Educação Superior Comentada | Políticas, diretrizes, legislação e normas do ensino superior

Ano 1 • Nº 36 • De 15 a 21 de novembro de 2011

21/11/2011 | Por: Celso Frauches | 7200

IGC: NOVO SHOW MIDIÁTICO DO MEC

No último dia 17, depois de mais de um ano de gestação, o MEC fez um show midiático para divulgar o Índice Geral de Cursos, o IGC, referente aos resultados do CPC – Conceito Preliminar de Curso, com base no Enade de 2010, 2009, 2008. O IGC foi publicizado como sendo a avaliação das instituições de educação superior (IES).

As autoridades do MEC justificam a divulgação dos conceitos gerados pelo Enade com o art. 9º da Lei nº 10.861, de 2004, que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, o Sinaes. Essa Lei determina ao MEC – “tornar público e disponível o resultado da avaliação das instituições de ensino superior e de seus cursos”. Determina tornar público os conceitos oriundos da Lei do Sinaes. O IGC não é conceito do Sinaes. Quais são os conceitos do Sinaes? O Conceito Institucional (CI), art. 3º; o Conceito de Curso (CC), art. 4º; e o Conceito Enade, art. 5º. Não há um único dispositivo na Lei do Sinaes que trate de IGC e CPC. Esses indicadores não integram o Sinaes.

O MEC tem a obrigação legal de divulgar, periodicamente, os resultados das avaliações integrantes do Sinaes e não somente os resultados do Enade. Isso o MEC não cumpre. O MEC deve divulgar, anualmente, o CI – Conceito Institucional – das IES que integram o sistema federal de ensino e o CC – Conceito de Curso ofertado por essas mesmas instituições. Essa é a obrigação legal do Ministério da Educação, que não é cumprida desde 2004, sem qualquer justificativa do titular do Ministério ou da Presidência da República.

Segundo o Inep:

O Índice Geral de Cursos (IGC) é uma das medidas usadas pelo Inep para avaliar as instituições de educação superior, públicas e privadas. O IGC é um indicador expresso em conceitos, com pontuação variável de um a cinco pontos. Uma instituição que obtenha de três a cinco pontos atende de forma satisfatória; abaixo de dois a atuação é insatisfatória. O IGC de uma instituição é resultado da média ponderada do Conceito Preliminar de Curso (CPC), indicador de avaliação de cursos de graduação, e obedece a um ciclo de três anos, em combinação com o resultado do Enade, que mede o desempenho dos estudantes.

O Conceito Preliminar de Curso (CPC) é um índice que avalia os cursos de graduação. Os instrumentos que subsidiam a produção de indicadores de qualidade dos cursos são o Enade, aplicado a cada ano por grupo de áreas do conhecimento, e as avaliações feitas por especialistas diretamente na instituição de ensino superior. Quando visitam uma instituição, os especialistas verificam: as condições de ensino, em especial aquelas relativas ao corpo docente, às instalações físicas e à organização didático-pedagógica. (Negritos no original)

Fonte: http://portal.inep.gov.br/visualizar/-/asset_publisher/6AhJ/content/indicadores-de-instituicoes-e-cursos-estao-disponiveis?redirect=http%3a%2f%2fportal.inep.gov.br%2f

O Inep informa ao público, equivocadamente, que o IGC “é uma das medidas usadas pelo Inep para avaliar as instituições de educação superior, públicas e privadas”.  Diz, mais, que o CPC “é um índice que avalia os cursos de graduação”.

Nunca é demais lembrar que o IGC e o CPC foram instituídos mediante portaria ministerial, um ato incompetente para criar um indicador  ou conceito de qualidade para as IES ou cursos de graduação. Não é, portanto, indicador de qualidade de nenhuma IES, pública ou privada. Assim como o CPC não é indicador de qualidade de nenhum curso de graduação. O próprio Inep informa que esses conceitos são gerados a partir do “resultado do Enade, que mede o desempenho dos estudantes”. Outro equívoco: o IGC não é “conceito”; é um mero “indicador”.

Essa constatação não é só minha. Em 2008, a presidente da Conaes – Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior, órgão superior do Sinaes e que tem a competência de estabelecer diretrizes e normas para a avaliação da educação superior, afirmou, em entrevista ao periódico Ensino Superior (2008, p.14) que:

O IGC não é conceito. O nome é índice. Este índice geral de cursos não corresponde à qualidade da instituição. Para a avaliação institucional, nós temos as dez dimensões [do Sinaes]. Os dados que o Inep tem não abrangem essa totalidade, consequentemente, outra vez, pensar a instituição em função do desempenho do estudante seguramente não atenderia à avaliação institucional. (grifei)

A avaliação das instituições de educação superior é regulada somente pela Lei nº 10.861, de 2004. Trata-se da regulamentação do art. 209 da Constituição de 88, que dispõe que “o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”. (grifei)

A Lei do Sinaes é o único instrumento legal para avaliar as IES e seus cursos de graduação. Uma portaria ministerial não tem força de Lei. Não atende ao “princípio da legalidade”.

A doutora Maria Paula Dallari Bucci, que já exerceu o cargo de secretária de Educação Superior do MEC, ensina com clareza e objetividade que as normas administrativas – o IGC e o CPC surgem no cenário da avaliação da educação superior brasileira mediante portaria ministerial, gerando normas administrativas não consagradas em Lei –, devem obedecer ao “princípio de legalidade”:

O Estado de Direito representa o triunfo do Direito e da concepção liberal que nos legou o constitucionalismo, na medida em que assegura não apenas a sujeição dos cidadãos à lei, mas principalmente a sujeição das autoridades e dos governantes a essa mesma lei. E a lei – frise-se –, ainda como fruto do Liberalismo, entendida como regra de Direito, geral e abstrata, emanada do povo ou de seus representantes (Jacques Chevallier, L’État de Droit).

Isso tem como consequência as restrições ao exercício de poderes normativos pela autoridade administrativa, a qual deve estar sempre fundamentada em uma prescrição legal ou em uma regra de habilitação jurídica, contida na norma de competência (Charles Eisenmann, “O princípio da legalidade”, artigo publicado na RDA, 56).

(BUCCI, Maria Paula Dallari. Processo administrativo: perspectivas modernizantes decorrentes da nova legislação. In: CARDOZO, J. E. et al. (orgs.). Curso de Direito Administrativo Econômico. Vol. III. São Paulo: Malheiros, 2006)

O Sinaes, segundo a Lei nº 10.861, de 2004, “tem por finalidades a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional”

Diz o art. 2º dessa Lei que o Sinaes, ao promover a avaliação de instituições, de cursos e de desempenho dos estudantes, deverá assegurar:

I - avaliação institucional, interna e externa, contemplando a análise global e integrada das dimensões, estruturas, relações, compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das instituições de educação superior e de seus cursos;

II - o caráter público de todos os procedimentos, dados e resultados dos processos avaliativos;

III - o respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos;

IV - a participação do corpo discente, docente e técnico administrativo das instituições de educação superior, e da sociedade civil, por meio de suas representações. (grifei)

A avaliação in loco, institucional e de cursos é uma exigência legal, oriunda de Lei. O parágrafo único do mesmo artigo determina que os resultados dessa avaliação “constituirão referencial básico dos processos de regulação e supervisão da educação superior, neles compreendidos o credenciamento e a renovação de credenciamento de instituições de educação superior, a autorização, o reconhecimento e a renovação de reconhecimento de cursos de graduação”. A avaliação in loco é, assim, indispensável e fundamental para os processos de regulação. Essa avaliação, em momento algum, pode ser substituída por IGC ou CPC.

A Lei do Sinaes, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República, não autoriza qualquer autoridade do Estado brasileiro, do(a) presidente da República ao ministro de Estado, passando por qualquer tipo de colegiado administrativo,  a instituir instrumentos ou normas administrativas de avaliação institucional e de cursos que não seja a prevista no inciso I do art. 2º: avaliação institucional e de cursos, interna, desenvolvida pela própria IES, no processo de autoavaliação, e externa ou in loco, conduzida pelo MEC, mediante diretrizes da Conaes e operacionalização do Inep.

A avaliação institucional, promovida pelo MEC, gera o Conceito Institucional (CI), numa escala de um a cinco, sendo satisfatório, bom e excelente, respectivamente os conceitos três, quatro e cinco. Os conceitos dois e um são insatisfatórios.

Nos termos do art. 3º, a avaliação das IES terá por “objetivo identificar o seu perfil e o significado de sua atuação, por meio de suas atividades, cursos, programas, projetos e setores, considerando as diferentes dimensões institucionais”. Dentre essas dimensões, obrigatoriamente as seguintes:

I.  a missão e o plano de desenvolvimento institucional;

II.  a política para o ensino, a pesquisa, a pós-graduação, a extensão e as respectivas formas de operacionalização, incluídos os procedimentos para estímulo à produção acadêmica, as bolsas de pesquisa, de monitoria e demais modalidades;

III.  a responsabilidade social da instituição, considerada especialmente no que se refere à sua contribuição em relação à inclusão social, ao desenvolvimento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural;

IV.  a comunicação com a sociedade;

V.  as políticas de pessoal, as carreiras do corpo docente e do corpo técnico-administrativo, seu aperfeiçoamento, desenvolvimento profissional e suas condições de trabalho;

VI.  organização e gestão da instituição, especialmente o funcionamento e representatividade dos colegiados, sua independência e autonomia na relação com a mantenedora, e a participação dos segmentos da comunidade universitária nos processos decisórios;

VII.  infraestrutura física, especialmente a de ensino e de pesquisa, biblioteca, recursos de informação e comunicação;

VIII.  planejamento e avaliação, especialmente os processos, resultados e eficácia da autoavaliação institucional;

IX.  políticas de atendimento aos estudantes;

X.  sustentabilidade financeira, tendo em vista o significado social da continuidade dos compromissos na oferta da educação superior.

Verifica-se, em um simples confronto entre o que prevê a Lei do Sinaes para a avaliação institucional e o critério de “avaliação institucional” (sic) do IGC, informado pelo Inep, que o IGC não pode ser considerado como conceito ou indicador de qualidade de qualquer IES do sistema federal de ensino.

A avaliação dos cursos de graduação está disciplinada no art. 4º da Lei do Sinaes, tendo por objetivo “identificar as condições de ensino oferecidas aos estudantes, em especial as relativas ao perfil do corpo docente, às instalações físicas e à organização didático-pedagógica”. A avaliação dos cursos gera o Conceito de Curso (CC), também numa escala de um a cinco, sendo insatisfatórios os conceitos um e dois. Ainda nesse quesito pode ser constatado que o CPC – Conceito Preliminar de Curso, na definição do Inep, não avalia os cursos em todas as suas dimensões. O CPC é gerado pelo Enade, que avalia somente o desempenho dos estudantes.

O Enade, segundo o art. 5º, é Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, tendo por objetivo aferir o “desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, suas habilidades para ajustamento às exigências decorrentes da evolução do conhecimento e suas competências para compreender temas exteriores ao âmbito específico de sua profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas do conhecimento”. Também nessa avaliação os conceitos variam de um a cinco, sendo insatisfatórios os conceitos inferiores a três.

Novamente, recorro à inteligência dos leitores para confrontar o conceito de avaliação de curso de graduação, pela Lei do Sinaes, e o que pretende avaliar o Enade. Além desse aspecto, o CPC não é um conceito criado por Lei. Não tem, portanto, validade para substituir o CC – Conceito de Curso – instituído pela Lei do Sinaes.

Dilvo Ristoff e Jaime Giolo, quando ocupavam cargos de direção no Inep deixaram essa questão cristalinamente clara ao afirmarem, em artigo publicado na Revista Brasileira de Pós-Graduação (RBPG) que o Enade...

[...] por si só não tem implicações regulatórias, ou seja, o resultado do desempenho dos estudantes na prova não é considerado igual à qualidade do curso e, portanto, não é suficiente para reconhecer ou deixar de reconhecer um curso [...] O Enade é um dos instrumentos de avaliação e informação do Sinaes. Ele faz parte, portanto, de um sistema que busca avaliar cursos e instituições e que, para fazê-lo, utiliza-se, também, mas não só, das informações geradas pelos estudantes [...] O Enade não é, convém repetir, a avaliação do curso”.

(Revista Brasileira de Pós-Graduação, Brasília, v. 3, n. 6, p. 2008-2011, dez. 2006)

Dilvo Ristoff e Jaime Giolo têm autoridade para afirmar peremptoriamente que o Enade não é a avaliação de curso e, portanto, não pode gerar conceitos ou indicadores com essa finalidade, para substituir conceitos criados por Lei.

Dilvo Ristoff é doutor pela University of Southern California, tendo integrado a Conaes e o Comitê Assessor do Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras, o Paiub, a primeira experiência séria de avaliação da educação superior brasileira. Foi, por mais de quatro anos, diretor de Avaliação da Educação Superior do Inep, tendo participado ativamente do processo de construção e implementação do Sinaes. Tem diversos livros, capítulos de livros e artigos publicados sobre a avaliação da educação superior. É profissional da confiança da presidência da República, tendo organizado e sido o primeiro reitor pro tempore da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), com atuação nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Jaime Giolo é doutor pela USP, com pós-doutorado pela Unicamp. Foi coordenador geral de avaliação institucional e dos cursos de graduação do Inep. É também pessoa de confiança da presidência da República, exercendo o cargo de reitor pro tempore da Universidade Federal da Fronteira Sul.

A posição Dilvo Ristoff e Jaime Giolo, competentes e lúcidos agentes públicos, não pode ser ignorada ou desclassificada por qualquer autoridade do MEC.

Os especialistas em avaliação da educação superior são quase unânimes em afirmar que a avaliação institucional e de cursos pode e deve incorporar a avaliação da aprendizagem  para gerar os conceitos Institucional (CI) e de Curso (CC). Posição com a qual concordo integralmente. Mas o Enade isoladamente, como é feito por meio do CPC e do IGC, não pode ser responsável pela avaliação de cursos de graduação ou de IES, como tem pretendido o MEC, desde a implantação desse exame nacional dos estudantes da graduação, em 2004. Esse é, no mínimo, um grave equívoco, responsável pela insegurança acadêmica e institucional de inúmeras IES sem qualquer proveito para uma real melhoria da qualidade educacional, ao contrário do que afirmam os gestores do MEC.

Na avaliação de curso de graduação, além da avaliação externa ou in loco, desenvolvida pelo Inep, o Conceito Enade, como resultado do desempenho dos estudantes do mesmo curso nesse Exame, poderia integrar o Conceito de Curso (CC). Pelos atuais instrumentos de avaliação de cursos são avaliadas três dimensões: 1 . Organização didático-pedagógica; 2. Corpo docente; 3. Instalações físicas.  É perfeitamente possível, ao abrigo da Lei do Sinaes, acrescentar mais uma dimensão – 4. Dimensão Enade. Nos vigentes instrumentos de  avaliação de curso, cada dimensão tem um peso. Com o acréscimo da Dimensão Enade, os pesos poderiam ser redistribuídos para cada Dimensão, na seguinte proporção, a título de sugestão: Dimensão 1 -  peso 35; Dimensão 2 -  peso 30; Dimensão 3 -   peso 15; Dimensão Enade -  peso 20. O Conceito de Curso (CC) seria o resultado dessas quatro dimensões, na mesma sistemática adotada atualmente, incorporando o Conceito Enade.

Na avaliação institucional externa, realizada pelo Inep, poderia ser aplicado a mesma metodologia. Hoje, são dez as dimensões. Por exemplo, à Dimensão 2 – A política para o ensino, a pesquisa, a pós-graduação, a extensão e as respectivas formas de operacionalização – poderia ser agregado o Conceito Geral de Curso (CGC), dando a esta dimensão um peso mais elevado, talvez, 30.

Bastaria construir o Conceito Geral de Curso (CGC), que seria a media aritmética ou ponderada do Conceito de Curso (CC), de cada curso de graduação da IES, já incorporado o Conceito Enade, referente ao ciclo trienal que preceder à avaliação institucional in loco. Dessa forma, o Conceito Institucional (CI) e o Conceito de Curso (CC) estariam acordes com a Lei do Sinaes, englobando a avaliação do ensino, in loco, e da aprendizagem, o Enade. Sem necessidade dos marginais IGC e CPC.

Trata-se de uma proposta concreta, que não despreza o Conceito Enade, instituído por Lei, resultante da avaliação da aprendizagem, mas rejeita os indicadores IGC e CPC, criados por simples portaria ministerial, que não tem força de Lei.

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