoar o processo de formação dos profissionais em nível superior;

III – estimular o espírito empreendedor e promover o desenvolvimento técnico, acadêmico, pessoal e profissional de seus membros associados por meio de contato direto com a realidade do mercado de trabalho, desenvolvendo atividades de consultoria e de assessoria a empresários e empreendedores, com a orientação de professores e profissionais especializados;

IV – melhoras as condições de aprendizado em nível superior, mediante a aplicação da teoria dada em sala de aula na prática do mercado de trabalho no âmbito dessa atividade de extensão;

V – proporcionar aos estudantes a preparação e a valorização profissionais por meio da adequada assistência de professores e especialistas;

VI – intensificar o relacionamento entre as instituições de ensino superior e o meio empresarial;

VII -  promover o desenvolvimento econômico e social da comunidade ao mesmo tempo em que fomenta o empreendedorismo de seus associados.”

Na busca do atingimento de seus objetivos, a empresa júnior deverá desenvolver, necessariamente, as atividades estipuladas no artigo 6º da Lei n° 13.267/2016:

“Art. 6º. Para atingir seus objetivos, caberá à empresa júnior:

I – promover o recrutamento, a seleção e o aperfeiçoamento de seu pessoal com base em critérios técnicos;

II – realizar estudos e elaborar diagnósticos e relatórios sobre assuntos específicos inseridos em sua área de atuação;

III – assessorar a implantação das soluções indicadas para os problemas diagnosticados;

IV – promover o treinamento, a capacitação e o aprimoramento de graduandos em suas áreas de atuação;

V – buscar a capacitação contínua nas atividades de gerenciamento e desenvolvimento de projetos;

VI – desenvolver projetos, pesquisas e estudos, em nível de consultoria, assessoramento, planejamento e desenvolvimento, elevando o grau de qualificação dos futuros profissionais e colaborando, assim, para aproximar o ensino superior da realidade do mercado de trabalho;

VII – fomentar, na instituição a que esteja vinculada, cultura voltada para o estímulo ao surgimento de empreendedores, com base em política de desenvolvimento econômico sustentável;

VIII – promover e difundir o conhecimento por meio de intercâmbio com outras associações, no Brasil e no exterior.”

Talvez mais importante que conhecer os objetivos das empresas juniores e as atividades a serem desenvolvidas para seu atingimento, seja atentar para as condutas que lhes são vedadas, para assegurar a regularidade de seu funcionamento e o efetivo cumprimento das finalidades de sua criação, conforme claramente contido no artigo 7º da lei sob análise:

“Art. 7º. É vedado à empresa júnior:

I – captar recursos financeiros para seus integrantes por intermédio da realização de seus projetos ou de qualquer outra atividade;

II – propagar qualquer forma de ideologia ou pensamento político-partidário.

§ 1º.  A renda obtida com os projetos e serviços prestados pela empresa júnior deverá ser revertida exclusivamente para o incremento das atividades-fim da empresa.

§ 2º. É permitida a contratação de empresa júnior por partidos políticos para a prestação de serviços de consultoria e publicidade.”

Diante dessas vedações legais, e considerando todo o contexto normativo e de finalidade exclusivamente educacional que norteia a criação e funcionamento das empresas juniores, é importante registrar os compromissos que devem ser observados pela entidade em sua atuação, nos termos do artigo 8º da norma legal em comento:

“Art. 8º. A empresa júnior deverá comprometer-se a:

I – exercer suas atividades em regime de livre e leal concorrência;

II – exercer suas atividades segundo a legislação específica aplicável a sua área de atuação e segundo os acordos e as convenções da categoria profissional correspondente;

III – promover, com outras empresas juniores, o intercâmbio de informações de natureza comercial, profissional e técnica sobre estrutura e projetos;

IV – cuidar para que não se faça publicidade ou propaganda comparativa, por qualquer meio de divulgação, que deprecie, desabone ou desacredite a concorrência;

V – integrar os novos membros por meio de política previamente definida, com períodos destinados à qualificação e à avaliação;

VI – captar clientela com base na qualidade dos serviços e na competitividade dos preços, vedado o aliciamento ou o desvio desleal de clientes da concorrência, bem como o pagamento de comissões e outras benesses a quem os promova.” 

Manter o atendimento a esses compromissos, essenciais ao sadio desenvolvimento de qualquer empresa, talvez sejam o maior desafio posto para as empresas juniores, pois, decerto, não são valores entusiasticamente praticados pelo mercado em que deverão se instalar, bastando acompanhar algumas práticas concorrenciais usualmente adotadas para podermos chegar a esta conclusão.

De qualquer modo, é certo que as empresas juniores, regularmente constituídas na forma da legislação em vigor, devem ser reconhecidas pelas instituições de ensino superior a que estejam vinculadas, na forma de seus respectivos regramentos interna corporis, conforme prevê o artigo 9º da Lei n° 13.267/2016:

“Art. 9º. O reconhecimento de empresa júnior por instituição de ensino superior dar-se-á conforme as normas internas dessa instituição e nos termos desse artigo.

§ 1º. Competirá ao órgão colegiado da unidade de ensino da instituição de ensino superior a aprovação do plano acadêmico da empresa júnior, cuja elaboração deverá contar com a participação do professor orientados e dos estudantes envolvidos na iniciativa júnior.

§ 2º. O plano acadêmico indicará, entre outros, os seguintes aspectos educacionais e estruturais da empresa júnior e da instituição de ensino superior:

I – reconhecimento da carga horária dedicada pelo professor orientador;

II – suporte institucional, técnico e material necessário ao início das atividades da empresa júnior.

§ 3º. A instituição de ensino superior é autorizada a ceder espaço físico a título gratuito, dentro da própria instituição, que servirá de sede para as atividades de assessoria e consultoria geridas pelos estudantes empresários juniores.

§ 4º. As atividades da empresa júnior serão inseridas no conteúdo acadêmico da instituição de ensino superior preferencialmente como atividades de extensão.

§ 5º. Competirá ao órgão colegiado da instituição de ensino superior criar normas para disciplinar sua relação com a empresa júnior, assegurada a participação de representantes das empresas juniores na elaboração desse regramento.”

A norma legal recentemente publicada tem como objetivo expresso disciplinar a criação e organização das empresas juniores, que, segundo o texto legal, devem ser organizadas sob a forma de associação civil com finalidades exclusivamente educacionais.

Ocorre que, por multifários aspectos, esta parece ser mais uma norma legal fadada ao ostracismo, a “não pegar”.

Como apontado acima, a exigência de sua organização sob a forma de associação civil, com participação associativa restrita a estudantes regularmente matriculados na instituição de ensino superior, em curso de graduação ao qual a empresa júnior esteja vinculada, apesar de absolutamente lógica e pertinente, pode representar um empecilho à efetividade da norma.

Primeiro, por ser constitucionalmente garantido que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”, de modo que não há como assegurar a criação da empresa júnior na forma prevista na lei e, muito menos, a impor a sua continuidade em caso de ausência de interesse dos acadêmicos.

Segundo, por entender que essa característica pode gerar, em momento vindouro, o grave problema da necessidade de encerramento das atividades da empresa júnior, simplesmente pela inexistência de associados legitimados a exercer esta condição, pois é certo que, deixando de ser estudante regularmente matriculado, deverá o associado perder esta condição.

Outro aspecto que merece reflexão é a garantia de autonomia de gestão da empresa júnior, em cotejo com sua finalidade exclusivamente educacional e a previsão de seu reconhecimento por parte da instituição de ensino superior, a quem competiriam obrigações de cunho acadêmico e mesmo logístico, haja vista a necessidade de orientação docente e a possibilidade de suporte material para o início das atividades.

Parece que, mais uma vez, estamos diante de uma norma legal criada por pessoas que, ao contrário do que preconiza o texto legal, não possuem a mínima experiência na articulação da teoria com a prática, incapazes de articular o contexto acadêmico com a realidade do mercado de trabalho, gerando, assim, uma lei que pretende criar uma figura destinada à atuação com finalidade educacional, mas sem permitir que, no exercício de suas atribuições de autonomia didático-científica, as instituições de ensino superior possam definir a contextualização de gestão e da atuação das empresas juniores, sempre tendo como parâmetros fulcrais os princípios da legalidade, da razoabilidade e da liberdade de aprender e ensinar.

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