Educação Superior Comentada | Políticas, diretrizes, legislação e normas do ensino superior

Ano 2 • Nº 72 • 28 de agosto a 3 de setembro de 2012

A Coluna do Celso desta semana trata de sociedades cooperativas como entidades mantenedoras de IES, da lei de cotas para as universidades federais, do Ideb e do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.

03/09/2012 | Por: Celso Frauches | 2370

 

MANTENÇA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: A COOPERATIVA 

 

Leitor deseja saber sobre a possibilidade de uma cooperativa ser mantenedora de uma instituição de educação superior (IES).

O art. 209 da Constituição estabelece que “o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”. “Iniciativa privada”, pessoa física ou jurídica, sob as mais diversas formas de organização previstas no Código Civil.

A lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB) – Lei nº 9.394, de 1996 – em seu art. 19, inciso II, dispõe que as IES privadas são as “mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado”.

A Lei nº 9.131, de 1995, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.870, de 1999, diz que pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de IES, “poderão assumir qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil ou comercial e, quando constituídas como fundações, serão regidas pelo disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro”.

O Código Civil – Lei nº 10.406, de 2002 –,em seu art. 1.094, diz que são características da sociedade cooperativa, “ressalvada a legislação especial” – Lei nº 5.764, de 1971:

I.variabilidade, ou dispensa do capital social;
II.concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo;
III.limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar;
IV.intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança;
V.quórum, para a assembleia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado;
VI.direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação;
VII.distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado;
VIII.indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade.

O art. 1.095 dispõe que na sociedade cooperativa, a responsabilidade dos sócios pode ser limitada ou ilimitada:

I.§ 1º É limitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde somente pelo valor de suas quotas e pelo prejuízo verificado nas operações sociais, guardada a proporção de sua participação nas mesmas operações.
II.§ 2º É ilimitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais.

Segundo a Lei nº 5.764, de 1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, com as alterações previstas na Lei nº 6.981, de 1982, pela Lei Complementar nº 130, de 2009, as cooperativas distinguem-se das demais sociedades pelas seguintes características (Art. 4º):

I.adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;
II.variabilidade do capital social representado por quotas-partes;
III.limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;
IV.incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;
V.singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;
VI.quórum para o funcionamento e deliberação da Assembleia Geral baseado no número de associados e não no capital;
VII.retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembleia Geral;
VIII.indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social;
IX.neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;
X.prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa;
XI.área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços.

Atendido o disposto no Código Civil e na legislação específica, a Lei nº 5.764, de 1971, com as alterações indicadas, as sociedades cooperativas estão aptas à mantença de instituições de educação superior, sujeitas, ainda, às normas próprias de cada sistema de ensino. No sistema federal de ensino, as regras estão fixadas pela Lei nº 9.394, de 1996, Lei nº 10.861, de 2004, Decreto nº 5.773, de 2006, , com as alterações introduzidas pelo Decreto nº 6.303, de 2007, e Portaria Normativa nº 40, de 2007, republicada em 29/12/2010.

As sociedades cooperativas são uma forma democrática de mantença de IES privadas. Para o sucesso do empreendimento dependem, todavia, da identidade e unidade de propósitos dos cooperados. Aí é que reside o problema maior. Mas não custa tentar.

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A LEI Nº 12.711, OS RESULTADOS DO IDEB E O MANIFESTO DOS PIONEITROS DA EDUCAÇÃO NOVA

 

A presidente Dilma Roussef sancionou a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, criando cotas para os estudantes das escolas públicas, ditos pretos, pardos e indígenas.

Sou suspeito por criticar os objetivos dessa lei, por ser reconhecido como branco pela sociedade (Sou?). Por outro lado, sou do tempo em que “samba do crioulo doido” era uma brincadeira do irreverente Stanislaw Ponte Preta, o cronista Sérgio Porto, sem qualquer preconceito ou discriminação. Em tempos petistas de “politicamente correto” está cada vez mais difícil escrever sobre temas como os provocados pela Lei nº 12.711.

Entendo, todavia, que o problema está na falta de qualidade da educação básica pública. O governo, mais uma vez, está desviando o foco dos debates para um problema menor. É cômodo para o governo editar uma lei como essa, ignorando ou sendo omisso com a verdadeira causa que alija das universidades públicas estudantes brancos, amarelos, pretos, pardos e indígenas oriundos da escola pública. Uma demagogia às vésperas de uma eleição em que o PT está jogando todas as suas cartas para dizimar a oposição – se é que ela existe.

O recente resultado do Ideb revela a cara da educação pública e o governo não quer ver. Segundo dados revelados pelo Inep, ao final do ensino fundamental, por exemplo, o porcentual de alunos com conhecimento considerado adequado em língua portuguesa é de somente 27% e de 17% em matemática.

O ministro da Educação prefere maquiar, mudar critérios e métodos de avaliação desse exame ou propor reformas sem nexo para a oferta de disciplinas na educação básica. É impressionante como o Ministério da Educação é insensível ao real problema que assola a educação básica pública. O governo distribui recursos da educação para estados e municípios sem qualquer critério de avaliação da qualidade da educação ofertada. Distribui recursos do Fundeb, verbas orçamentárias, ônibus, livros, merendas como se fossem bônus, “um presente”, “uma caridade” da viúva, como faz com outros programas, sem qualquer controle eficiente e eficaz.

Brancos ou albinos, amarelos, pretos, pardos, indígenas ou portadores de qualquer outra cor da pele merecem uma educação pública de qualidade. Não pela cor da pele, mas por dever dos poderes públicos para com as crianças e jovens brasileiros, de qualquer condição social e econômica.

Quando o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova", firmado por renomados educadores, entre eles Anísio Teixeira, completa 80 anos, penso ser conveniente pinçar desse histórico documento algumas afirmações ou propostas que permanecem atuais, assim como os problemas.

Em 1932, o Manifesto fazia um diagnóstico da educação nacional que permanece atualíssimo, passados 123 anos da implantação da República:

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e frequentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes...

Sobre a responsabilidade da União e, por consequência, do Ministério da Educação em relação à educação básica, o documento é preciso em seu diagnóstico:

A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado, no espírito da verdadeira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e às exigências regionais.Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que pareça, à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação da doutrina federativa e descentralizadora, que teremos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a República, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano comum, de completa eficiência, tanto em intensidade como em extensão. À União, na capital, e aos estados, nos seus respectivos territórios, é que deve competir a educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova constituição, que deve conter, com a definição de atribuições e deveres, os fundamentos da educação nacional. Ao governo central, pelo Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios, fazendo executar as orientações e os rumos gerais da função educacional, estabelecidos na carta constitucional e em leis ordinárias, socorrendo onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural dos Estados e intensificando por todas as formas as suas relações espirituais. A unidade educativa, essa obra imensa que a União terá de realizar sob pena de perecer como nacionalidade, se manifestará então como uma força viva, um espírito comum, um estado de ânimo nacional, nesse regime livre de intercâmbio, solidariedade e cooperação que, levando os Estados a evitar todo desperdício nas suas despesas escolares afim de produzir os maiores resultados com as menores despesas, abrirá margem a uma sucessão ininterrupta de esforços fecundos em criações e iniciativas. (Grifei)

A prioridade exigida para a educação tem uma abordagem inquestionável, infelizmente, ignorada por nossos governantes e legisladores:

[...] de todos os deveres que incumbem ao Estado, o que exige maior capacidade de dedicação e justifica maior soma de sacrifícios; aquele com que não é possível transigir sem a perda irreparável de algumas gerações; aquele em cujo cumprimento os erros praticados se projetam mais longe nas suas consequências, agravando-se à medida que recuam no tempo; o dever mais alto, mais penoso e mais grave é, de certo, o da educação que, dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a identidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima com a consciência humana.

Passados 80 anos, os problemas permanecem os mesmos, sem que as gerações que sucederam os Pioneiros da Educação Nova tivessem tomado consciência da importância de políticas e diretrizes educacionais duradouras, em contraposição a políticas para “apagar incêndios”, como as fracas notas do Ideb...

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FRASE DA SEMANA

A esquerda tem muita dificuldade em aceitar que a baixa qualidade da educação é o maior obstáculo a nosso desenvolvimento. (Do economista Samuel Pessoa, em entrevista à Época, edição nº 746, de 3/9/2012, p. 77).

 

Qualquer dúvida em relação aos temas aqui tratados, entre em contato com a Coluna do Celso.