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Artigo: Curso de graduação em Medicina: desafios e perspectivas

27/02/2023 | Por: Linha Direta | 1983

INTRODUÇÃO
Este artigo visa contribuir com o debate sobre cursos de medicina, que tem sido objeto de reflexões nos últimos anos, principalmente em 2020 e 2021, anos em que a humanidade conviveu com a pandemia da covid-19, que explicitou a importância da formação acadêmica dos profissionais de saúde no século XXI, caracterizado por vários intelectuais como o século das pandemias.

O tema “curso de graduação em medicina” ganhou destaque nas pautas do Conselho Nacional de Educação (CNE) e do Ministério da Educação (MEC), em 2021 e 2022, não somente pela pandemia, mas também pela necessidade de mais médicos nos serviços de saúde. Essa realidade é multifatorial, mas o fechamento do sistema e-MEC, por meio da Portaria n. 1, de 25 de janeiro de 2013, para as instituições de Educação Superior privadas protocolarem processos de autorização desse curso gerou a falta de médicos nas unidades de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). Faz dez anos, 2013 a 2023, que o e-MEC, sistema eletrônico do MEC, está fechado para esse pleito.

Essa situação se agravou com a publicação da Portaria n. 328, de 5 de abril de 2018, que suspendeu por cinco anos o protocolo de pedidos de aumento de vagas e de novos editais de chamamento público para autorização de cursos de medicina, nos termos do art. 3º da Lei n. 12.871/2013. Segundo essa portaria, a previsão de encerramento da moratória será abril de 2023.

A Lei n. 12.871, de 2013, que instituiu o Programa Mais Médicos, alterou, significativamente, a formação médica no Brasil ao desvincular a autorização dos cursos de medicina do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), implantado pela Lei n. 10.861, de 2004, que, até a presente data, norteia a autorização dos demais cursos de graduação.

Essa desvinculação teve como um dos motivos a implementação de uma política pública restritiva em relação à expansão de cursos de medicina em Instituições de Educação Superior (IES) particulares, independentemente dos indicadores de qualidade e da realidade epidemiológica da região, do estado e do Brasil.

AUTORIZAÇÃO DE CURSO DE MEDICINA
No período de 2013 a 2018, a formação médica no Brasil foi produto de dois modelos avaliativos distintos e antagônicos para fins de autorização dos cursos de medicina no país. A saber: (i) a formação médica resultante do Sinaes para fins de reconhecimento e renovação de reconhecimento do curso e (ii) a formação médica resultante de chamamentos públicos por meio de editais publicados pelo MEC a partir de 2013, respaldados pela Lei do Programa Mais Médicos. Nesse período, foram publicados quatro editais (2014, 2015, 2017 e 2018) para criação de novos cursos de medicina pelo Programa Mais Médicos. O edital de 2018 se deu em substituição ao de 2015, cancelado devido a disputas judiciais.

Vale ressaltar que os cursos de graduação, inclusive todos os cursos de graduação da saúde, exceto os cursos de medicina autorizados a partir de 2013 pelo MEC, foram avaliados, para fins de autorização, pelo Sinaes, que é uma política de Estado, que tem como base a qualidade da Educação Superior.

O Sinaes tem uma trajetória na Educação Superior, de 2004 a 2022, que preconiza a expansão com qualidade, contemplando as seguintes modalidades: avaliação institucional, avaliação de cursos e Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Essas modalidades são coordenadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e operacionalizadas por docentes titulados, com vasta experiência acadêmica e profissional selecionados, capacitados e designados pelo Inep.

Além dessas, o Sinaes ainda estabelece a autoavaliação institucional realizada pela Comissão Permanente de Avaliação (CPA) que tem inúmeras atribuições, inclusive o controle social. Com base na Lei n. 10.861, todas as CPA contam com as seguintes representações paritárias: docente, técnico-administrativa, aluno e representante da sociedade civil. A autoavaliação institucional compreende as dez dimensões definidas na Lei do Sinaes e se caracteriza como um processo contínuo, tendo os cursos de graduação como foco principal dessa modalidade. Vale registrar que todas as IES postam, anualmente, até o dia 31 de março, o relatório da autoavaliação no sistema e-MEC para análise do MEC.

Nesse sentido, a sistemática de avaliação estabelecida pelo Sinaes prima pela formação acadêmica de qualidade e reforça os princípios educacionais contemporâneos por meio de protocolos e instrumentos de avaliação que possibilitam a verificação das reais condições de oferta dos cursos, assim como das IES que pleiteiam as autorizações pelo MEC.

As avaliações dos cursos de medicina no contexto do Sinaes são realizadas in loco presencialmente nos espaços institucionais destinados aos cursos e, também, nas unidades de saúde do SUS local, que atuam como cenários de práticas e de estágios. Essas avaliações são realizadas por comissões designadas pelo Inep/MEC, integradas por dois docentes médicos, com titulação de mestre e doutor, que exercem a docência em cursos de medicina em IES públicas ou particulares. As comissões seguem, rigorosamente, os instrumentos de avaliação do Inep, aprovados pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes), que contemplam as dimensões (i) Organização Didático Pedagógica; (ii) Corpo Docente e Tutorial e (iii) Infraestrutura. Cada dimensão conta com um conjunto de indicadores e critérios de análise, possibilitando uma avaliação detalhada e completa das condições reais de oferta do curso de medicina. Participam dessas avaliações in loco os dirigentes, a CPA, a Coordenação e o NDE do curso, os docentes, os discentes e os técnicos administrativos, além dos preceptores e os profissionais médicos dos campos de estágios vinculados ao SUS.

Além da Lei do Sinaes, essa formação médica precisa atender, integralmente, à Resolução CES/CNE n. 3, de 20 de junho de 2014, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina; à Resolução CNE/CES n. 3, de 3 de novembro de 2022, que altera os arts. 6º, 12 e 23 da Resolução CNE/CES n. 3/2014; à Resolução CES/CNE n. 7, de 18 de dezembro de 2018, que estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e à Resolução CES/CNE n. 2, de 18 de junho de 2007, que dispõe sobre carga horária mínima e procedimentos relativos à integralização e duração dos cursos de graduação, bacharelados, na modalidade presencial, definindo que todos os cursos de medicina devem ter carga horária mínima de 7.200 horas com limite mínimo para integralização de 6 (seis) anos, assim como a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que estabelece as bases do Sistema Único de Saúde e dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

Considerando a narrativa do binômio qualidade e avaliação, o Censo da Educação Superior de 2020 do Inep/MEC e os atos da Seres/MEC, publicados no DOU em 2021, revelam que a maioria dos cursos de medicina autorizados e submetidos ao Sinaes tem conceitos satisfatórios (3, 4 e 5) nas diversas modalidades avaliativas realizadas pelo Inep, inclusive no Enade, possibilitando aferir que esses cursos de medicina têm compromisso com a qualidade e com a responsabilidade social e que o Sinaes, que é nacional e operacionalizado em todas as IES públicas e privadas vinculadas ao Sistema Federal de Ensino Superior, tem possibilitado a expansão da formação médica com qualidade, inclusão e diversidade. Assim, é evidente que esses cursos de medicina são avaliados, periodicamente, pelo Inep, com envolvimento da Conaes, da Seres, da CPA, do CNE e, em caráter consultivo, do Conselho Nacional de Saúde, conforme preconiza a legislação educacional, com destaque para a Lei n. 10.861, de 2004 e o Decreto n. 9.235, de 2017.

Outro aspecto a ser considerado é que os egressos desses cursos de medicina ofertados pelas IES particulares ingressam em programas de residência altamente concorridos, em programas internacionais de capacitação médica, além de inserção no exercício profissional no SUS e no setor de saúde privado, respondendo majoritariamente pela atenção em saúde.

Nesse contexto, a Seres publicou a Portaria n. 747, de 5 de julho de 2022, criando o grupo de trabalho de que trata o art. 3º da Portaria MEC n. 328, de 2018, com o objetivo de coletar dados e informações para subsidiar a política de formação médica e as ações regulatórias do MEC para a autorização de novos cursos de medicina. A participação nesse GT foi plural e contou com a participação da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e de várias outras entidades.

PARTICIPAÇÃO DA ABMES
A ABMES participou da Comissão do CNE, em 2021 e 2022, que tratou desse tema. Essa Comissão foi presidida pelo conselheiro Maurício Romão.

Para subsidiar as participações na Comissão do CNE e no GT da Seres, a ABMES elaborou e divulgou os seguintes documentos, que estão disponíveis no portal da entidade:

  • Nota Técnica: Aspectos regulatórios, avaliativos e de expansão de cursos de medicina no Brasil. Junho de 2021.
  • Of. Pres. ABMES n. 022/2022, 7 de julho de 2022. Ref.: Complemento à Nota Técnica Aspectos regulatórios, avaliativos e de expansão de cursos de medicina no Brasil.
  • Relatório ABMES (GT de Medicina – Portaria n. 747, de 5 de junho de 2022), 26 de outubro de 2022.

A ABMES participou da Audiência Pública – ADC 81 e ADI 7187 em 17 de outubro de 2022 no Supremo Tribunal Federal (STF), defendendo uma proposta abrangente fundamentada em aspectos técnicos, visando contemplar as especificidades das cinco regionais do Brasil.

Segundo o e-MEC, em 12 de dezembro de 2022, o Brasil conta com 389 cursos de medicina em funcionamento que estão assim distribuídos: IES Públicas = 35,57% – Vagas = 27,67% e IES Privadas = 64,43% – Vagas 72,33%, para atender de forma integral e humanizada uma população que chegou a 214 milhões de habitantes em 2021, de acordo com a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para fins de comparação, segundo o e-MEC, o Brasil conta com 1.570 cursos de graduação em enfermagem.

Com base nesses dados e estudos, a ABMES elaborou e defende a seguinte proposta, objetivando mais e melhores médicos:

  • Definição de padrões de qualidade adequados para autorização de cursos de medicina, respeitando a Lei do Sinaes
  • Necessidade de um projeto nacional sobre residência médica no Brasil.
  • Política pública de autorização de curso de graduação em medicina que conjugue, concomitantemente, os seguintes modelos:
    • Chamamento público por Editais / Mais Médicos, visando a interiorização da formação médica.
    • Processo administrativo pelo e-MEC, conforme ocorre com todos os cursos de graduação, visando atender às demandas nacionais expressas pelos perfis epidemiológicos.
  • Operacionalização desta nova sistemática pelo Inep com os instrumentos do Inep e avaliadores do Basis, com a garantia de impugnação do relatório pelas IES com decisão pela CTAA.
  • Reconhecimento e a Renovação de Reconhecimento de cursos de medicina exclusivamente pelo Sinaes por meio de processo administrativo via e-MEC.
  • Operacionalização pelo Inep com o instrumento do Inep e avaliadores do Basis, com a garantia de impugnação do relatório pelas IES com decisão pela CTAA.

A ABMES entende que essa proposta contempla as diversas realidades brasileiras, além de garantir mais médicos com formação acadêmica de qualidade e cidadã no contexto do SUS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudos e documentos oficiais revelam que a carência de profissionais de saúde no Brasil não é recente. É na verdade um problema crônico, que tem dificultado a implementação de vários programas e projetos vinculados ao SUS. Com a pandemia da covid-19, essa situação se agravou, chegando a pôr em risco a qualidade da assistência prestada à população nas cinco regiões brasileiras.

A convivência com a covid-19, desde março de 2020, evidenciou a importância da formação dos profissionais de saúde, especialmente a formação médica. Os vírus não informam quando irão se manifestar. Quando as epidemias e pandemias se instalam, não há posições jurídicas nem políticas que sustentam as condições de saúde. Caberá aos serviços de saúde, munidos de equipamentos e profissionais, assumirem a assistência integral dos cidadãos.

Sabemos que esse debate ainda precisa ser aprofundado, inclusive envolvendo os usuários do SUS que têm muito a contribuir com relatos de experiências. A ABMES é favorável à expansão com qualidade dos cursos de medicina ofertados pelas IES públicas e privadas devido às realidades sanitária e epidemiológica do país.

Por fim, a ABMES declara que a formação médica no Brasil, majoritariamente ofertada pelas IES privadas, tem qualidade comprovada por todos os indicadores definidos pelo Ministério da Educação, assim como pela atuação dos médicos em todo o território brasileiro.

O presidente Lula afirmou na reunião com reitores de universidades e o ministro da Educação Camilo Santana, em 19 de janeiro do corrente ano, que o Brasil deve formar mais médicos. Segundo o presidente, o país precisa de médicos. Essa declaração foi noticiada pela imprensa e mídias digitais.

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