Educação Superior Comentada | Políticas, diretrizes, legislação e normas do ensino superior

Ano 1 • Nº 13 • De 28 de maio a 03 de junho de 2013

A coluna desta semana trata do paradoxo no tratamento dos resultados do ENEM e do ENADE

03/06/2013 | Por: Gustavo Fagundes | 2748

O PARADOXO NO TRATAMENTO DOS RESULTADOS DO ENEM E DO ENADE

Os estudantes brasileiros dos ensinos médio e superior são submetidos a exames periódicos, destinados, essencialmente, a aferir o seu desempenho ao final do ciclo educacional percorrido.

Os estudantes do ensino médio são submetidos ao Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, ao passo que os alunos da educação superior realizam o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE.

É importante, desde logo, deixar clara a premissa de que os dois exames possuem, ao menos em tese, objetivo semelhante, qual seja, aferir o desempenho dos estudantes ao final do ciclo educacional pertinente.

O ENEM, como informado pelo próprio INEP, foi criado visando à avaliação do desempenho do estudante ao final da educação básica, objetivando, com este diagnóstico, contribuir de forma permanente para a melhoria da qualidade educacional.

Posteriormente, o ENEM foi ganhando robustez, passando a ser utilizado como processo de seleção para fins de acesso ao ensino superior, notadamente nas instituições públicas, servindo, ainda, como mecanismo de acesso aos programas de acesso e permanência na educação superior.

O ENADE, por seu turno, é componente do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES, instituído pela Lei nº 10.861/2004, tendo como objetivo precípuo promover, anualmente, a aferição do desempenho dos estudantes, com aplicação de ciclo avaliativo trienal, mediante distribuição dos cursos pelos anos do ciclo, com a realização do exame para um grupo de cursos a cada ano.

Segundo dispõe o referido diploma legal, o objetivo legal do ENADE é aferir “o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, suas habilidades para ajustamento às exigências decorrentes da evolução do conhecimento e suas competências para compreender temas exteriores ao âmbito específico de sua profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas do conhecimento”.

Podemos concluir, portanto, que, guardadas as devidas proporções, ENEM e ENADE são, na sua concepção e finalidade, exames bastante semelhantes, porquanto, ao menos no aspecto legal, seu objetivo está indissoluvelmente ligado ao diagnóstico do desempenho dos estudantes ao final do nível educacional cursado, quais sejam, a educação básica e o ensino superior, respectivamente.

Diante desses fatos, resta evidente que o discurso e a prática do MEC a partir dos resultados desses dois exames são totalmente contraditórios!

Aduzindo ser o ENEM um exame destinado a aferir o desempenho dos alunos ao término da educação básica, o MEC empresta relevância ao resultado do referido exame exclusivamente para fins de tratamento da situação individual de cada um dos estudantes que o tenham realizado, proporcionando a certificação relativa ao ensino médio, o acesso às instituições de ensino superior que utilizem seu resultado como processo seletivo e, ainda, o acesso aos programas de acesso e permanência na educação superior.

Embora o Ministério da Educação e o INEP divulguem os resultados do ENEM por instituição escolar, este resultado não tem nenhum efeito prático sob o prisma das atividades de regulação, supervisão e avaliação das escolas de ensino médio e fundamental.

Aliás, o antecessor do atual Ministro, fazia questão de dizer que não era razoável utilizar o resultado do ENEM para fins de branqueamento ou de imposição de consequências para as escolas, pois era um exame destinado à avaliação do desempenho dos alunos!

Ora, o ENADE, como estabelecido pela retro mencionada Lei do SINAES, tem este mesmo objetivo, ou seja, foram criado para aferir o desempenho dos estudantes, não para avaliar as instituições de ensino ou os cursos superiores, atividades estas que já possuem procedimentos claramente estabelecidos na referida norma legal.

Contudo, a divulgação dos resultados anuais do ENADE, sobretudo com publicação dos indicadores CPC (Conceito Preliminar de Curso) e IGC (Índice Geral de Cursos Avaliados), é seguida de rígidas providências no âmbito da regulação, supervisão e avaliação dos cursos e instituições de ensino superior, inclusive com imposição de medidas cautelares de redução de vagas e suspensão de processo seletivo, adotadas, registre-se, ao arrepio das normas legais em vigor, aqui entendidas como normas legais as leis e os decretos vigentes.

Além disso, esta divulgação traz consequências diretas para a oferta de bolsas e financiamento pelos programas de acesso e permanência na educação superior – PROUNI e FIES, afetando os milhares de estudantes que necessitam destes programas para ter garantido o acesso que lhes vem sendo negado nas instituições públicas.

É justamente nas consequências advindas da divulgação dos resultados do ENEM e do ENADE que surge a flagrante contradição presente na postura do MEC.

Ora, se é inadequado utilizar os resultados do ENEM para fins de avaliação e supervisão nas instituições de ensino médio e fundamental, sob o argumento de que este exame serve para avaliar o desempenho dos alunos, como querer emprestar razoabilidade à utilização dos resultados do ENADE para tais finalidades se, como acima apontado, sua finalidade legal também é aferir o desempenho dos estudantes?

Esta é uma pergunta que, pelo menos até este momento, os gestores do Ministério da Educação não conseguiram responder de forma coerente e satisfatória, mas indicações para justificar essa contradição podem ser encontradas na análise simplista dos rankings divulgados com os resultados dos dois exames.

Basta comparar os resultados do ENEM e do ENADE sob o prisma do tipo de instituição que apresenta alunos com os melhores desempenhos e este mistério começa e se desvendar, como que por encanto.

Com efeito, esta comparação tratará de demonstrar, em linhas gerais e com as devidas exceções, que, no ENEM, o desempenho das escolas públicas, fica muito abaixo das escolas particulares e talvez este seja o motivo pelo qual o MEC se recusa a aceitar o ENEM como instrumento de avaliação e branqueamento das instituições de educação básica...

Se admitisse, como ficaria a situação do poder público como mantenedor de escolas com padrão de qualidade insatisfatório? Ficariam essas escolas sujeitas às atividades de supervisão, regulação e avaliação que são aplicadas às instituições de ensino superior privadas que recebem avaliação insatisfatória no ENADE?

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Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.