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Faculdades portuguesas se aproximam das companhias

04/11/2022 | Por: Valor Econômico | 2988

Diante de um cenário de constante inovação, que tem levado o conhecimento a ficar obsoleto muito rapidamente, as instituições de ensino superior de Portugal - com escolas seculares como a Universidade de Coimbra, fundada em 1290 - se aproximam do setor produtivo. Oferecem graduação e especializações de acordo com as demandas do mercado e também correm para criar cursos de curta duração, a fim de não perder um nicho em que empresas de outros setores, como de tecnologia e financeiro, estão entrando. Isso também ocorre no Brasil e em outros países da Europa.

Um exemplo é a Universidade de Aveiro, escola pública considerada a mais moderna de Portugal. Se juntou a outras 12 instituições da Europa para criar uma universidade de cursos rápidos ligados à inovação.

                                 

As parcerias com as empresas acontecem tanto nas tradicionais universidades públicas quanto nas privadas. Antes desse movimento, eram os Institutos Politécnicos que mais se aproximavam das companhias (ver Matrículas em politécnicos cresce 30%).

“O descasamento entre a ciência e aplicação prática, por vezes, é bastante grande. Ou seja, ciência está 20 anos à frente das empresas e nós ensinamos 20 anos atrás das empresas, 40 anos atrás do que estamos pesquisando. Estamos pedindo para nossos investigadores [pesquisadores] que, nas aulas, façam uma introdução muito grande sobre a relação daquilo que investigam e ensinam e puxem para o que é mais próximo das atividades práticas das empresas”, disse Ricardo Reis, diretor da escola de negócios da Universidade Católica Portuguesa, que concedeu a entrevista numa biblioteca da escola com mais de 300 mil obras.

Na Católica, o conselho tem empresários que ajudam na elaboração dos currículos dos cursos, conteúdos, apontam tendências, segundo Margarida Mano, vice-reitora e ex-ministra do Ministério da Educação de Portugal.

A proximidade da academia com o setor produtivo não significa que as instituições estão perdendo autonomia acadêmica. O governo português mantém o patamar de investir cerca de 1,5% do orçamento em pesquisa, o que neste ano equivale a € 2,5 bilhões. Além desse montante, há o investimento de empresas e parte dos recursos dos fundos europeus que estão destinando 23 bilhões ao desenvolvimento do país luso, entre 2021 e 2027.

Um motivo que faz Portugal e outros países europeus colocarem grandes somas em pesquisa científica é a competição entre as instituições de ensino. Um dos critérios para obter as melhores pontuações é a quantidade de publicações e citações em revistas especializadas. Quanto melhor a posição no ranking, mais recursos financeiros as escolas recebem.

Em 1999, um acordo conhecido como Tratado de Bologna estabeleceu uma equidade entre os currículos dos cursos de ensino superior de 29 países da Europa, ou seja, o diploma é válido em qualquer uma dessas regiões. Validar o diploma brasileiro em terras portuguesas é um pleito do governo brasileiro desde 2000. Segundo o embaixador do Brasil em Portugal, Raimundo Carneiro, há chances de ser assinado um acordo de equivalência de disciplinas na educação básica ainda neste ano, mas no ensino superior essa possibilidade ainda é distante. “As entidades de classe de Portugal são contra porque é uma ameaça ao emprego dos portugueses, além disso, as universidades captam receitas com as mensalidades cobradas dos estrangeiros”, disse o embaixador.

Os estrangeiros pagam entre € 4 mil e € 9 mil, por ano, em taxas para estudar em Portugal. Nas universidades públicas, esses recursos são usados para subsidiar o déficit do valor pago pelos portugueses, que é € 697, por ano.

Ao mesmo tempo que cria algumas barreiras, Portugal precisa de mão de obra e estudantes - uma carência crescente com o envelhecimento de sua população e redução de jovens. Segundo estimativas do Instituto Nacional de Estatística do país, haverá uma diminuição de 300 mil pessoas menos de 15 anos em 2056. A projeção é que a população total de Portugal caia dos atuais 10,3 milhões para 8,2 milhões em 2080.

As instituições de ensino estão sendo desafiadas a apostar em cursos inovadores num cenário incerto e com menos jovens. “O desafio é formar para o desconhecido”, resumiu João Redondo, chanceler da Universidade Lusíada e presidente da Associação das Universidades Privadas da Europa. Redondo e representantes de escolas do Brasil e Portugal se reuniram, nesta semana, para assinar um acordo de intercâmbio no Palacete de Lisboa, onde o escritor Eça de Queiroz escreveu “Os Maias”.

O país luso enfrenta a migração de profissionais e recém-formados para outros países como Alemanha, que paga salários mais altos. “Formamos mão de obra para outros países”, disse o diretor da Universidade Católica. Na contramão, o número de brasileiros desembarcando em Portugal para estudar cresceu 120% nos últimos cinco anos. Há cerca de 19 mil alunos brasileiros, o que representa perto de 5% da base total de universitários em Portugal.

“A maior comunidade de estrangeiros é de brasileiros”, disse João Veloso, vice-reitor da Universidade de Aveiro. Na Universidade de Lisboa, dos 58 mil matriculados, 3 mil são do Brasil. Nos politécnicos, 40% dos alunos internacionais são brasileiros.

“Os alunos vão onde está o emprego e Portugal é a porta de entrada para a Europa. As instituições brasileiras precisam se adaptar à internacionalização que é uma realidade”, disse Celso Niskier, presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes). Hoje, há cerca de 250 mil brasileiros em Portugal e estima-se que 10% dos nascimentos sejam de pais brasileiros. Ainda não se sabe se será suficiente para reverter o envelhecimento da população, mas os primeiros passos já estão sendo dados.


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