Educação Superior Comentada | Políticas, diretrizes, legislação e normas do ensino superior

Ano 1 • Nº 6 • De 2 a 8 de abril de 2013

A coluna desta semana analisa a ineficácia dos processos seletivos realizados pelas instituições de ensino superior.

08/04/2013 | Por: Gustavo Fagundes | 3167

INEFICIÊNCIA DOS PROCESSOS SELETIVOS REALIZADOS PELAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR

Na esteira da discussão sobre o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE, inevitavelmente surge a questão do déficit de conhecimentos básicos com que os ingressantes se apresentam às portas da educação superior.

Essa é, costumeiramente, uma das justificativas apresentadas para a disparidade de resultados entre as instituições públicas e as particulares, sempre sob o argumento de que as instituições públicas conseguem captar os melhores alunos do ensino médio privado, enquanto para as particulares sobram apenas os alunos rejeitados naquelas instituições.

Não há como negar a premissa de que, como regra geral, os alunos do ensino médio particular são mais bem preparados do que os alunos da rede pública, como demonstram, rotineiramente, os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM.

Por outro lado, existe outra questão que não vem sendo enfrentada pelas instituições particulares de ensino superior, que é a ineficácia dos processos seletivos realizados, que, na grande maioria dos casos, pouco ou nada conseguem avaliar, muito menos, por óbvio, selecionar os candidatos aptos a ingressar na educação superior.

E, registre-se, desde que o Ministério da Educação limitou a obrigatoriedade de realização de prova de redação no processo seletivo para acesso à educação superior, esta conclusão vem se tornando cada vez mais óbvia.

Com certeza, todos os leitores dessa coluna já ouviram as piadas e lendas urbanas que cercam os processos seletivos das instituições particulares, geralmente apontando para o descaso com qualquer critério efetivo de avaliação dos candidatos.

Os defensores desse simulacro de processo seletivo argumentam que, impondo rigor ao procedimento, haverá um imediato esvaziamento das salas de aula, reduzindo ainda mais o já insuficiente preenchimento das vagas ofertadas.

Isto pode até acontecer, mas provavelmente é mais resultado da oferta excessiva de vagas, com quantidades divorciadas da realidade e da própria necessidade da região onde funcionam as instituições, do que da rigidez do processo seletivo propriamente dita.

A falta de efetividade do processo seletivo como ferramenta de seleção e diagnóstico dos ingressantes é, na verdade, uma bomba relógio, preparada para ser detonada no ENADE, ou, ainda, no momento de encaminhamento desses alunos para oportunidades de estágio, como demonstra a leitura de reportagem que aponta para o fato de estarem alunos perdendo vagas de estágio em decorrência de erros, alguns crassos, decorrentes do absoluto desconhecimento da língua portuguesa.

O desconhecimento de fundamentos do conhecimento não se restringe, contudo, apenas à língua portuguesa, podendo ser facilmente diagnosticado em todas as áreas que demandem conhecimentos oriundos das etapas anteriores do processo educacional, assim como nas áreas pertinentes à educação superior.

Pelo que tenho visto, existem duas alternativas para desarmar essa bomba relógio, ambas envolvendo mudanças de concepção e de postura na oferta da educação superior, especialmente no âmbito do segmento privado.

A primeira alternativa, e mais óbvia, seria assegurar efetividade ao processo seletivo, ampliando-se a exigência de conhecimentos e habilidades necessárias ao adequado acompanhamento das atividades inerentes à educação superior.

Abrir mão de cumprir apenas o mínimo exigido pelo MEC, ampliando o processo seletivo para exigir domínio mínimo dos requisitos de conhecimento para acesso ao curso pretendido pelo ingressante, seria o passo inicial para adequar a demanda por educação superior às exigências com que nossos alunos serão em breve confrontados.

Seria importante, ainda, aplicar provas de conhecimentos específicos para aqueles cursos superiores que tenham requisitos individuais, como é feito, por exemplo, nas universidades públicas para os cursos na área de Artes, em que os candidatos são submetidos a exames de conhecimentos e habilidades específicas, como forma de diagnosticar sua capacidade de efetivamente participar do processo de formação inerente ao curso escolhido.

A segunda alternativa é assegurar efetividade às atividades de nivelamento, exigidas pelos critérios de avaliação em vigor, mas que usualmente existem apenas nos projetos pedagógicos de cursos, pouco sendo realizado de forma efetiva.

Ora, se a prova de redação é obrigatória, e as instituições se acomodam exigindo apenas isso, o mínimo que deve ser feito é utilizar as redações como ferramenta de diagnóstico das condições das turmas em relação ao domínio da língua portuguesa, para adequar a oferta das disciplinas correspondentes e orientar a elaboração e efetiva aplicação dos programas de nivelamento!

Infelizmente, na maioria dos casos, nem isso é feito, sendo a prova de redação do processo seletivo o princípio, meio e fim do processo em si mesmo, pouco importando as lições que dela as instituições deveriam tirar para orientar a oferta de sua atividade educacional.

As instituições particulares de educação superior que pretendam assegurar a qualidade efetiva de sua atividade educacional, portanto, devem dedicar uma atenção mais efetiva ao processo seletivo, não apenas assegurando mais eficácia em sua finalidade de seleção de ingressantes, mas também o aproveitando como ferramenta de diagnóstico dos novos alunos e, assim, de efetivo planejamento e aprimoramento no desempenho das atividades acadêmicas.

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