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As redes de cooperação como promotoras de transformação digital na Revolução 4.0

15/10/2020 | Por: Estadão | 1757
Foto: ABMES

A Segunda Guerra Mundial deixou diversas nações em ruínas e é um dos últimos episódios ainda vivos na memória dos terráqueos que fez com que a humanidade refletisse sobre a necessidade de cooperação global, culminando com a criação da Organização das Nações Unidas para perseguir a paz dali em diante. Recentemente, arrefecidos os bombardeios e suas memórias, a preocupação com o poder das inteligências artificiais, com a preservação dos dados nacionais, com a migração de refugiados e com a falta de recursos para todos desencadeou movimentos nacionalistas pelo mundo, como o Brexit, a construção de muros em fronteiras e também de muros invisíveis a olho nu, mas que impedem o diálogo e nos conduzem em uma direção antidemocrática e anti-solidária.

Paradoxalmente, com a pandemia provocada pela Covid-19, todos foram obrigados a fechar as fronteiras e as portas e, ao mesmo tempo, se unirem para desenvolver pesquisas na tentativa de evitar o colapso da humanidade. Os recursos digitais, antes presentes de uma forma um pouco menos intensa, se tornaram a única saída para continuidade do trabalho, dos estudos e das conexões com a família e os amigos.

Estamos, definitivamente, na 4ª Revolução Industrial. Aquela construída sobre a revolução digital e atentada pelo presidente do Fórum Econômico Mundial (FEM), Klaus Schwab, no livro “A Quarta Revolução Industrial”. Fato notório é que as novas tecnologias estão desencadeando mudanças sem precedentes em um ritmo exponencial, global e de forma não linear, e a pandemia acelerou ainda mais esse processo. O FEM e diversos cientistas, filósofos, futuristas e autores do tema chamam a atenção para a necessidade de nós, os seres humanos, tenhamos o protagonismo em conduzir as transformações para o bem de toda a humanidade no futuro e não tem espaço mais profícuo para isso do que no ambiente educacional.

É importante enfatizar que a tecnologia é uma ferramenta a serviço do homem. Por maior que seja a sua capacidade de aprendizado, não é ela quem está no comando… Nós é quem definimos para o que ela será usada e precisamos tomar as rédeas e assumir a governança desse processo, assim como definir os valores que o orientarão.

Nesse contexto, está nítido que a transformação digital e a mudança de cultura são questões de sobrevivência de todas as instituições de ensino e da humanidade. A seguir, mostrarei como elas podem ser grandes aliadas (e aqui não estou falando em contraposição ao “Eixo”).

Uma pesquisa promovida pelo Instituto Crescer com 528 professores de educação básica e do ensino superior, atuantes em instituições públicas e privadas, revelou que os docentes reconhecem a importância do apoio dos seus pares no enfrentamento das dificuldades que surgiram, como por exemplo, a utilização dos recursos tecnológicos, o compartilhamento de experiências de sucesso e de frustrações, o que promove o aumento da união e da cooperação entre eles. As entrevistas foram realizadas entre 1º e 17 de setembro.

É interessante observar como a tecnologia, ainda obscura para alguns, possibilitou a conexão e a interação humana (professor/professor, professor/aluno e aluno/aluno) tendo como mote justamente a busca por compreender o seu funcionamento, o que gerou a partilha de conhecimentos que puderam auxiliar o professor a estabelecer novas práticas pedagógicas e metodológicas a fim de engajar os alunos. Nessa situação, o que vemos é que as tecnologias digitais foram articuladas enquanto relações comunicacionais que permitiram aos docentes compartilhar suas experiências e propor novas práticas para atendas às demandas contemporâneas.

Apropriar essa experiência enquanto uma cultura de conexão por parte do docente é de grande relevância no processo de ensino e aprendizagem, pois, sendo o articulador e mediador do processo de construção de conhecimento, torna-se possível a criação de uma cultura de convergência e conexão com os alunos reforçando a criação de redes de colaboração enquanto “lugares” de aprendizagem. A pesquisa mencionada evidenciou também a necessidade de formação dos docentes para lidar com recursos tecnológicos de forma mais estruturada. Pensando em encorajar os docentes a desenvolverem novas parcerias e colaborações acadêmicas, a NY6 (New York Six Liberal Arts Consortium) lançou um programa de bolsas por meio de uma rede de cooperação.

As redes de cooperação são um modelo de organização empresarial difundido em diversos países, e no Brasil, se caracterizam pela união de empresas de um mesmo setor que permanecem legalmente independentes e compartilham recursos para alcançar um objetivo comum. Na seara da Educação Superior, a título de exemplo, a cooperação pode se dar no âmbito de projeto de colaboração e inovação, compartilhamento de conhecimentos e pesquisa, criação de fundos para diversas finalidades, ações para redução de custos etc. A atuação em rede promove a redução das desigualdades, o crescimento sustentável, principalmente para instituições pequeno e médio porte.

No âmbito da educação superior, durante a pandemia, há vários relatos de consórcio de IES para aquisição de serviços e produtos por um custo inferior e para doação de equipamentos a alunos carentes, a fim de viabilizar a participação destes nas atividades remotas, que substituíram as atividades presenciais no Brasil. Nesse sentido, as redes de cooperação demonstraram, mais uma vez, ser poderosas ferramentas para lidar com as adversidades.

Todos que se dedicam à educação, em especial os professores, têm papel determinante no desenvolvimento sistêmico da sociedade e no futuro coletivo global, e essa liderança tem o papel de ensejar o diálogo e a cooperação, de modo a inspirar os outros a trabalhar em conjunto, a desenvolver plataformas colaborativas, que busquem gerar mudanças positivas, sustentáveis e sistêmicas.