Educação Superior Comentada | Políticas, diretrizes, legislação e normas do ensino superior

Ano 1 • Nº 34 • De 1º a 7 de novembro de 2011

07/11/2011 | Por: Celso Frauches | 2632

TROTE: INDICADOR DE QUALIDADE DE CURSO SUPERIOR? 

Está no ABMES Notícias

Brasília – Por sugestão do Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP), as instituições de ensino superior poderão ganhar pontos nas avaliações do Ministério da Educação (MEC) caso invistam em ações para coibir o trote estudantil. A mudança é resultado de um trabalho do MPF para tentar reduzir o número de casos de trotes violentos que se repetem no início de cada semestre em diferentes universidades do país.

A Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) deu reposta positiva à sugestão do MPF para que as medidas de prevenção ao trote sejam incluídas como quesito no processo de avaliação. Como os instrumentos estão sendo reformulados, a comissão irá incluir a temática e a mudança pode começar a valer já em 2012.

As instituições de ensino superior (IES) brasileiras herdaram – talvez seja melhor dizer “copiaram” – modelos universitários europeus. Mais precisamente, medievais. Entre essas heranças, o trote de calouros de cursos de graduação é o mais visível para a mídia, pela violência que os cercam. Há outras cópias da universidade da idade média, menos ofensivas, como becas e capelos. Cláudio de Moura Castro, no artigo Liberdade de cátedra, herança e ambiguidades (O Estado de S.Paulo, 29/10/2011), fala dessas “becas pretas e chapéus ridículos”:

Uma vez por ano, todos se vestem como na era medieval, com becas pretas e chapéus ridículos. Ora vejam, esses eram anos obscurantistas, carentes de liberdade de expressão e de leitura, pois nem a Bíblia podia ser lida sem autorização, arriscando-se os transgressores a terminar assados em praça pública. O individualismo era inaceitável e as irracionalidades borbulhavam. Por que, então, se fantasiam de Idade Média os membros de uma instituição que se propõe a ser o oposto disso tudo? Tais liturgias pitorescas, contudo, carecem de consequências nefastas.

Esses “anos obscurantistas, carentes de liberdade e de leitura”, geraram trotes de calouros, becas e capelos em plena era da “modernidade”, num país jovem como o Brasil. E os macaquitos do país da jabuticaba os copiaram e assimilaram ao longo da implantação da adolescente universidade brasileira. Virou “tradição”...

A recepção aos calouros, novos estudantes de cursos superiores de graduação, por veteranos, alunos “velhos” desses mesmos cursos, vem tomando espaço na mídia, nos últimos anos. Motivo principal: a violência ou a bizarrice de muitos desses trotes. Mortes e agressões físicas, sem falar nas agressões psicológicas e morais, retratam o nível educacional, ético e moral da grande maioria dessa imbecilidade chamada de “trote de calouros”.

Muitas IES lavam as mãos diante dessa brutalidade. “Proíbem” que o trote violento seja realizado no câmpus universitário. Outras, alegam a autonomia da universidade para impedir a ação da polícia em seus câmpus, na apuração ou repressão a essa violência inominável. Desconhecem as causas da autonomia universitária.

Um calouro do curso de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Bruno Mignot, registra, no artigo Trote, www.dialogosuniversitarios.com.br/pagina.php?id=1645 a sua e a indignação de todos os calouros a respeito do trote:  

Que bom que os alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) são conhecidos por protestarem contra situações injustas, não se deixando calar diante de atitudes que estão erradas e ultrapassadas. [...] Por essas e outras razões sinto-me a vontade de expressar a minha indignação em relação ao trote humilhante, pois, agora sou um acadêmico da UFRGS.

Não consigo reagir passivamente diante de um fato como esse: uma “comemoração”, ou seja lá o que for, cheia de desrespeitos e ameaças. Nós, calouros, vulgos bixos, não somos chatos que ficam fechados e excluídos do convívio social e que não aceitam brincadeiras. Chatos são, na realidade, os veteranos que atrapalharam os nossos felizes primeiros dias de aula na universidade, oprimindo-nos e tornando esses dias tensos. Além disso, a tal integração com os veteranos, tão esperada por nós, não ocorre muito, resumindo-se à integração com os próprios colegas. Gostaríamos de ser recebidos com respeito, e não com trotes sujos. Brincadeiras? Ah, eu adoraria. Mas não precisam entupir-me de tinta e substâncias fedorentas e nauseantes.

É salutar, portanto, a ação do Ministério Público, diante da omissão do Ministério da Educação. Diz o procurador da República, Thiago Nobre, que “estudando uma série de casos práticos, percebemos que muitos ocorrem em razão da verdadeira omissão da universidade que não se preocupa se o aluno vai ser lesionado ou não, a única preocupação é que o trote seja feito fora da universidade”. Daí a proposta de inclusão desse quesito nos processos avaliativos do MEC.

O comprometimento com a educação está inserido nos projetos pedagógicos institucionais, planos de desenvolvimento educacionais, projetos pedagógicos de cursos de todas as IES brasileiras. Todos avaliados pelos respectivos sistemas de ensino.

O sistema federal de ensino, para o qual se volta o Ministério Público, administra, apenas, as IES mantidas pela União, as federais, e as da livre iniciativa. As IES mantidas pelo Distrito Federal, estados e municípios ficam foram do âmbito de atuação do MEC e, por consequência, da Conaes, a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior.

O presidente da Conaes, Sérgio Franco, reconhece a oportunidade da proposta do MPF, cabendo incluir, nos processos avaliativos conduzidos pelo Inep, “uma análise sobre a atitude da instituição em relação ao problema”. Diz que não deve ser um aspecto central na avaliação, “mas é importante para ver como ela (a IES) promove aquilo que ultrapassa a transmissão de conhecimento, que é a formação educacional e a transmissão de valores”.

Nunca é demais lembrar que a universidade – e aqui universidade é sinônimo de IES – é um ambiente educacional. A pesquisa e a extensão, quando existirem, devem estar a serviço da educação. E não o inverso. Podem estar a serviço do desenvolvimento científico e tecnológico. E devem estar. Mas de que adianta desenvolvimento científico e tecnológico anárquico, sem o embasamento que somente a educação permite que esse desenvolvimento seja sustentável, humano.

E a educação é um processo mais amplo, abrangente. Não é simplesmente instruir, transmitir conhecimento. Isso até a Internet faz. A universidade brasileira não pode cruzar os braços, lavar as mãos diante de uma animalidade como o trote violento e humilhante imposto por baderneiros travestidos de veteranos. Ações objetivas devem ser promovidas para eliminar ou, pelo menos, transformar o trote de calouros em momento de recepção fraterna, alegre e descontraída dos ingressantes aos cursos de graduação. Os estudantes que ingressarem nesse ambiente serão, eles mesmos, os consolidadores de trotes, no mínimo, civilizados...

É bem-vinda a inclusão, pela Conaes, de algum indicador nos instrumentos de avaliação institucional que afira ações e procedimentos concretos das IES com vistas à eliminação do trote de calouros. Nesse processo, os calouros devem ser entrevistados, para confronto com as políticas e diretrizes inseridas nos PPI’s, PDI’s e PPC’s. Será um processo lento, mas que poderá gerar benefícios permanentes para a melhoria do processo educacional nas universidades brasileiras.

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