Enquanto parte da população se esforça para ver aspectos positivos durante a pandemia, a educação a distância (EAD) na Educação Superior tem certeza de que é uma oportunidade para consolidar o crescimento observado nos últimos anos. A modalidade é cada vez mais procurada, a ponto de estar a caminho de ultrapassar o número de matrículas do ensino presencial em 2022 – a estimativa é da consultoria Educa Insights e pode ser antecipada em função da crise causada pelo coronavírus.
“Durante a pandemia aconteceu um fato novo, que ainda não conseguimos avaliar. O ensino presencial virou remoto, e os alunos estão gostando”, observa o diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedores do Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas. Em parceria com a empresa de estudos de mercado Educa Insights, a ABMES chegou à projeção de virada dentro de dois anos. Pode haver uma aceleração nesse processo, ressalta Caldas.
Os motivos são claros. Primeiro, os alunos perceberam que é possível aprender com qualidade em casa. Passado o momento de adequação às aulas remotas, a aceitação foi satisfatória: outro estudo conduzido pela ABMES e pela Educa Insights mostra que mais de 80% dos alunos desse nível de ensino migraram para aulas a distância e, destes quase 70% aprovaram o novo modelo.
A segunda razão pela qual mais alunos podem preferir a EAD é financeira. Segundo Caldas, é preciso uma política adequada de financiamento estudantil para quem não pode ingressar no Ensino Superior. Acontece que, além de não abranger a educação a distância, esse recurso tem caído drasticamente a cada ano no modelo presencial. Com isso, a EAD segue avançando.
Geralmente, os alunos da educação a distância fazem parte do grande número de pessoas que concluem o Ensino Médio e partem direto para o mercado de trabalho. “Quando tem necessidade de ascensão profissional é que busca a graduação e, aí, procura o ensino a distância para compatibilizar a formação com o trabalho”, explica o diretor-executivo da ABMES.
Para a diretora de graduação EAD da Unicesumar, Kátia Coelho, essa procura ocorre cada vez mais cedo. “O perfil que era de cerca de 35 anos, foi para 30 e hoje é um aluno de 25 anos. Vem caindo porque, para o jovem, é muito fácil o manuseio da tecnologia, ele está cada vez mais adepto a isto. Falar de realidade aumentada e 3D é natural para eles”, acredita.
O sociólogo Simon Schwartzman, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pesquisador da área de educação, acredita que a ideia de frequentar um campus e encontrar professores e colegas vai continuar importante entre quem tem condições de fazê-lo. “Em geral, o jovem que não precisa trabalhar”, pontua.
Ele vai além e observa que grande parte das Instituições de Educação Superior (IES) tem cursos noturnos, “o que é muto ruim, não melhor do que a distância”, sustenta. O ideal, para Schwartzman, é uma rotina semipresencial, com aulas a distância e encontros para atividades em grupo e utilização de equipamentos.
Metodologia e reconhecimento
Ao longo dos anos, a metodologia dos cursos à distância foi aprimorada e, ao mesmo tempo, foi conquistando alunos e professores. Entre os grandes receios estavam, por exemplo, cursos em que a parte prática é muito importante – como nas áreas de engenharia, saúde, comunicação, chegando à gastronomia e moda. Com o ensino híbrido esse processo foi superado, e as instituições oferecem aos estudantes a utilização de simuladores, objetos de aprendizagem, atividades de realidade aumentada e construções pedagógicas que possibilitam ter uma experiência de imersão.
A criação de espaços que replicam o mercado é outra forma de aprimorar a formação a distância. Na Unicesumar, o curso de moda promove exposições com coleções desenvolvidas pelos alunos. Eles criam os croquis, modelagem, definem tecidos e confeccionam as peças. “O aluno coloca a mão na massa”, garante Kátia Coelho.
O reconhecimento dos cursos EAD, outra preocupação dos alunos, também vem sendo desmistificado. À medida que o mercado absorve os egressos dessa modalidade e o desempenho é satisfatório, cai a desconfiança. A razão, segundo Kátia, é que o modelo de aprendizagem carrega nuances importantes para a carreira. “O curso EAD desenvolve nos alunos uma coisa fundamental, que é a autonomia do aprender. O mercado hoje reconhece. O preconceito ainda existe, mas já foi rompido”, afirma.
As instituições precisam agir rápido para quando a pandemia acabar e a economia der os primeiros sinais de retomada. “Quem ainda não se credenciou está perdendo tempo. E quem já tem precisa ficar atento ao movimento do mercado, para não dar oportunidade ao aluno de desistir ou trocar de instituição”, analisa Sólon Caldas.
De fato, a tendência é que, com maior demanda, a concorrência aumente, requisitando investimento em planejamento e formação. Para Kátia, da Unicesumar, uma estratégia de montagem de EAD inclui conhecer as instituições de sucesso na área e investir em especialistas para pensar nos processos.
Um dos pilares desse investimento deve ser no corpo docente. Segundo ela, é comum que professores de cursos presenciais simplesmente travem quando o microfone e a câmera são ligados. Como saída, é preciso promover formação diferenciada, que inclua recursos tecnológicos para participar de lives, criar links e compartilhar arquivos, por exemplo.
Os materiais também precisam de uma formatação específica. Adaptar o que já é distribuído em aulas presenciais pode não ser suficiente, pois não aciona recursos essenciais para a experiência de imersão que, no caso da EAD, dependem da tecnologia. É o caso de demonstrações virtuais, por exemplo: muito se fala que a educação a distância pode levar os alunos a lugares de todo o mundo ou a grandes empresas sem sair de casa, mas isso depende fundamentalmente da tecnologia e da linguagem aplicadas.
Para as instituições, a grande vantagem é a chance de ganhar escala no número de alunos com o mesmo investimento na elaboração das aulas. Essa preparação, no entanto, exige um aporte inicial, mas que compensa à medida em que as turmas aumentam. Nos modelos semipresenciais a presença de tutores garante a orientação necessária, enquanto os responsáveis pelo conteúdo podem ser nomes consagrados.
Outro fator é o espaço físico, já que os alunos não ocupam nenhum prédio. E esta é a primeira vantagem também para eles: sem perda de tempo com deslocamento, economia de recursos e comodidade de estudar em casa, onde quiserem.
Planejamento e capacitação
A Factum, de Porto Alegre, lançou mão da expertise com cursos semipresenciais para se adaptar ao período de pandemia. A receita seguiu alguns dos passos já mencionados por Kátia, da Unicesumar: o planejamento ficou por conta de um comitê instituído com a finalidade de implementar aulas remotas por meio de um ambiente virtual com atividades síncronas (ao vivo) e assíncronas (materiais como slides e artigos).
Com a metodologia definida, a instituição apostou na capacitação e no acompanhamento dos docentes. Com o prazo apertado, optou pelo desenvolvimento permanente e aplicado à nova realidade: eles receberam capacitação técnica formal para acesso e interação nas plataformas. Já no decorrer das atividades, contaram com a oferta de minicursos, momentos de aprendizagem denominados pela instituição de Pílulas de Conhecimento.
“Sabíamos da importância de capacitar os professores, mas não tínhamos tempo para planejar e executar todos os treinamentos necessários. Então optamos por ministrá-los de forma prática e na medida em que a necessidade aparecesse”, explica a diretora administrativa da Factum, Barbara Nissola.
No campo da gestão, a Factum aplicou instrumentos de avaliação para verificar o grau de satisfação dos alunos. Nos primeiros 30 dias, 65% consideraram a experiência positiva e 93% reconheceram o esforço dos professores em função da pandemia. Por outro lado, quase 20% não conseguiram acessar as aulas remotas e, destes, quase 70% relataram problemas de infraestrutura (com internet ou equipamentos).
Ao término do semestre, no entanto, a aprovação das soluções encontradas superou os 80% e o reconhecimento aos docentes chegou a mais de 94%. “Aprendemos que não importa se é presencial ou virtual: em qualquer modelo, é preciso que os estudantes tenham a experiência do aprendizado”, conclui Barbara.