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Celso Niskier: o grande desafio é o crescimento do ensino superior, com qualidade

30/01/2014 | Por: Folha Dirigida | 1610

Nos próximos dias, a presidente Dilma Rousseff deve definir o nome do próximo ministro da Educação, que ocupará o cargo após a saída de Aloizio Mercadante,que assumirá o comando da Casa Civil. A troca de ministros, a segunda da gestão da presidente, não deve alterar o rumo da política educacional em vigor, na visão do professor Celso Niskier, presidente do Conselho Empresarial de Educação da Associação Comercial do Rio de Janeiro.

Segundo ele, o sucesso de uma linha de atuação no setor não se mede pela quantidade de trocas de ministros, mas pelos resultados dos projetos colocados em prática. Neste quesito, afirma o educador, o Brasil ainda sofre com um problema crônico: a ausência de um projeto estruturado para melhorar o quadro educacional do país.

“A educação terá prestígio junto a um governo quando ela for um projeto de toda a sociedade, e quando o planejamento e as ações forem consistentes com uma visão de longo prazo sobre ofuturo do país”, ressalta Celso Niskier,que também é reitor do Centro UniversitárioCarioca (UniCarioca).

Nesta entrevista, ele também fala sobre o perfil que seria mais adequado ao próximo ministro, a demora na aprovação do Plano Nacional de Educação,medidas necessárias para melhoria da qualidade na educação básica e sobre o desafio de ampliar o ensino superior, com qualidade. “Há que se te rmais equilíbrio entre a necessária regulação e a expansão do setor, para que o Brasil realmente possa se igualar aos índices de universitários dos países vizinhos e em desenvolvimento.”

Folha Dirigida — foi anunciado que, mais uma vez, haverá troca do ministro da educação, por conta da reforma ministerial. que problemas esta troca frequente no MEC é capaz de trazer? o que isto representa, em relação ao prestígio que a educação tem (ou não) junto ao governo?

Celso Niskier — Na verdade, as trocas de ministro não alteram a política educacional deste governo, que é a mesma de 2003, e que segue a orientação política do Partido dos Trabalhadores. Devemos medir o sucesso de uma política educacional não pela troca de ministros, mas pelas ações concretas e seus resultados.Nesse caso, as recentes gestões do MEC mantiveram a mesma política de estímulo à expansão da rede pública de ensino superior e de maior regulação da rede privada,com programas federais de ampliação do número de universitários, comoo Prouni e o Fies. Recentemente, o Pronatece o Ciência sem Fronteiras tambémganharam destaque. O que se vê, no entanto,é um conjunto de projetos e programas pontuais, alguns de sucesso junto à classe média e aos menos favorecidos,mas sem uma visão mais estruturada de onde pretende-se chegar a longo prazo. A educação terá prestígio junto a um governo quando ela for um projeto de toda a sociedade, e quando o planejamento e as ações forem consistentes com uma visão de longo prazo sobre o futuro do país, considerando a importância central que a Educação tem na construção desse futuro.

Qual o balanço que o senhor faz da passagem De Aloizio Mercadante pelo MEC?

Penso que o ministro Mercadante deu continuidade aos programas já existentes e incentivou em especial o Programa Ciência Sem Fronteiras e o Pronatec.Houve notável evolução na gestão da regulação, através da Secretaria de Regulaçãodo Ensino Superior, que estabeleceu regras e calendários de organização dos processos. Mas ainda há muito a fazer,e a criação do Insaes (em tramitaçãono Congresso Nacional) foi proposta para esse fim. O Programa Mais Médicos também mereceu destaque na gestão que se encerra, como um paliativo para a falta de médicos no Brasil. Esse problema poderia ter sido evitado, se o excesso de regulação não tivesse impedido a criaçãode novas escolas médicas nas duas últimas décadas. Com o Ministro Mercadante na Casa Civil, o setor aposta na continuidade das atuais politicas educacionais.

Na sua opinião, qual deveria ser o perfil do novo ministro?

A área de Educação precisa de técnicos,com visão política de longo prazo. Mesmo considerando a Educação como uma área estratégica em qualquer governo, as questões que precisam ser endereçadas devem ser tratadas por técnicos profissionais,com visão abrangente sobre a complexidade dos problemas educacionais .Considerando o volume de recursos que são investidos na área – e que vão crescer nas próximas décadas, a gestão eficiente é fundamental para garantir que eles cheguem de fato onde mais são necessários,e para isso é necessário que o gestor público em educação seja um profissional bem formado e competente. Não é necessário apenas mais equipe, é preciso que ela seja devidamente qualificada. Em suma, um ministro com diálogo político e com uma equipe técnica competente será capaz de enfrentar em boas condiçõesos desafios da pasta.

Por falar em políticas educacionais, o Plano Nacional de Educação (PNE), que começou a tramitar em 2011, até hoje não foi aprovado no Congresso Nacional. Isto é um exemplo do descaso com que a educação é tratada no país? Por que?

Vivemos em uma democracia, e todos os setores da sociedade devem ser ouvidos.O lugar onde o necessário debate acontece é o Congresso Nacional, e isso toma tempo. Mas, certamente, se houvesse mais interesse das forças políticas,a tramitação seria mais rápida. Infelizmente,a classe política brasileira tem foco no cenário eleitoral, que é de curto prazo, dando pouca atenção às necessidades do país no longo prazo. E, com isso,a Educação sofre.

Na sua opinião, quais os principais problemas da política educacional do MEC para o ensino superior, nos últimos anos?

O grande desafio do MEC é promover o crescimento do ensino superior, com qualidade. O foco tem sido o aumento da regulação do setor, como forma de coibira má qualidade. Mas o exagero nessa diretriz impacta negativamente o crescimento,como é o caso das escolas de Medicina. Durante muito tempo foi barrada a criação de novas vagas em Medicina,com nefastas consequências para o país, que só agora tem sido remediadas com o Programa Mais Médicos. Há que se ter mais equilíbrio entre a necessária regulação e a expansão do setor, para que o Brasil realmente possa se igualar aos índices de universitários dos países vizinhos e em desenvolvimento. Além da necessária regulação, a política educacional para o ensino superior deveria contemplar uma maior responsabilidade das instituições na formação de professores de qualidade, como prioridade. Além disso, deve-se estimular a expansão das vagas, principalmente nas áreas ainda carentes, como o Norte e Nordeste. Outro aspecto importante, por fim, seria o estímulo às parcerias com universidades internacionais para criação de redes de pesquisa, garantindo a inserção dos estudantes no mundo do conhecimento científico. Em suma, uma política educacional que traduza uma visão futura de um mundo globalizado, com empresas competindo por mão de obra qualificada,na qual o Brasil se insere como país desenvolvido e sustentável.

E quais os pontos positivos desta mesma política de ensino superior?

Temos que elogiar a expansão do Fies,que já ultrapassou 1 milhão de contratos em todo o país, e o foco na ampliação do acesso ao ensino superior, com a criação do Prouni, ainda na gestão do Ministro Tarso Genro. Outro aspecto importante é o diálogo que se estabeleceu entre as entidades representativas do ensino superior e o MEC. Há divergências sobre o rumo a seguir, como é natural,mas o importante é que o MEC reconhece a importância do setor privado,que responde por cerca de 80% das vagas oferecidas, e trabalha em parceria para garantir a expansão do ensino superior,com qualidade. Como eu tenho dito,Educação é dever de toda a sociedade,não apenas do Estado, e a parceria público-privada é fundamental para garantir que os brasileiros possam ter acesso ao ensino superior. Cabe lembrar, por fim,a criação do Pronatec, para oferta de cursos técnicos, e o Ciência sem Fronteiras, que permite o intercâmbio de estudantes brasileiros em universidades estrangeiras, são outros programas do atual governo que merecem destaque e que deveriam ter continuidade.

O assunto do momento é o descredenciamento da universidade Gama Filho e da univercidade. O senhor concorda com a medida? Ou seria possível uma outra alternativa? Por que?

É sempre muito doloroso para todos os envolvidos – alunos, professores e sociedade em geral – quando o MEC decide pelo descredenciamento de uma ou mais instituiçõesd e ensino superior. Principalmente no momento em que o Brasil precisa expandi ro número de universitários. No entanto, há que se observar que tal processo não começou de repente, tendo origem nas mudanças do mercado educacional do Rio de Janeiro desde a década de 90, com forte expansão da concorrência,consequente guerra de preços e, em algun scasos, má gestão das instituições, muitas ainda geridas no tradicional modelo familiar.Acontece no setor de educação superior uma tendência que já passou pela indústria, bancos e serviços, que é o surgimento das grandes empresas consolidadoras,geridas profissionalmente, em substituiçãoàs pequenas e médias empresasde caráter empreendedor e familiar. Penso que essa crise é uma crise de crescimento do setor, que aprende a ser mais eficiente e produtivo, em linha com as novas exigências da regulação e do mercado consumidor (alunos).

Que avanços são necessários para melhorar a qualidade da educação básica?

Sem dúvida, melhorar a formação e a motivação do professor. Não há país que se desenvolveu sem ter investido em seus professores, reconhecendo a importância dessa carreira para a vida do aluno. Como comprovam as pesquisas científicas, um bom professor contribui significativamente para a futura renda do aluno, além de outros aspectos da sua cidadania. Melhor investimento não há. Aliás, a valorização da carreira docente deveria ser prioridade absoluta das políticas públicas em Educação. O resto é consequência.

Se o senhor pudesse fazer uma sugestão ao ministro da educação para o avanço da educação no país, qual seria? Por que?

Investir na formação do professor de EducaçãoBásica, pois a qualidade do ensino neste nível reflete em todos os demais. Fazer com que o professor sinta seu trabalho valorizado, dando-lhes boas condições deremuneração, de trabalho e de aprimoramento,para que possam bem formar asgerações que irão transformar o Brasil. Seique a Educação no Brasil é um problemacomplexo, com múltiplos fatores interagindono seu desenvolvimento, mas setivermos que escolher um ponto por ondecolocar nosso foco, esse seria a valorizaçãodo professor. Isso traria resultados concretosna melhoria da educação básica, comreflexos claros no ensino superior. Umasociedade que não respeita mais seus professores,como pesquisas recentes da Uni-Carioca demonstraram, não tem futuro.

O senhor também é presidente do conselho empresarial da Associação Comercial do Rio de Janeiro. Quais as principais ações que este colegiado tem colocado em prática, em prol da educação no Rio?

Nosso papel é fomentar o debate e estimularo desenvolvimento de novos negócios na área educacional em nossa cidade.Temos realizado seminários coma presença de educadores e personalidades– o mais recente foi o senador CristóvamBuarque, além de criar e divulgaro Prêmio Visconde de Mauá de Educação,que reconhece o trabalho de empreendedoresda área. No ano de 2013 foram agraciados com o prêmio a Associação Brasileira de Educação, o Museu de Arte do Rioe a Secretaria Municipal de Educação, pelo projeto do Ginásio Carioca. Foi premiado também o jovem Nathan Gorin, de 12 anos, criador de dois aplicativos de muito sucesso na área de educação. Sob a liderança do presidente Antenor Barros Leal,temos nos dedicado a sensibilizar a classe empresarial e o governo para a importância da Educação como prioridade número um em nosso país.

Quais as maiores preocupações do empresariado, em relação à qualidade da educação no país, tanto no ensino médio como no ensino superior

A qualidade e a quantidade de mão deobra preocupam muito o empresariado.Não só a falta de bons profissionais, mas também a qualidade dos atualmente existentes. Isso impede a execução de projetos de expansão e afeta o custo Brasil, devido à queda na produtividade. Temos carência de profissionais de nível técnico básico, na área de construção civil,por exemplo. Faltam também profissionais no setor de Tecnologia da Informação, essencial para o desenvolvimento.Enfim, os empresários também sofrem as consequências dos problemas educacionais,e nossa experiência recente na Associação Comercial do Rio de Janeiro mostra que esse desconforto começa a preocupar nossas lideranças. Algo precisa ser feito, e logo, para suprir esse potencial gargalo de mão de obra. Minha sugestão é que os empresários participem desse esforço de tornar a Educação a prioridade número um dos futuros governos,discutindo e debatendo em suas entidades de classe a questão, e levando suas reivindicações às classes políticas, como temos feito na ACRJ.

Estamos próximos de mais um início de ano letivo. Quais as novidades e os planos do centro Universitário carioca (Unicarioca), do qual o senhor é reitor, para 2014?

Estamos muito orgulhosos, pois os resultados do Enade no ano passado consolidaram a posição da UniCarioca como o melhor centro universitário do Rio de Janeiro, coroando um trabalho belíssimo feito pelos nossos professores e alunos. Dos cursos avaliados, tivemos cinco primeiros lugares gerais entre todas as IES do Rio de Janeiro (Ciências Contábeis,Jornalismo, Publicidade, Design e Redes de Computadores), e todos os nossos outros cursos entre os três melhores. Em 2014 queremos dar continuidade a esse trabalho, aprimorando cada vez mais a qualidade do ensino. E vamos lançar onovo curso de Engenharia de Computação,consolidando o perfil tecnológico da instituição (surgimos há 24 anos como Faculdade Carioca de Informática), contribuindo assim para que a nossa cidade continue não só maravilhosa, mas também competente e bem desenvolvida.