O professor de etica e filosofia politica Renato Janine Ribeiro chega ao Ministerio da Educacao (MEC) com forte apoio na academia e fora dela, mas sob enorme restricao orcamentaria. "Sem duvida e um momento dificil", diz. "Este ano vai exigir muita paciencia."
Apesar disso, ele pretende cumprir a promessa da presidente Dilma Rousseff de construir 6.000 creches no pais nos proximos quatro anos, assim que a economia voltar a crescer. "Precisamos pegar essas criancas e colocar no mundo da escola, nao o mundo da rua."
Repetindo, como diz, todos os seus antecessores nos ultimos 20 anos, Janine diz que a maior prioridade e a educacao basica (ensinos fundamental e medio). Para dar o salto de qualidade que lhe falta, seu plano e engajar mais as universidades federais e seus estudantes na tarefa, inclusive com recurso ao ensino a distancia.
"Um dos principais instrumentos do MEC sao as universidades federais", afirma. "A educacao pode ter os seus 18% [das receitas de impostos da Uniao] garantidos pela Constituicao, mas uma parcela enorme disso vai para as federais."
O novo ministro elogia o peso crescente, desde o governo FHC, dos sistemas de avaliacao que dao transparencia a sociedade dos avancos e retrocessos no ensino. Valoriza as provas padronizadas como Enade (ensino superior) e Enem (ensino medio), mas acha prematuro incluir a nota do primeiro nos diplomas e realizar mais edicoes do segundo em cada ano, como cogitaram antecessores.
Janine considera que ja foram "consertados" os erros no financiamento pelo Fies e no Pronatec, e destaca o segundo como uma mudanca nas politicas sociais dos governos do PT.
"Lula, num primeiro momento, constituiu o Bolsa Familia, um programa que deu grandes resultados, mas é claro que esta pagando pessoas que nao trabalham", concede, para completar: "Num segundo momento houve a valorizacao real do salario minimo, em que a pessoa recebe mais pelo trabalho dela. Agora, estamos enfrentando a questao da produtividade do trabalhador."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida na tarde de sabado (4) em sua casa no bairro paulistano da Aclimacao, mesmo com uma forte laringite.
Folha - Sua indicacao para o MEC foi em geral muito bem recebida. Por que?
Renato Janine Ribeiro - Isso traduz uma coisa muito boa na sociedade brasileira, que e o animo com a educacao. A esperanca com a educacao nao e pequena. O mote de que e a solucao para todos os nossos problemas parece estar crescendo. Nem todas as coisas se resolvem com educacao, algumas coisas so se resolvem com a economia etc., mas ha essa conviccao grande na sociedade brasileira.
As pessoas falam isso sem ter muita nocao da responsabilidade delas. Envolve a questao do pai incentivar o filho a estudar, mesmo que o filho esteja aprendendo uma coisa que ele, pai, nao sabe. Sempre houve pais, mesmo analfabetos, que deram o maior apoio para os filhos se tornarem universitarios.
Precisamos tambem pensar na representacao do professor na midia, que e muito negativa. Na ficcao televisiva, o professor, a aula e a escola sao quase sempre algo profundamente chato. Nao estou defendendo nenhuma censura, mas sim dizendo que ha um fenomeno social que deixa a educacao muito mal. Ha muito a fazer, e isso nao depende apenas do governo. A sociedade tem de arregacar as mangas. O professor tem de voltar a ser respeitado, sobretudo o professor de educacao basica.
Como o sr. pretende realizar na educacao o que chama de quarta agenda democratica, a de melhoria de servicos publicos, em meio a tanta restricao orcamentaria?
Ha uma terceira agenda que resta completar, a da inclusao social.
Mas a quarta ainda tem de ser iniciada.
Ja existe, mas a questao e a seguinte: cada agenda demorou para ser reconhecida em seu merito. A inclusao social foi aceita, razoavelmente, apesar de haver oposicao, inclusive nas ruas, a ela.
A agenda da qualidade dos servicos ainda nao foi identificada como agenda propriamente dita. Esta muito pulverizada. A revolta da classe media tem muito a ver com isso. Em vez de ver politicamente como uma reivindicacao global para melhorar, veem como uma coisa imediatista, uma e outra, e atribuem tudo a corrupcao. Nao chega a ser uma agenda politica, ainda.
Mas como o sr. pretende atacar isso, na educacao, com tanta restricao orcamentaria?
Vai ser dificil, a gente nao sabe ainda o tamanho da restricao. A primeira coisa que vamos tentar fazer e render o maximo dentro do valor que exista.
O MEC, por tudo que eu vi, esta bem estruturado, mas nos podemos ter ganhos de eficacia juntando mais esforcos. Por exemplo, eu pedi a Secretaria de Ensino Superior para que faca as universidades federais colaborarem mais entre si para evitar duplicacoes desnecessarias.
Tambem esta no nosso horizonte valorizar o ensino a distancia, porque ele tem uma parte do custo que independe do numero de alunos. A principal incumbencia que eu dei ao novo secretario da Sesu, Jesualdo Pereira Farias, foi que identifique duplicacoes e obtenha maior cooperacao entre elas. Um dos principais instrumentos do MEC, em educacao basica sobretudo, sao as universidades federais. A educacao pode ter os seus 18% [das receitas de impostos da Uniao] garantidos pela Constituicao, mas uma parcela enorme disso vai para as federais.
A educacao basica e a prioridade politica do Brasil ha varios anos, ha pelo menos 20 anos todos os ministros da Educacao dizem isso, mas a gente ainda nao conseguiu dar um salto de qualidade decisivo nessa area. E preciso que as federais se lancem nisso, como a Capes ja faz, por sinal, desde que se dotou de um braco que e a formacao de professores do ensino basico.
Isso inclui sua proposta de uma prestacao de servicos sociais por estudantes de universidades publicas?
E uma questao da responsabilidade social, no sentido exato de que nao existe hoje uma formacao do estudante universitario, em especial, de que eles sao responsaveis pela educacao como um todo, pela chance de estudar e chegar la, custeados pela sociedade, que inclui os mais pobres. Muitas vezes eles nao sentem que tem uma divida com essas pessoas, sentem que tem um ganho privado, o diploma e a forca que da esse diploma para competir no mercado de trabalho.
Nao e um servico obrigatorio. A minha ideia e, durante o curso, fazer um estagio social, a ser definido conforme a area lecionar em escolas, como ja se pratica em faculdades de educacao, o estudante de medicina atender em regioes mais carentes etc. Isso nao esta em discussao agora, nao e uma proposta, sao reflexoes de seis, sete anos atras.
O objetivo nao seria uma prestacao de servicos para reduzir os custos da sociedade, mas fazer uma formacao etica, nao politica, que responsabilizasse os estudantes das universidades publicas pela relacao que eles tem com o Brasil.
Nao podemos deixar as criancas largadas, na rua. Isso tambem e responsabilidade de quem ja esta no sistema.
Isso nos leva as creches. Quando sera cumprida a promessa de construir 6.000 delas?
As creches sao fundamentais por isso. Nao podemos mais ter essas pessoas que apenas "olham" as criancas, para elas nao se machucarem etc. Precisamos ter gente que realmente estejam fazendo um trabalho educacional. Nao se pode deixar as criancas, que sao um patrimonio afetivo e o futuro do pais, simplesmente a merce do que quer que ocorra. No limite, isso coloca a vida delas em risco, como a gente ve tantas vezes em favelas, situacoes horrorosas que a gente assiste.
O que aconteceu no caso das creches foi uma licitacao em escala nacional que acabou tornando dificil a entrega dos produtos. Essa e uma das prioridades que a gente quer resolver, o mais rapido possivel.
Nos proximos quatro anos, seria possivel?
Acredito que sim. Nosso problema hoje e a situacao orcamentaria deste ano. Uma vez a economia recuperando o seu ritmo de expansao, o Estado continuara capaz de gerar recursos que permitam cumprir nos outros tres anos o que esta no plano.
E com relacao a melhorar a formacao de professores?
Precisamos de muitas coisas. Tem a questao do salario, que precisa ser equacionada e se choca com as limitacoes orcamentarias, nao so da Uniao, mas dos Estados e municipios.
O que a Uniao pode fazer numa area que constitucionalmente e dos Estados e municipios? Alem das recompensas, eventualmente algum controle sobre o nao cumprimento de metas, mas o principal mesmo e a Uniao oferecer ferramentas para melhorar qualificacao de professores. Eventualmente, junto com isso, oferecer dinheiro para quem entrar nesses programas.
Hoje nos dispomos de um instrumental muito vasto para toda a educacao. Uma coisa que e fascinante e o numero de sites e portais e mesmo blogs com conteudo educacional, como os videos da Khan Academy, que sao bons. Isso tudo esta indicando uma revolucao educacional.
Uma grande mudanca e que antigamente o professor era o dono do conhecimento, e o aluno era o recipiente passivo, ou pelo menos assim se supunha. Hoje, gracas a internet, entre outras novidades, qualquer aluno pode entrar em contato com conhecimentos que nem o seu professor tem. Isso traz uma possibilidade de avancos educacionais significativos. Desloca a questao do ensino para a da aprendizagem.
Tem de ser feito com muito cuidado porque nem tudo que esta na internet e verdadeiro. O professor deixa de ser aquele que sabe mais para ser aquele que e capaz, inclusive, de verificar se essa informacao e valida. Vai ser muito importante a gente abrir espaco para experiencias educacionais diferentes.
Universalizacao nao e so todas as criancas, todos os adolescentes estarem em sala de aula. Universalizacao e todos terem aulas de qualidade. Mas a natureza dessa transmissao de conhecimento tem de mudar, ela tem de se tornar mais criativa.
Como a Uniao pode capilarizar isso, tendo em vista que sao milhoes de professores e alunos nas mais diversas realidades regionais?
No caso das experiencias novas, eu convidei para ser assessora a professora Helena Singer, que atualmente e diretora do Projeto Aprendiz, fundadora da Escola Lumiar, junto com Ricardo Semler. Eu a convidei para alinhavar as experiencias educacionais mais inovadoras que estao sendo feitas no Brasil e, a partir disso, abrir espaco para as mudancas de ensino, que nao precisam ser ja em grande escala, nao vao ser em escala nacional. Sao testes, mesmo, para ver se funciona em grande escala ou so no tamanho pequeno. Nao pode apenas universalizar o que ja esta.
No fundo, voce tem de estar o tempo todo rodando o carro e trocando a roda. E da natureza da educacao, neste periodo de mudanca rapida.
O Enade as vezes e posto sob suspeicao como instrumento de avaliacao porque sofre burlas, e muitos alunos nao o prestam a serio. Informar a nota do Enade no diploma ou no historico escolar seria aceitavel?
Isso tem de ser discutido. Eu nao poderia tomar essa decisao antes de ouvir os argumentos contra essa inclusao, que em principio me parece razoavel.
Em que pesem as burlas, que me parecem ser limitadas, ele da uma mapa bom do sistema como um todo. A minha experiencia de avaliacao diz que ela e um instrumento fabuloso, mas nao pode ser a unica questao.
Vamos pegar o caso da avaliacao das escolas do ensino basico. Ela e muito importante, mas nao quer dizer que a melhor escola seja a mais adequada para o seu filho.
Essas metricas sao muito importantes para medir sobretudo o conhecimento que a pessoa adquire de matematica, portugues, mas nao medem hoje, e talvez seja muito dificil que um dia venham a medir, a contribuicao das escolas para a formacao etica e psicologica do aluno. Na educacao basica, nao basta o Enem.
A vantagem desses testes todos e que eles permitem ao aluno, na graduacao, e aos pais, no caso da educacao basica, um controle sobre o que esta sendo oferecido. Houve uma epoca em que o maximo que as familias podiam controlar era merenda.
Este sera um dos topicos de meu discurso [de posse no MEC, nesta segunda-feira (6)]: na saude, voce sabe se esta doente e precisa de ajuda; na educacao, voce nao sabe se e ignorante e precisa de conhecimento estou falando sem nenhum sentido pejorativo. Na saude, voce pode dizer quanto falta para chegar a um percentual razoavel de saude na sociedade. Na educacao, isso nunca para.
O Ideb (Indice de Desenvolvimento da Educacao Basica) nao cumpre essa funcao?
Nao cumpre, porque nao ha 100% em educacao. A educacao nao tem limite. Se voce tem uma educacao excelente, pode melhorar, ainda.
E faz parte da nossa historia que os filhos estejam tendo acesso a mais conhecimento do que seus pais. O papel do pai na educacao nao e o da pessoa que sabe das coisas e vai explicar aos filhos. Tem de ser o da pessoa que estimula o filho a conhecer mais e ate mesmo a ultrapassa-lo. Apesar de todas as reclamacoes de que a educacao caiu, ela hoje inclui muito mais gente que no passado. Em 1968 voce tinha 100 mil estudantes universitarios, hoje sao 7 ou 8 milhoes.
Na educacao basica, a adocao de um curriculo basico nacional nao seria uma maneira de dar clareza aos pais do minimo que tem de ser oferecido?
Eu acredito que isso ja esta decidido. Cabe a gente implantar isso, fazendo uma exigencia de patamar minimo de conhecimento nas mais diversas areas. Mas sera preciso discutir ate que nivel deve ir a especificacao.
No caso da matematica, a gente nao tem grande duvida sobre o que tem de ser ensinado. E impossivel algum sistema educacional decidir que nao vai ensinar equacao de segundo grau.
Esse problema vai se colocar mais em outras materias. Para dar um exemplo de historia: tem de estudar o Renascimento, ou o Renascimento em tais e tais paises? Penso que se deve evitar, no caso da historia, uma volta excessiva a tudo que e factual, temos de entender mais o processo. No caso do Renascimento, e uma epoca historia fundamental para se conhecer, mas nao quer dizer que a pessoa tenha de conhecer todos os nomes de pintores. Mal comparando, e como a prova de terror que eu tinha quando era preciso decorar todos os afluentes da margem esquerda do Amazonas, de uma inutilidade absoluta. Se voce disser que temos de entender como funciona a bacia Amazonica, e outra historia.
Havia aquela proposta de fazer o Enem mais de uma vez por ano. O sr. pretende reviver essa ideia?
Isso vai ter de ser discutido, mas, numa situacao de restricao orcamentaria, nao considero que seja uma grande prioridade. Ha aspectos positivos nisso, pode atender mais demanda, mas o ganho em relacao a situacao de hoje nao e tao grande.
O Pronatec e o Fies passaram por um crescimento acentuado, ate descontrolado, "erro" que a presidente agora se dispoe a corrigir, em meio a um arrocho orcamentario e depois do ano eleitoral.
Teria sido um correlato, no campo do ensino, da prioridade atribuida ao consumo nos governos do PT?
Nao vejo um paralelo, porque justamente a critica principal a inclusao social pelo consumo e que ela nao seria sustentavel por faltar a base da educacao. A critica que foi feita por todos os lados... e que eu acho injusta, porque a expansao foi de bens de primeira necessidade, represado, nao um consumo de produtos suntuarios. Voce nao pode ter pessoas que nao tem produtos da linha branca em casa.
O fato e que o Pronatec representa uma mudanca de patamar que e muito importante. A gente pode dizer que o governo Lula, num primeiro momento, constituiu o Bolsa Familia, um programa premiado internacionalmente e que deu grandes resultados, mas esta claro que e um programa que esta pagando pessoas que nao trabalham. Num segundo momento houve a valorizacao real do salario minimo, em que a pessoa recebe mais pelo trabalho dela. Agora nos estamos enfrentando a questao da produtividade do trabalhador e da competitividade das empresas. Nao e a toa que o Pronatec tem um apoio tao grande do Sistema S. Trata-se de tornar sustentavel todo esse avanco social. Nao e so um recurso a fundo perdido do governo, nao e so um aumento do salario minimo para torna-lo digno.
Houve erros, sim, na concepcao e na implementacao do Pronatec, mas pelo que vi esses erros ja foram consertados. Os do Fies tambem. Num momento de crise, fica-se mais atento ao que pode estar errado, ao que pode ser complacente demais. Tem de cobrar. A ideia de avaliacao vem ja de pelo menos 20 anos no Brasil, e ela foi se aprimorando. Ela, que praticamente se inicia com o governo do PSDB, cresceu muito nos governos do PT. Ela e muito importante porque permite ver se os recursos publicos estao sendo aplicados direito. No que diz respeito ao aluno, permite que ele cobre.
Voltando a educacao basica: a meta de alfabetizar as criancas ate os oito anos nao e um pouco relaxada demais?
Pode ser uma meta provisoria. Uma vez cumprida essa meta, podemos subir o sarrafo. Tudo isso depende de como se da educacao aos pequenos. Precisamos compreender que desde a tenra infancia a crianca esta sendo socializada. Se a mae ou o pai puderem ficar em casa para cuidar da crianca, otimo; se nao puderem ou nao quiserem, e bom socializar. A educacao e um empreendimento coletivo. Nao estamos celebrando a educacao como um fenomeno publico. Precisamos pegar essas criancas e colocar no mundo, mas no mundo da escola, nao o mundo da rua. Uma das coisas mais dramaticas do Brasil e o quanto as criancas sao expostas ao crime, a bala, porque esta na rua. Precisamos ter creches, creches de boa qualidade.
Na outra ponta da educacao basica, o ensino medio, temos o pior dos mundos: longe da universalizacao, da faixa etaria adequada e das preocupacoes e necessidades dos jovens. O que pretende fazer a respeito?
Essa e uma excelente discussao. E evidente que temos de dar um ensino muito bom que ele nao pode ser so no "Stem" [sigla em ingles para ciencia, tecnologia, engenharia e matematica]. Nao se pode prescindir do portugues e de uma base de humanidades.
Se voce fizer uma formacao muito "hard" nesse periodo, muito "Stem", voce pode preparar um estudante de engenharia muito bom, o que e vital para o nosso desenvolvimento. Uma parte dos alunos de engenharia debanda no primeiro ano por nao dominar a matematica exigida. Para enfrentar isso no curto prazo, a solucao e o proprio curso de engenharia dar essa formacao adicional. Mas e claro que um outro foco e aumentar a forca da matematica no ensino medio.
Por outro lado, o ensino nao esta formando so uma pessoa que conhece coisas, que tem saber, ele tem um papel pedagogico e etico na formacao. Ai nao basta so passar conteudo. Corre-se um risco muito grande de ter uma pessoa que seja mestre nos conteudos e nao saiba usar isso nem para florescer na vida, psicologicamente, encontrar seu rumo, ser uma pessoa feliz, nem para fazer as outras pessoas felizes e ser etica. Voce tem de equilibrar as duas coisas, mas nao e facil dosar.
Se ja tivessemos a escola em tempo integral, algo que deve ficar como um desiderato importante... mas, enquanto nao temos isso, precisamos fazer a dosagem dessas duas metas. Ate chegar a equacao de segundo grau, sao 1.700 horas de ensino de matematica. Em toda a educacao basica, nao sao 50 horas em que se fale de etica. Nao e no aconchego do lar que se tem contato com os grandes nomes da filosofia, com Aristoteles e Kant. A escola tem de ser esse espaco.
A Capes tem centenas de periodicos cientificos considerados "predatorios", inconfiaveis, no seu sistema Qualis. Quem avalia o avaliador? A Capes tem qualidade suficiente para avaliar a qualidade?
Ela tem a qualidade necessaria para fazer a boa avaliacao dos cursos de pos-graduacao no Brasil. O grande problema com os sistemas de avaliacao se da quando as pessoas param de focar na producao e focam no criterio. Toda vez que voce publica uma metrica, as pessoas tem um incentivo para trabalharem a metrica e nao mais aquilo que ela esta medindo.
O Qualis e uma iniciativa absolutamente genial, do final da decada de 1990, para importar o fator de impacto e fazer valer para as outras areas, mas sem pegar so o fator de impacto importado. O fator de impacto em matematica e mais baixo que em biologia, mas isso nao quer dizer que seja um setor inferior. Ele permite que areas que tem pequena publicacao em periodicos ajustem a avaliacao a criterios que nao sao os que valem em outras areas, como exatas e biologicas. As humanidades nunca se deram muito bem com o fator de impacto, e ele teve o efeito colateral de desvalorizar os livros.
O problema nao esta em ter periodicos predatorios, esta em que esses criterios formulados na decada de 1990, que foram revistos no final de minha gestao em 2008, para fazer o Qualis por estratos, A1, A2 etc., tem de ser revistos.
E da natureza de uma avaliacao do topo, da pos-graduacao, que os criterios tenham de ser mudados com frequencia. O Qualis esta ligado a uma ideia de revistas em brochura, e agora esta tudo disponivel na internet, talvez eu nem olhe na estante e use um motor de busca. Isso exige uma reavaliacao mais a fundo.
O que acha do slogan "Patria educadora", nao e edificante demais, quase ironico diante do estreitamento das perspectivas para investir?
Lembro uma coisa que o Luiz Eduardo Soares disse quando comecou a se interessar por seguranca publica e lhe disseram que era um tema de direita: isso e importante demais para ser deixado para a direita. "Patria" e uma palavra importante demais para a gente deixar para a direita. Historicamente, nos crescemos preocupados com esse termo. Ela esta ai no sentido de morada de todos, do espaco, comum, afetivo, o espaco dos brasileiros. E "Patria educadora" no sentido de que a Republica se dispoe a educar, mas e claro que nao tem nenhuma conotacao de paternalismo. Nao e o espirito de colocar uma marca, so.
O sr. ja disse que a presidente precisa se explicar melhor, dar satisfacoes. Mas Andre Singer disse na Folha que nao ha como explicar o ajuste fiscal para os trabalhadores. Concorda?
Politica e a arte de explicar. Nenhum dos nossos grandes governantes pode cumprir na data prometida o que ele queria fazer - e o caso de Fernando Henrique, e o caso de Lula.
Nao ha demerito nenhum em explicar por que voce vai demorar mais para entregar um resultado. Se existem problemas, eles podem, sim, ser explicados. Nao concordo em nada com o Andre.
Voce tem de usar os mecanismos que a economia coloca ao seu dispor. Nao e um ajuste fiscal contra o trabalhador, todo mundo vai pagar, e nao vai ser facil explicar para as pessoas. Sem duvida e um momento dificil. Este ano vai exigir muita paciencia.
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RAIO X - Renato Janine Ribeiro
Idade: 65 anos
Carreira academica: professor titular de Etica e Filosofia Politica na USP, professor visitante da Universidade Columbia (EUA)
Experiencia administrativa: diretor de Avaliacao da Capes (2004-2008)
Livros, entre outros: "Ao Leitor sem Medo" (1984); "A Sociedade contra o Social" (2001)Fonte: Folha de S. Paulo Online
