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A herança do metalúrgico - qual o legado que fica para Dilma?

19/01/2011 | Por: Revista Ensino Superior | 1699

 Nos oito anos de era Lula, o ensino superior foi uma das áreas que ganhou destaque no balanço de ações do governo entre 2003 e 2010.  O agora ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva gosta de dizer que foi ele - um metalúrgico - quem mais construiu universidades e escolas técnicas no país. Mas qual é o legado que ele deixa para a presidente Dilma Rousseff?

Para a professora Elizabeth Balba­chevsky, da Universidade de São Paulo (USP), um dos principais avanços do governo que termina foi trazer para o debate a questão da inclusão e da ampliação do acesso ao ensino superior, envolvendo as instituições públicas e privadas. Dados divulgados pelo MEC mostram que as matrículas no ensino superior passaram de 3,94 milhões em 2003 para 5,95 milhões em 2009 - um aumento de 66%.

"O setor público, em particular, sempre foi muito impermeável a esse debate", aponta a especialista. Ainda com a expansão que as universidades federais viveram durante o governo Lula - a previsão é de mais do que dobrar as vagas até o fim de 2010 em comparação a 2003 - elas ainda não são capazes de absorver toda a demanda. E provavelmente nunca serão.  A saída criada para impulsionar o acesso foi o Programa Universidade para Todos (ProUni) - a menina dos olhos do presidente Lula. O projeto, de autoria do ministro Fernando Haddad, foi lançado sob fortes críticas, mas hoje se mostra uma política bem-sucedida de inclusão. A partir dele, o setor privado passou a ser um parceiro do governo federal na garantia do direito à educação.

Solução brasileira
Elizabeth acredita que o diferencial do programa está justamente em oferecer uma alternativa de acesso a uma parcela grande da população que não chegava às universidades federais - seja por falta de oportunidade ou mesmo de atração.  Para ela, o ProUni é uma solução genuinamente brasileira, já que foi desenvolvida para atender a uma necessidade muito específica da realidade do país.

"Uma parcela da população não se sente atraída pelo ensino público. Boa parte das universidades públicas trabalham com uma oferta para jovens recém-saídos do ensino médio que têm condições de organizar suas vidas para fazer do estudo sua principal atividade. Mas um grupo importante dos estudantes do ensino superior no Brasil é mais velha e já está no mercado de trabalho", destaca a pesquisadora. Desde a criação do programa em 2005, 748 mil alunos já receberam uma bolsa do programa, a maioria delas integrais.

Mas, ao mesmo tempo que reconheceu o setor privado como um parceiro por meio do ProUni, a gestão federal  não conseguiu reconhecer algumas demandas específicas das instituições de ensino superior particulares, e ainda faltam aperfeiçoamentos no processo avaliativo. Para Elizabeth, o governo ainda enxerga o ensino superior pela ótica da educação pública. "Houve percalços desnecessários que decorrem de uma dificuldade que esse governo teve para encarar os desafios de um ensino superior que é majoritariamente particular. Há uma miopia dramática que é olhar o ensino superior pelos olhos do setor público, esquecendo-se que as escolas privadas atendem 75% das matrículas", compara.

Estereótipos
Um dos reflexos desse problema foi a falta de representatividade do setor público durante a Conferência Nacional de Educação (Conae), convocada pelo MEC e realizada em Brasília em abril. "O setor privado precisa ser regulamentado e avaliado, mas não pode ser uma observação carregada de estereótipos que impedem perceber os resultados interessantes obtidos pelo setor", defende a especialista. Ela destaca, entretanto, que nos últimos anos o governo passou a encarar a questão da avaliação "com mais clareza".

Um exemplo dessa mudança foi o fato de que em 2010 pela primeira vez as instituições tiveram acesso aos resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e seus índices antes da divulgação para o público. Essa era uma demanda antiga do setor privado. Também mostrou que os indicadores precisam ser amadurecidos e incorporou novos elementos no Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes).
Para o professor Gabriel Mario Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), no governo Lula o MEC procurou incentivar as ações que visam aumentar o número de alunos na universidade. Não só pela criação de inúmeras instituições federais, como também por programas de incentivo oferecidos aos alunos das instituições particulares.

"O ProUni é totalmente exitoso por ter colocado nos cursos superiores particulares quase 800 mil alunos. O Fies é outro programa que tem tudo para se firmar por estar dentro das possibilidades do universitário brasileiro. Cabe salientar os esforços realizados pelo Inep para consolidar o processo de avaliação, não só para cumprir o estabelecido pela Constituição, como também para oferecer à sociedade meios para escolher a escola de melhor desempenho. É um processo que contém ainda imperfeições, mas deve ser constantemente aperfeiçoado e precisa ser estimulado", diz.

O presidente da Abmes também destaca os esforços em organizar de maneira mais racional a oferta dos cursos tecnológicos e estabelecer parâmetros mais qualitativos para o ensino a distância. "O grande desafio que o governo terá pela frente será o de direcionar todo o seu empenho na tipologia de universidade que o país precisa. Como os recursos são finitos, ele não pode se perder em querer ao mesmo tempo construir universidades de ponta para o desenvolvimento do país, das empresas e as de massa", diz.

Gabriel sugere que o governo priorize as ilhas de excelência com as duas primeiras e deixe as de massa com as escolas privadas, que nisto elas são experientes, já que no correr destas últimas décadas acumularam uma expertise na qual são imbatíveis.

Nunca antes neste país
Para Edward Brasil, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), talvez a grande marca do governo tenha sido a expansão do sistema, que quase dobrou de tamanho. "Ela ainda está em curso, temos algumas etapas de contratação de professores e finalização de obras, mas o importante é que isso está se dando com qualidade. Tivemos uma recuperação de investimento e custeio que nos permite melhorar em uma velocidade ainda não tão rápida em função do que havia antes. Temos um parque universitário anterior à expansão, que está em processo de recuperação e precisa de um aporte maior de recursos", diz.

Para o próximo governo, Edward diz que a Andifes pensa em apresentar um projeto de expansão mais afinado com as necessidades do país, como o desenvolvimento de área como a tecnologia. "Acredito que na história não haja precedentes de um crescimento dessa magnitude no sistema federal, mas a gente sequer arranhou os índices de escolarização desejáveis. Mesmo com tudo isso ainda falta crescer muito, temos de continuar o processo com a vertente da interiorização, voltada para as áreas onde teremos estrangulamento da mão de obra, além de um grande programa de apoio à pós-graduação", sugere.

Outro grande marco, na opinião do presidente da Andifes, foi a expansão da EAD no sistema federal com a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB). "Em breve não veremos diferença entre a educação presencial e a distância", acredita.

Para Antônio Carlos Caruso Ronca, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), o grande avanço do governo Lula foi um aumento significativo do número de alunos no ensino superior. "Saltamos de 6% da população de 18 a 24 anos para 13%. Ainda é insuficiente, mas há um avanço nesse sentido."

Combate à desigualdade
Ele também concorda que outra iniciativa muito positiva foi o ProUni. "Acho que é um programa belíssimo porque toca numa questão fundamental: os cursos de alta procura não são abertos às camadas mais desfavorecidas da população. Em um curso de medicina de uma instituição pública ou privada, a distribuição de renda dos alunos é a mesma", compara.

Na opinião do presidente do CNE, o ProUni quebra isso. "É uma política que favorece o combate à desigualdade", diz, citando também a reformulação do Fies. "A redução das taxas de juros também era uma reivindicação antiga desde quando o programa foi lançado", lembra.

Na questão da avaliação, Ronca acredita que também houve progresso porque a lei do Sinaes permite que a instituição seja considerada na sua totalidade e não se restringe a uma só prova, na opinião dele.

"Outro ganho foi um quadro de regulação que abrangeu todo o ensino superior - faculdades, centros universitários e universidades. Hoje há normas claras que dão mais transparência ao processo, já que as medidas atingem tanto as federais como as particulares."

Para o presidente do CNE, o setor de ensino superior privado precisava de normas claras e que valessem para todos. E prevê os principais entraves que o próximo governo terá que enfrentar.

"O próximo desafio é aumentar a velocidade de expansão do ensino superior com qualidade. Outra questão crucial será ampliar a articulação das universidades com a educação básica. Se enquanto instituição de ensino superior você não contribuir para melhorar o corpo docente das escolas, você está deixando de contribuir para um dos grandes temas da próxima década".

Lula e Haddad fazem cerimônia para prestar contas

Dezembro foi o mês dos balanços. O MEC publicou em sua página de internet o "Gestão da Educação 2003 - 2010", no qual elenca os principais números do período. Nesse documento se anteciparam números do Censo, que indicam 5,95 milhões de matrículas em 2009. Lula também fez cerimônia para prestar contas e disse que a sucessora "escolheu quem conhece" para os ministérios, antes de que fosse anunciada a permanência do ministro Fernando Haddad.