Reter os atuais e captar novos alunos é um ciclo que se renova sempre nas estratégias das IES (Instituições de Educação Superior), mas a pandemia chamou a atenção para um ponto relevante: a evasão no ensino superior.
Segundo o Semesp – instituto que representa as mantenedoras de ensino superior no Brasil – em 2021, a taxa de evasão chegou aos 36,6% nas modalidades de ensino a distância (EaD) e presencial. O percentual equivale a 3,42 milhões de alunos.
Muitos fatores têm contribuído para construir este cenário preocupante e não há fórmulas mágicas para reverter este quadro de evasão, mas “a combinação de indicadores financeiros, acadêmicos e socioeconômicos do estudante” pode contribuir para direcionar ações estratégicas nesta direção, avalia Celso Niskier – Diretor-Presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).
Porém, na contramão deste quadro, os resultados do Censo da Educação Superior 2020 apontam que a educação superior brasileira manteve a tendência de crescimento no número de matriculados, ingressantes e concluintes. Os dados foram divulgados no último dia 18 de fevereiro, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e Ministério da Educação (MEC).
Um dos destaques do Censo foi que o número de matriculados, em cursos à distância, que aumentou – exponencialmente. Em 2020, pela primeira vez na história, os ingressantes nesta modalidade ultrapassaram o total dos novos alunos nos cursos de graduação presenciais. Esse fenômeno havia ocorrido, em 2019, apenas na rede privada. Dos mais de 3,7 milhões ingressantes de 2020, nas instituições públicas e privadas, mais de 2 milhões (53,4%) optaram por cursos à distância e 1,7 milhão (46,6%), pelos presenciais.
“Estes números confirmam uma tendência que já havia sido apontada pela ABMES e que, certamente, foi acelerada pela pandemia. Agora os educadores têm como responsabilidade garantir que se ofereça no EaD a mesma qualidade do presencial”, projeta Niskier, o convidado do Blog da Minha Biblioteca, para analisar este contexto de cenários, aparentemente opostos, sob a perspectiva das IES e das necessidades de um momento atípico na Educação.
MB – Atualmente a evasão, retenção e captação de alunos são os maiores desafios das IES. Quais os reflexos deste contexto no viés educacional e financeiro das instituições?
Celso Niskier – Sim, a evasão é um dos grandes desafios para as IES, ainda mais pelo quadro agravado durante a pandemia. O setor já enfrentava queda na base de alunos, devido às dificuldades econômicas do país e à falta de financiamento estudantil adequado. Essa tendência foi ampliada pela chegada da COVID-19.
MB – Os resultados deste processo – reter e captar – são uma forma de medir o bom ou mau desempenho de uma instituição?
Celso Niskier – O desempenho das IES está sim ligado à sua capacidade de atrair e reter alunos, pois esses processos impactam diretamente a saúde financeira da instituição. Sem um bom desempenho as IES não terão resultados que possam ser investidos na qualidade e no crescimento institucional.
MB – Você comentou, em um artigo recente, que os números de evasão são preocupantes, quando se fala do abandono dos cursos de graduação. Como tem sido este processo?
Celso Niskier – O abandono dos cursos de graduação pelos estudantes é sim preocupante. De acordo com dados do Semesp, quase 3,5 milhões de estudantes largaram seus cursos em 2021, apenas nas instituições privadas, o que equivale a uma taxa de evasão de 36,6%, índice inferior apenas ao registrado em 2020 (37,2%).
Mesmo com esta pequena queda, devemos avaliar que a permanência dos estudantes, no nível terciário da educação, sempre foi um desafio, mas tornou-se um problema crônico nos últimos dois anos, quando a crise econômica, potencializada pela pandemia, se somou ao esvaziamento da principal política pública de financiamento estudantil do país e aos altos índices de desemprego.
MB – Os dados do Semesp não são, exatamente, opostos aos divulgados pelo Censo 2020, que fala em crescimento? Como se pode explicar estes dois cenários tão distintos?
Celso Niskier – Os dados do Censo consideram a base efetiva de alunos matriculados durante o ano. Os dados do Semesp consideram os alunos que entraram e saíram, ao longo do ano. Não são conflitantes, são duas visões diferentes dos números.
MB – Qual é o “peso” para o setor educacional, da evasão acadêmica meio a uma pandemia, que tem criado situações práticas para afastamento e desestímulo dos estudantes, como a necessidade de abandonar os estudos para trabalhar?
Celso Niskier – É um “peso” muito grande, pois cada aluno que evade é um sonho perdido. Além disso, com a queda da base de estudantes, não atingiremos as metas do Plano Nacional de Educação e correremos risco de um futuro “apagão” da mão-de-obra qualificada, como já está acontecendo em várias áreas do mercado de trabalho, em especial a área de Tecnologia da Informação.
MB – O enfraquecimento das políticas públicas de financiamento estudantil também tem relevância meio às dificuldades para o ingresso e conclusão de uma graduação?
Celso Niskier – Sem dúvida, o enfraquecimento do FIES – Fundo de Financiamento Estudantil – é um dos fatores que vêm impactando o ingresso no ensino superior, já que grande parte da população jovem se encontra sem condições financeiras de arcar com os investimentos na formação universitária. Nós, da ABMES, defendemos um retorno à visão social do financiamento estudantil, com a criação de regras mais flexíveis, incluindo a possibilidade de condicionar os pagamentos futuros à renda do estudante.
Deve-se considerar, também, que o histórico quadro de desigualdade econômica sempre foi um desafio a ser superado por uma parcela significativa da população, ávida por ingressar e concluir uma graduação. Por algum tempo, o FIES foi uma ponte eficaz entre indivíduos com dificuldades financeiras e a educação superior. O enfraquecimento do programa foi um duro golpe para quem precisa de auxílio para acessar um curso superior e/ou para se manter nele.
A reversão desse quadro só será possível com a retomada de um programa amplo de financiamento estudantil e com a recuperação do valor da educação para cada indivíduo e para a sociedade. Porém, até que isso ocorra, o setor particular de educação superior precisa seguir dando a sua contribuição.
MB – A ABMES tem iniciativas nesta direção? O que é o movimento #EuSouOFuturo?
Celso Niskier – O Eu Sou o Futuro visa incentivar a retomada do interesse do jovem pela educação superior, manutenção da formação, com ofertas especiais de matrícula, para estimular a captação e a permanência dos estudantes. É um movimento pelo futuro dos jovens e do País. São milhares de vagas em cursos de graduação e pós-graduação, nas modalidades presencial, híbrida e à distância, em diversas áreas do conhecimento, ofertadas com condições especiais e personalizadas.
É uma iniciativa da ABMES e da Futuria, empresa de educação do Santander Universidades. Já mobilizou mais de 5.300 unidades educacionais de todo o país, na busca por alternativas para viabilizar o acesso à educação superior. Só neste primeiro semestre de 2022, milhares de estudantes já se inscreveram para ter acesso às condições especiais oferecidas por meio do projeto.
É importante lembrar que, embora uma atuação em conjunto tenha mais força, há diversas ações que podem ser desenvolvidas, individualmente, pelas próprias IES e que são capazes de incidir na evasão dos graduandos. Entrar em contato com os alunos que abandonaram seus cursos e convidá-los a retornar pode ser um bom ponto de partida. Mas é claro que este tipo de estratégia precisa ser acompanhado de alguma forma de apoio, seja financeiro ou acadêmico, para que o aluno possa, inclusive, recuperar suas perdas de aprendizagem.
MB – Estratégias como o uso de dados, para analisar engajamento dos alunos, em diferentes disciplinas e atividades acadêmicas, observar comportamentos que antecipem possíveis evasões e apostar na adoção de novas tecnologias educacionais são boas alternativas para manter e fidelizar os alunos?
Celso Niskier – Sim, muitas IES já utilizam modelos predicativos e análise de dados na identificação de potenciais alunos com maior risco de evasão, e na antecipação destas tendências, além de se ter a possibilidade de criar réguas de retenção eficazes.
É uma ferramenta muito importante nesse momento em que todos os gestores se preocupam com as suas bases de alunos. Quanto às tecnologias educacionais, elas são muito essenciais para personalizar a experiência do aluno, durante a sua jornada de aprendizagem, aumentando o engajamento do jovem com a instituição e com os professores.
Neste contexto, acredito que tanto a inteligência artificial, quanto a análise estatística podem contribuir para um mapeamento claro dos sinais de que um determinado aluno vai evadir. Para isso, são considerados dados como frequência (presencial ou no AVA), inadimplência e resultados obtidos pelo estudante nas avaliações.
Não há uma fórmula mágica, mas a combinação de indicadores financeiros, acadêmicos e socioeconômicos do estudante, inclusive anteriores ao ingresso na IES, como a nota no Enem, o tempo que demorou para efetuar a matrícula, distância entre a residência e a instituição. Com esta análise, mesmo antes do início das aulas, é possível antever os alunos com maior possibilidade de evasão e trabalhar o acolhimento necessário para que eles consigam concluir suas graduações.
“O Brasil precisa de novos profissionais e isso é alavanca suficiente para estimular a busca pela formação profissional de nível superior. Se vislumbramos um futuro para o país, ele passa indiscutivelmente pela valorização da educação em todos os níveis”
MB – Ter uma diversificação das modalidades de ensino: a distância, presencial e híbrido é uma boa saída para as IES manterem seus quadros de alunos estáveis?
Celso Niskier – Diversificar sim, mas com atenção ao fato de que os tíquetes de EaD são muito menores, o que cria a necessidade de escala na oferta de cursos e polos. Muitas pequenas IES, que não tem credenciamento, devem buscar parcerias que permitam que elas desfrutem da tendência de crescimento do EaD, com poucos investimentos. Todos terão que se adaptar a essa nova realidade, incluindo as possibilidades trazidas pelos Quadrantes Híbridos.
MB – Muitas IES priorizam a captação de novos alunos. Você acredita que é o suficiente ou o cuidado para permanência do estudante, que já está lá, é mais importante?
Celso Niskier – Deve-se buscar a captação sempre, mas sem se descuidar da retenção. Ambas são igualmente importantes para garantir o crescimento sustentável das IES.
MB – Especialistas dizem que, dentre as formas de chegar ao potencial aluno, estratégias de comunicação e marketing de conteúdo aparecem como viés em alta nas IES, com campanhas de divulgação na mídia, não apenas na época pré-vestibular, mas ao longo do ano. Você concorda?
Celso Niskier – Concordo sim. As IES devem se manter visíveis durante todo o ano. A captação não é mais em ciclos, ela ocorre o tempo inteiro. Essa é a nova realidade da comunicação.
MB – A pandemia tem sido usada como principal argumento para a evasão dos estudantes e as dificuldades de captação. Quais os outros fatores – políticos, econômicos, financeiros, motivacionais, tecnológicos – que você acredita têm contribuído para o atual panorama da Educação no Brasil?
Celso Niskier – Como eu mencionei antes, houve uma primeira onda com a crise econômica e, em seguida, uma nova onda com as mudanças (para pior) no FIES. Juntamente com a terceira onda, um verdadeiro “tsunami”, que foi a COVID-19, o setor foi muito impactado e tenta se recuperar a partir da inovação tecnológica, da oferta de produtos mais sintonizados, com o mundo do trabalho, e do aprimoramento da gestão. As próximas eleições trarão novos cenários políticos e defendemos que a educação superior tenha o merecido destaque nas políticas públicas, em especial com menos amarras regulatórias e mais espaço para experiências inovadoras.
MB – Você acredita que a sociedade brasileira entende o verdadeiro valor do papel da educação na vida dos indivíduos e da nação como um todo?
Celso Niskier – Não, infelizmente o valor da educação não é compreendido por todos. Não se trata só de formação profissional, mas também da ampliação da consciência crítica, da construção da cidadania e de uma vida feliz e produtiva. É preciso resgatar esse valor da educação, em vez de focar meramente no preço dos serviços.
MB – Como visualiza os próximos anos? A evasão de mais de um terço dos graduandos é um problema secundário na educação superior? Ainda há saídas?
Celso Niskier – A evasão de mais de um terço dos graduandos não pode seguir sendo um problema secundário na educação superior. Garantir a permanência dos estudantes precisa ser alvo de políticas públicas robustas, assim como o acesso. O setor particular tem se articulado para mitigar esse drama, mas resta saber até quando teremos fôlego para seguirmos sozinhos nessa batalha.
Porém, há esperança de retomada, especialmente a partir do ano que vem, mesmo que lentamente. O Brasil precisa de novos profissionais e isso é alavanca suficiente para estimular a busca pela formação profissional de nível superior. Se vislumbramos um futuro para o país, esse futuro passa indiscutivelmente pela valorização da educação em todos os níveis.