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Ensino a distância cresce, mas cursos da área da saúde preocupam governo e especialistas

04/09/2017 | Por: Zero Hora | 11679
Félix Zucco / Agencia RBS

O Censo da Educação Superior 2016, divulgado na semana passada pelo governo federal, constatou um aumento de 21% no grupo de ingressantes na modalidade a distância no Brasil, enquanto houve queda no número de novos alunos nos cursos presenciais no ano passado. O crescimento, apesar de ter tornado possível a matrícula de mais alunos no Ensino Superior do que em 2015, trouxe também uma preocupação ao Ministério da Educação (MEC): a maior oferta de cursos de educação a distância (EAD) na área da saúde.

Depois de divulgar o censo, o ministro da Educação, Mendonça Filho, afirmou que cursos nas áreas de saúde, como Medicina, Enfermagem e Fisioterapia, por exigirem formação prática maior, não poderiam ser ofertados em modalidade a distância. Apesar de dizer que a oferta é uma tendência mundial, e que o país não pode ficar fora das inovações tecnológicas na educação, o ministro afirmou que o órgão será rígido no que for de sua responsabilidade.

A oferta de cursos com aulas predominantemente a distância, autorizada em junho pelo ministério, tem encontrado resistência também de conselhos profissionais da área da saúde. Apesar de a regulamentação prever que atividades presenciais obrigatórias, definidas em diretrizes curriculares nacionais, continuem sendo realizadas, a intenção de aumentar o acesso ao Ensino Superior com a desburocratização dos cursos EAD preocupa entidades.

No início do ano, a criação de um curso de Medicina Veterinária a distância teve forte repercussão negativa – a ponto de a Unifacvest, de Lages (SC), cancelar os 40 cursos de graduação a distância do primeiro semestre.

Para o médico veterinário Rafael Gianella Mondadori, integrante da Comissão Nacional de Educação da Medicina Veterinária, do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CNEMV/CFMV), o uso de tecnologias educacionais tem se tornado cada vez mais importante, mas "um curso de Medicina Veterinária, em hipótese nenhuma, pode ser ministrado a distância".

– Competências como habilidades cirúrgicas, exames clínicos nos pacientes e avaliações de condições de consumo de alimentos não podem ser transmitidas por aprendizado virtual. Isso ocorre também nas outras profissões da área da saúde – diz Mondadori.

Diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas explica que, na área da saúde, "não existem cursos 100% a distância". Conforme Caldas, a regulamentação do MEC abre caminho para realizar atividades práticas fora da estrutura de uma universidade – já que o governo passa a permitir universidades 100% virtuais –, mas prevê que essas aulas sejam realizadas em outros locais, como hospitais, clínicas, empresas e laboratórios.

– A prática continua existindo. Não haverá cursos totalmente online na área da saúde. Mas também não faz sentido haver educação apenas presencial. Isso é prejudicial para o próprio curso – garante o diretor da ABMES. 

Rita Tarcia, diretora da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), concorda:

– A tecnologia vem para contribuir, não restringir. Quem ouve a expressão "100% EAD" pensa que o aluno fará até estágio pelo computador, mas não é assim. Está prevista a integração de práticas presenciais no currículo.

O artigo 4º do Decreto Nº 9.057/2017 prevê que "as atividades presenciais, como tutorias, avaliações, estágios, práticas profissionais e de laboratório e defesa de trabalhos, previstas nos projetos pedagógicos ou de desenvolvimento da instituição de ensino e do curso, serão realizadas na sede da instituição de ensino, nos polos de educação a distância ou em ambiente profissional, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais".

Instituições como a Unopar – uma das faculdades da Kroton, líder em educação a distância no país – já oferecem cursos de Educação Física, Enfermagem e Nutrição com aulas virtuais. De acordo com a instituição, a carga horária, em ambos os casos, é dividida em 44% a distância e 56% presencial. As atividades práticas seriam realizadas nos polos de apoio presencial – há 50 deles no Rio Grande do Sul, segundo a Unopar.

"Embora o aluno tenha a flexibilidade para o estudo, a modalidade EAD não exime seu comprometimento quanto ao processo de ensino. Os cursos são autorizados pelo MEC e oferecem conteúdo, diploma e aulas práticas iguais aos de um curso presencial", explicaram, em nota, o vice-presidente acadêmico da Kroton, Mário Ghio, e o vice-presidente de graduação EAD e polos da Kroton, Roberto Valério.

"Independentemente da modalidade escolhida na graduação (presencial ou EAD), o aluno deverá cumprir as obrigações curriculares exigidas pelo MEC. Por exemplo, no Bacharelado em Enfermagem, o aluno deverá cumprir o estágio obrigatório em hospitais, clínicas e/ou Unidades Básicas de Saúde (UBS) com a supervisão de um professor enfermeiro", continua a nota.

Mesmo antes do anúncio oficial do MEC, porém, havia oposição a esse tipo de oferta: em resolução publicada em junho de 2016, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) se posicionou "contrário à autorização de todo e qualquer curso de graduação da área da saúde, ministrado na modalidade Educação a Distância (EAD), pelos prejuízos que tais cursos podem oferecer à qualidade da formação dos profissionais, refletindo uma formação inadequada e sem integração ensino/serviço/comunidade".

A regulamentação do ministério prevê ainda a possibilidade de credenciamento de instituições na modalidade EAD sem exigência de oferta presencial de cursos – o que permite que as instituições ofereçam só os cursos a distância, sem oferta simultânea de outros in loco. Graduações sem atividades presenciais, assim, passam a ser permitidas, mas exigem autorização prévia do ministério e avaliação presencial.

A estratégia do MEC é ampliar a oferta de Ensino Superior no país para atingir a Meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE), que exige elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50%, e a taxa líquida, para 33% da população entre 18 e 24 anos.

A área da saúde
Ao todo, são 14 categorias profissionais de saúde de nível superior reconhecidas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS): assistentes sociais, biólogos, biomédicos, profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, médicos veterinários, nutricionistas, odontólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais.

O que apresenta a regulamentação do MEC
- Possibilita o credenciamento de instituições de Ensino Superior para cursos de educação a distância sem o credenciamento para cursos presenciais.
- Instituições poderão oferecer exclusivamente cursos EAD, na graduação e na pós-graduação lato sensu, ou atuar também na modalidade presencial.
- As Instituições de Ensino Superior (IES) públicas ficam automaticamente credenciadas para oferta EAD, devendo ser recredenciadas pelo MEC em até cinco anos após a oferta do primeiro curso EAD.
- A oferta de cursos EAD requer autorização prévia do MEC para seu funcionamento, exceto para as instituições de Ensino Superior que têm autonomia.
- Todas as instituições devem manter cursos de graduação em funcionamento – não é permitida a oferta somente de pós-graduação lato sensu.
- Criação de polos de educação a distância pelas próprias instituições já credenciadas para esta modalidade de ensino.
- As instituições de Ensino Superior que têm conceito institucional (CI) 3 poderão criar até 50 polos por ano, as com CI 4 poderão criar 150 e as com CI 5 poderão criar até 250 polos por ano. Elas também podem optar por continuar atuando somente na sede.
- As avaliações in loco realizadas pelo MEC passarão a se concentrar na sede das instituições, e não mais nos polos.
- Cursos sem atividades presenciais passam a ser permitidos, mas exigem autorização prévia do MEC e visita de avaliação in loco, mesmo para as IES com autonomia.


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