Educação Superior Comentada | Desrespeito a princípios constitucionais no sistema federal de ensino

Ano 1 • Nº 37 • De 12 a 18 de novembro de 2013

A Coluna Educação Superior Comentada desta semana aponta o desrespeito a princípios constitucionais no sistema federal de ensino

18/11/2013 | Por: Gustavo Fagundes | 5642

DESRESPEITO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO SISTEMA FEDERAL DE ENSINO

Desde os tempos dos bancos da faculdade, ainda nos primeiros diálogos sobre o tema constitucional, ficava evidente a importância incomensurável dos princípios constitucionais para a construção efetiva de um Estado Democrático de Direito, no qual esses princípios deveriam, entre outras coisas, servir para resguardar o administrado da voracidade e da excessiva ingerência do Estado na vida dos cidadãos.

Sempre imaginei, talvez por um idealismo republicano e democrático, que os gestores públicos, lastreados em dispendiosos e aparelhados sistemas de serviço público, com servidores concursados, selecionados em rigorosos certames e supostamente versados, minimamente, nos conhecimentos legais pertinentes, que os princípios fundamentais traçados pela Constituição Federal eram efetivamente observados na regulamentação, supervisão e avaliação da educação superior, bem como no trato cotidiano da coisa pública.

Ledo engano!

A máquina pública, especialmente no que diz respeito ao sistema federal de ensino, está recheada de servidores que simplesmente desconhecem, ou fingem desconhecer, princípios constitucionais fundamentais.

E justifico minha afirmação, entendendo que o problema mais grave enfrentado por todos que precisam enfrentar a sufocante burocracia do MEC é, na verdade, uma questão de princípios.

Aliás, uma questão de desconhecimento e de recusa de aplicação dos princípios constitucionais fundamentais no exercício das atividades de regulação, supervisão e avaliação, especialmente no campo da educação superior.

A situação fica absolutamente clara ao iniciarmos, mesmo que sem qualquer rigor científico, uma simples leitura do texto constitucional, porquanto, logo no primeiro artigo da Constituição Federal, encontramos a previsão de que nosso País é uma república federativa, constituída em estado democrático de direito, cuja existência é fundamentada, entre outros, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, conforme disposto no inciso IV do artigo 1º de nossa Carta Magna:

 

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

 

I - a soberania;

 

 

II - a cidadania

 

 

III - a dignidade da pessoa humana;

 

 

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”.

(grifamos).

 

Entendendo, pois, que os fundamentos primordiais dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa são o alicerce imprescindível para a construção de uma sociedade justa, desenvolvida e economicamente robusta, o legislador constitucional fez questão de mencionar que a ordem econômica é lastreada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, homenageando, em seu artigo 170, os princípios basilares da propriedade privada e da livre concorrência, assegurando, ainda, o direito de todos ao livre exercício de qualquer atividade econômica:

 

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

 

I - soberania nacional;

 

 

II - propriedade privada;

 

 

III - função social da propriedade;

 

IV - livre concorrência;

 

.....

 

 

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

(grifamos).

 

 

 

Reconhecendo, por outro lado, que a capacidade de atuação do Estado é nitidamente finita, ao passo que as exigências do desenvolvimento sustentável e dinâmico trazem imposições crescentes e de toda ordem, o legislador constitucional, sabiamente, limitou a atuação direta do setor público às áreas relacionadas à segurança nacional e aos casos de relevante interesse coletivo, estabelecendo a obrigação das normas legais de promover a repressão ao abuso do poder econômico, sobretudo quando vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros, nos termos do artigo 173, § 4º, de nossa Carta Magna:

 

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

 

§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”

(grifos nossos).

 

Estipular regras que impeçam a livre concorrência e, assim, criar toda sorte de empecilhos à atuação da livre iniciativa na educação, equivale nitidamente a desconsiderar os fundamentos constitucionais acima elencados e os princípios constitucionais relativos à ordem econômica e social.

Com efeito, no que pertine à educação, convém registrar que a liberdade para transmissão do conhecimento, assim como a coexistência entre instituições públicas e privadas são princípios constitucionais que devem orientar a oferta do ensino no Brasil, como claramente estipulado no artigo 206 da Carta Magna:

 

“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

 

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

 

 

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

 

 

III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;”.

(grifamos). 

 

 

Convém lembrar que não existem dois Ministérios da Educação, um para a educação pública e outro para a educação privada, embora a conduta dos gestores à frente da referida pasta nos últimos dez anos tenha privilegiado em demasia o segmento da educação pública, na mesma medida em que busca, indevidamente, criar toda sorte de empecilhos para a atuação da educação privada.

Não é demais lembrar, por fim, que o artigo 209 da Constituição Federal de 1988 estabelece claramente que o ensino é livre à iniciativa privada, princípio este que deve ser interpretado em harmonia com os fundamentos basilares dos valores do trabalho e da livre iniciativa, sendo certo que os requisitos constitucionais para a atuação das pessoas jurídicas de direito privado estão clara e expressamente delimitados nos incisos I e II do referido artigo, que rezam:

 

“Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

 

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;

 

 

II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

(grifamos). 

 

 

Destarte, a dualidade na conduta do Ministério da Educação, abrandando as regras de forma sub-reptícia para as instituições públicas, ao mesmo tempo em que impõe testilhas de toda ordem às instituições privadas, muitas delas injustas e mesmo ilegais, demonstra um claro desatendimento aos princípios constitucionais acima apresentados, evidenciando o flagrante desconhecimento dos gestores públicos do texto da Constituição Federal, ou, o que seria mais grave, o deliberado desprezo pela Lei Maior.

Estabelecer restrições de outra ordem ao exercício da livre iniciativa na mantença de instituições superior implica em colocar por terra fundamentos e princípios expressamente insculpidos na Constituição Federal de 1988, vulnerando flagrantemente os fundamentos da República Federativa do Brasil e os princípios norteadores da ordem econômica e social, assim como da educação.

Infelizmente, os problemas de princípios na gestão do Ministério da Educação não terminam por aí, porquanto diversos outros princípios constitucionais e informadores da condução das atividades da Administração Pública vem sendo rotineiramente desprezados pelos gestores do Ministério da Educação, mas o espaço destinado a esta coluna semanal é restrito, de modo que deixarei a continuidade do debate para outra ocasião!

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Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna Educação Superior Comentada, por Gustavo Fagundes, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.