Em março do ano passado, o Ministério da Educação (MEC) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) assinaram um Acordo de Cooperação Técnica com o objetivo de realizar estudos para subsidiar o estabelecimento de nova política regulatória para o ensino jurídico, visando à melhoria da qualidade dos cursos de direito em todo o País. O Acordo teria vigência de um ano. Desde então, debates vêm sendo realizados. Segundo dados da OAB divulgados no Correio Braziliense, no último mês de abril a entidade promoveu 32 audiências públicas, ao menos uma em cada estado, e reuniu mais de 4 mil participantes. Ainda segundo a Ordem, foram convidados professores, escolas de ensino superior, mantenedoras, Ministério Público e o próprio MEC. Como resultado das audiências, a OAB protocolou no Ministério um documento com propostas para aprimoramento do marco regulatório do ensino jurídico.
No documento enviado ao MEC, a OAB propõe, por exemplo, dentre outras polêmicas, que o Exame da Ordem se torne instrumento de avaliação das faculdades de direito, em especial, na renovação do reconhecimento dos cursos. Se a medida for aprovada pelo CNE, centenas de cursos correm o risco de serem fechados. Na última prova da OAB, apenas 14% dos candidatos foram aprovados.
Com todos esses acontecimentos, o assunto ganhou novo fôlego. Conversamos sobre ele com o diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Hormidas Caldas. Veja aqui suas considerações sobre o assunto.
Em 22 de março de 2013, o MEC assinou com a OAB o Acordo de Cooperação Técnica. Qual é a avaliação da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) a respeito desse Acordo?
A ABMES considera que a assinatura do Acordo de Cooperação MEC/ OAB é uma questão polêmica, pois institucionaliza a interferência da Ordem – uma entidade de classe – em questões de âmbito acadêmico das Instituições de Ensino Superior (IES). De acordo com o disposto no artigo 209 da Constituição Federal, “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.” Fica claro, portanto, que a avaliação da qualidade compete ao Estado e que não pode, e não deve, ser delegada a outras instâncias.
À época, o então ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou que a abertura de novos cursos dependeria da capacidade instalada de campo de prática para a realização de estágios supervisionados. Segundo ele, “tem que estar associada a locais com fóruns, Ministério Público, promotorias e defensorias para que o estudante possa acompanhar de perto o exercício da profissão.” A ABMES concorda com esse posicionamento?
Sem dúvida. O curso de direito sempre teve uma atenção especial por parte do MEC, e essa exigência para a abertura de cursos sempre foi atendida pelas IES privadas. Por isso, ficamos surpresos com essa decisão, considerando que, para a autorização de qual- quer curso (independentemente da área), é feita uma avaliação in loco por uma comissão de especialistas do MEC e, no caso dos cursos de direito, também por uma comissão formada pela própria OAB. Ambas têm a incumbência de confirmar no local solicitado as condições de oferta do curso.
Mercadante ressaltou, na ocasião da assinatura do Acordo, que o MEC não iria autorizar a abertura de cursos de direito enquanto a nova política de regulação não estivesse definida e que o Acordo de Cooperação Técnica também estabeleceria critérios para a autorização, o reconhecimento e a renovação de reconhecimento do curso de bacharel em direito. Essa promessa foi mantida? Como a ABMES vê a decisão?
Infelizmente, sim. Existem hoje no Ministério da Educação cerca de 30 mil processos tramitando entre autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos e de IES sem que haja, por parte do órgão regulador, um comprometimento com os prazos estabelecidos em lei. Esse fato frustra as expectativas das instituições que “ficam na fila” por um período muito longo. Se hoje o MEC não consegue dar vazão às demandas, pode-se imaginar o que acontecerá com o aumento do grau de burocratização do processo, agravado com a interferência de uma entidade de classe. Há ainda outro aspecto importante: o Parecer CNE/CES n. 45/2006 é muito claro ao afirmar que as ações dos conselhos de classe se limitam às competências expressamente mencionadas em lei, cabendo-lhes, tão somente, a fiscalização e o acompanhamento do exercício profissional que se inicia após a colação de grau.
Há sempre uma discussão por parte da OAB, do MEC e da sociedade em geral sobre a má qualidade dos cursos de direito no Brasil, tomando por base os índices de reprovação dos alunos no Exame de Ordem, que acabou motivando esse acordo entre o MEC e a OAB. O que a ABMES pensa sobre essa questão?
Essa discussão é, no mínimo, inócua. Os cursos de direito formam bacharéis em direito, não advogados. São dois processos totalmente distintos: o primeiro refere-se à formação acadêmica, que segue as Diretrizes Curriculares Nacionais já estabelecidas, e o segundo, à seleção de profissionais para o mercado de trabalho. Como afirmei anteriormente, tanto o MEC quanto a OAB realizam visitas in loco para verificar as condições da oferta do curso, antes de sua autorização. A finalidade da prova é outra.
Além do resultado do Exame da OAB, o MEC tem outros indicadores de qualidade desses cursos?
Sim. Essa é outra polêmica, não só para os cursos de direito, como também para todos os demais cursos oferecidos pelas IES. O MEC instituiu o Conceito Preliminar de Curso (CPC), com o intuito de viabilizar, por não ter estrutura para tal, a avaliação in loco dos 30 mil cursos existentes. A ideia era que os cursos que obtivessem conceito insatisfatório – menor que 3 – recebessem a visita das comissões de especialistas para averiguação, enquanto aqueles que obtivessem conceito maior que 3 estariam dispensados da visita. Como o próprio nome diz, o CPC é preliminar e, portanto, passível de sofrer alterações após a visita da comissão. O MEC, porém, enviesa o resultado da avaliação ao tomar como base para o CPC o resultado do Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade), cujo insumo corresponde a 60% do conceito. Considere--se ainda que o aluno, na maioria das vezes, não tem nenhum, ou quase nenhum, comprometimento e/ou responsabilidade com a sua nota no Enade. De posse do CPC, o MEC adota procedimentos regulatórios tais como suspensão de vestibulares, corte no número de vagas ofertadas, entre outros. Esse processo tem um efeito perverso: faz com que a sociedade em geral tenha uma visão equivocada sobre a qualidade de determinado curso, levando em consideração que o resultado da avaliação divulgado pelo MEC não condiz com a realidade, deveria ser apenas um balizador.
De acordo com a OAB, discussões sobre o assunto se deram em 32 audiências públicas. Qual a importância desse trabalho da OAB para o contexto dos cursos de direito no Brasil?
O trabalho é sem dúvida importante para subsidiar a área específica de trabalho da OAB, mas não pode ser determinante e nem mesmo interferir nas normas do MEC no que se refere à avaliação dos cursos de direito. Nesse caso, os pareceres da OAB são de natureza opinativa. Por essa razão, discordo totalmente da ideia de que o Exame de Ordem passe a ser um dos instrumentos de avaliação das faculdades de direito. Aproveito para ressaltar que a iniciativa privada está comprometida com a qualidade da oferta dos seus cursos. Precisamos avançar na expansão do ensino superior brasileiro para atingir a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação (PNE), qual seja: a de matricular 33% de alunos entre 18 e 24 anos no ensino superior. Para tanto, o setor privado mantém forte parceria com o governo por meio do Fundo de Financiamento do Estudante (Fies) e do Programa Universidade para Todos (ProUni). Além disso, o setor privado sustenta o firme propósito de contribuir com os órgãos oficiais para o desenvolvimento da educação superior brasileira.
