Educação Superior Comentada | A necessidade de oferta regular dos componentes curriculares obrigatórios

Ano 5 - Nº 20 - 5 de julho de 2017

Na edição desta semana, o consultor jurídico da ABMES, Gustavo Fagundes, fala sobre a obrigatoriedade de as instituições de educação superior garantirem o encadeamento curricular e os prazos de integralização, sem qualquer prejuízo ao aluno, mesmo naqueles cursos onde o sistema de pré-requisitos foi substituído pela oferta modular de disciplinas

05/07/2017 | Por: Gustavo Fagundes | 8858

O aumento da oferta de cursos superiores trouxe consigo o crescimento proporcional da quantidade de vagas disponibilizadas e, com isso, além de acirrar a disputa pelo alunado, trouxe o costume de flexibilização no acesso aos ingressantes.

Uma das modificações implantadas foi a adoção dos cursos com oferta modular, com a mitigação do sistema de pré-requisitos, de modo a permitir, com as devidas limitações, o ingresso de alunos novos em alguns dos módulos iniciais.

Isso permite, por exemplo, que a instituição ofereça o módulo inicial de um curso superior no primeiro semestre letivo do ano e, no segundo semestre, receba novos alunos sem precisar repetir, naquele momento, a oferta do módulo inicial, simplesmente inserindo os ingressantes no segundo módulo e, a partir daí, seguem o fluxo formativo.

Evidentemente, esses alunos deverão, em algum momento, cursar o módulo inicial, sem que essa necessidade acarrete o retardamento da conclusão do curso no prazo de integralização previsto no projeto pedagógico.

Celebrado o contrato de prestação de serviços educacionais, a matriz curricular vigente na ocasião adere às condições contratuais por ser característica essencial do serviço prestado, de modo que faz jus o acadêmico à regular observância do encadeamento curricular e aos prazos de integralização correspondentes.

Nesse sentido, encontra-se firmada a jurisprudência de nossos tribunais, como demonstram os arestos adiante colacionados, oriundos, respectivamente, do Eg. Tribunal Regional Federa da 3ª Região (TRF3) e do Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT):

“EMENTA

ENSINO SUPERIOR - ALTERAÇÃO DE GRADE CURRICULAR - AUTONOMIA DIDÁTICO-CIENTÍFICA DA UNIVERSIDADE.

1. Dentro da autonomia universitária, podem ser feitas alterações na grade curricular dos alunos desde que isso não acarrete prejuízos à sua formação, o que não é a hipótese dos autos, pois a impetrante não concluiu o curso em tempo hábil devido ao seu afastamento da Universidade por três anos.

2. Dessa forma, terá a aluna de se adaptar à nova grade curricular, diferente daquela em que iniciou o curso a fim de integralizar todas as disciplinas existentes na grade vigente, para que não se forme em descompasso com o entendimento científico atual.

3. Também não merece prosperar pedido subsidiário da impetrante para cursar a nova grade pelo sistema de ensino à distância, na medida em que optou por frequentar o curso presencial. A Universidade, no entanto, esclarece que tal modalidade poderá ser escolhida pela impetrante para as disciplinas de adaptação.

4. Sentença mantida.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009625-74.2011.4.03.6104/SP - 2011.61.04.009625-6/SP, 6ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Juiz Federal Convocado Herbert de Bruyn, votação unânime, Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região, 28.2.2013, pág. 996).

“EMENTA

CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. INSTITUIÇÃO DE ENSINO. ALTERAÇÃO NA GRADE CURRICULAR. PREJUÍZO AO ALUNO. IMPOSSIBILIDADE. DANOS MATERIAIS. RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESEMBOLSADOS COM O PAGAMENTO DE 40 (QUARENTA) HORAS DE DISCIPLINA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO.

1. A despeito da possibilidade de as instituições de ensino alterarem a grade curricular no decorrer do curso em razão de sua autonomia didático-científica, tal não pode acarretar prejuízo ao aluno que vem regularmente frequentando o curso.

2. Justifica-se a condenação da instituição de ensino superior a indenizar os danos materiais correspondentes ao desembolso do valor de 40 (quarenta) horas de disciplina quando, demonstrado que a aluna cursou e pagou 80 (oitenta) horas e, após alteração na grade curricular com a redução da carga horária para 40 (quarenta) horas e a inclusão de nova disciplina a cursar, registrou apenas 40 (quarenta) horas em seu currículo.

3. Configurando o fato lesivo mero aborrecimento e não gerando violação à intimidade, à imagem ou à vida privada do autor, não há falar em indenização a título de danos morais.

4. Recurso parcialmente provido.” (Processo n° 2010.07.1.026662-9, Acórdão n° 682954, Rel. Des. Cruz Macedo, decisão unânime, Diário da Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 13.6.2013, pág. 169).

Verifica-se, portanto, que o acadêmico regular não pode ser prejudicado, sobretudo em relação ao prosseguimento de sua vida acadêmica e ao cumprimento dos prazos de integralização, com alterações na matriz curricular ou com a interrupção da oferta regular dos componentes curriculares obrigatórios.

Incumbe à instituição de ensino, nesse contexto, assegurar a oferta regular de todos os componentes curriculares obrigatórios, de modo a permitir aos estudantes o cumprimento do percurso formativo previsto no projeto pedagógico do curso e que, assim, integra o conjunto das características essenciais do serviço contrato.

Acerca dessa inequívoca obrigação, o entendimento dos tribunais também é absolutamente pacífico, conforme demonstram os arestos ora apresentados, ambos oriundos do Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

“EMENTA

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. ENSINO À DISTÂNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. QUALIFICAÇÃO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO. DISCIPLINA. DISPONIBILIZAÇÃO. ESTÁGIO SUPERVISIONADO. CONCLUSÃO DO CURSO. DEMORA. FALHA. DANO MORAL. QUALIFICAÇÃO. INSTITUIÇÃO DE ENSINO E DISPONIBILIZADORA DA INFRAESTRUTURA TÉCNICA PARA O FOMENTO DOS SERVIÇOS - TRANSMISSÃO DE SINAL VIA SATÉLITE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. SUBSISTÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA DISPONIBILIZADORA DA ESTRUTURA TÉCNICA. FIGURAÇÃO NO CONTRATO. AFIRMAÇÃO. ATO ILÍCITO. CONFIRUGAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA MANTIDA.

1 – O contrato de prestação de serviços educacionais à distância que enlaça em seus vértices a instituição de ensino, a empresa que disponibiliza a infraestrutura técnica indispensável ao fomento dos serviços: sinal de satélite e transmissão de dados - e o aluno, consumidor final dos serviços que fazem seu objeto, qualifica-se como relação de consumo, pois envolve a prestação de serviços volvidos a destinatário final dos serviços fomentados (CDC, arts. 2º e 3º).

2 - O contrato enlaça todos os protagonistas das obrigações ativas e passivas que retrata, ainda que compartimentadas, emergindo dessa regulação que, concertado contrato de prestação de serviços educacionais à distância, tanto a instituição de ensino fomentadora direta dos serviços educacionais como a empresa incumbida de viabilizar a transmissão das aulas e demais materiais neles compreendidos, que nele figuram como contratadas e destinatárias da remuneração convencionada, são responsáveis pelo fomento adequado dos serviços, respondendo solidariamente pelas falhas havidas na prestação (CDC, art. 7º, parágrafo único).

3 - Restando incontroverso que os serviços educacionais não restaram aperfeiçoados na moldura em que originalmente convencionados, pois não disponibilizado à aluna disciplina indispensável à conclusão do curso e que deveria ser cumprida sob a forma presencial - estágio supervisionado II do curso de bacharelado de Serviços Social -, resultando em retardamento na conclusão da disciplina, e por extensão do curso, o fato qualifica-se como defeito na prestação, ensejando que, diante do ilícito contratual, germine a responsabilidade solidária das instituições contratadas quanto à composição dos danos derivados do inadimplemento havido. 4 - Apelação conhecida e desprovida. Unânime.” (Processo n° 2011.07.1.031836-2, Acórdão n° 827652, Rel. Des. Teófilo Caetano, decisão unânime, Diário de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 30.10.2014, pág. 149).

“EMENTA

CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. AUSÊNCIA DE OFERTA DE DISCIPLINA INTEGRANTE DA MATRIZ CURRICULAR. ATRASO NA CONCLUSÃO DO CURSO. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.

1 - Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica estabelecida com o fim de prestação de serviços educacionais. Nessa relação, o estudante é destinatário final dos serviços educacionais e a instituição de ensino é a responsável por sua prestação, enquadrando-se, respectivamente, nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos artigos 2º e 3º do CDC.

2 - Infundada a alegação sobre a ocorrência de caso fortuito, consubstanciado no fato de não ter encontrado professor capacitado para ministrar a disciplina, uma vez que a referida circunstância integra o risco inerente da atividade exercida pela instituição de ensino.

3 - Embora a parte Ré afirme que a disciplina foi ofertada após a reprovação da Autora, não corrobora a aludida alegação com nenhum elemento de prova colacionado aos autos, ou seja, não se desincumbiu do ônus de comprovar a ocorrência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da Autora (inciso II do artigo 333 do CPC/73). Ainda que assim não fosse, a inexistência de circunstância justificadora para o não oferecimento da disciplina, única restante para a conclusão do curso pela Autora, desatende ao objeto do contrato de prestação de serviços educacionais, que é a conclusão do curso superior. Evidenciada, portanto, a falha no serviço, dada a ilegítima frustração de expectativa de conclusão da graduação durante o prazo previsto, a ensejar a reparação a título de danos morais. Apelação Cível desprovida.” (Processo n° 2015.01.1.086301-7 APC, Acórdão n° 1017740, Rel. Des. Angelo Passareli, decisão unânime, Diário de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, 29.5.2017, pág. 383).

Diante do contexto trazido, entendo que é justo, e mesmo necessário, que as instituições de educação busquem fórmulas alternativas para melhorar o fluxo de ingressantes em seus cursos superiores e a própria oferta dos componentes curriculares.

Todavia, essa flexibilização não pode trazer como resultado qualquer tipo de prejuízo ao estudante, especialmente no que pertine ao adequado prosseguimento de suas atividades acadêmicas, ficando as instituições, como visto, obrigadas a assegurar a regular oferta dos conteúdos curriculares obrigatórios nos prazos e condições previstos no projeto pedagógico de cada curso superior ministrado.

Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.

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