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Especialistas esclarecem aplicação do teletrabalho no ensino superior presencial e a distância

28/02/2012 | Por: ABMES | 4691

Com o advento das tecnologias utilizadas para o ensino a distância e nas atividades realizadas fora da sala de aula por professores do ensino presencial, torna-se comum a incorporação de novas atribuições à rotina dos profissionais da educação. Monitorias a distância, consultoria via redes sociais e até mesmo o tempo gasto para correção de provas e elaboração de aulas passam a gerar questionamentos sobre os direitos do educador que passaria tempo extra a serviço da instituição.

Após a alteração do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a partir da publicação da Lei nº 12.551, em 15 de dezembro de 2011, o vínculo empregatício e a subordinação do teletrabalhador passam a ser efetivamente reconhecidos. Para discutir a aplicação do artigo 6º e esclarecer pontos cruciais sobre o uso das leis trabalhistas na educação a distância, a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) realizou em 14 de fevereiro, em Brasília, o seminário “Direitos trabalhistas na era digital: o que muda com a Lei 12.551/2011?”.

Com o objetivo de avaliar diretrizes para a adequação à esta nova realidade, reuniram-se os professores Nelson Mannrich, da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Academia Nacional de Direito do Trabalho; José Roberto Covac, especialista em Direito Educacional e consultor jurídico da ABMES e do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, e Fredric Litto, Presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) e professor da USP. Antonio Carbonari Netto, diretor técnico da ABMES e presidente do Conselho de Administração da Anhanguera Educacional, coordenou a mesa de discussões, presidida por Gabriel Mario Rodrigues, presidente da ABMES.

Entre os principais desafios levantados durante as discussões está a necessidade de determinar, a níveis contratuais, a jornada, as atividades exercidas pelo trabalhador (inclusive as remotas) e o uso de mecanismos de gerenciamento, como celulares e e-mail. Além disso, acordos coletivos estabelecidos junto aos sindicatos regionais são uma alternativa viável para esclarecer a aplicação da CLT.

Confira os principais  pontos de discussão levantados durante o seminário “Direitos trabalhistas na era digital: o que muda com a Lei 12.551/2011?”:

Hora extra e o atendimento a alunos

O trabalho (seja ele remoto ou não) é configurado pelo tempo que se está à disposição da empresa. Como explica Nelson Mannrich, a carga horária externa não deve estar baseada na eventualidade. “Uma conversa informal com os alunos não seria categorizada como hora extra, não se trata de atendimento oferecido pela instituição”, explica. “Se a instituição determina um horário fixo no tempo de serviço do professor para ofertar monitorias ao aluno, então passa a ser tempo efetivo de serviço”, diz Mannrich.

“Sempre entendi o atendimento aos alunos como dedicação inerente à atividade do professor. Mas os direitos trabalhistas não entendem a boa fé como pré-requisito contratual”, comenta o professor Nelson. Dessa forma, cabe à instituição esclarecer os limites do serviço prestado pelo educador. “Se a escola quer que o professor utilize chat para atender alunos, isso deve ser feito em horário de trabalho e de forma remunerada”, explica. Para o especialista, a escola poderá, em contrapartida, exigir que o profissional entregue relatórios que mostrem a efetividade e resultados do trabalho extraclasse.

Segundo o especialista em direito educacional, José Roberto Covac, não é considerada hora extra o tempo que o professor passa trabalhando de forma acordada com a instituição e sendo remunerado. “Em São Paulo, por exemplo, foi estabelecido, em acordo coletivo, que se o professor aceita participar de orientação, de uma comissão de avaliação ou em módulo de pós-graduação, por exemplo, ele será remunerado pelas horas trabalhadas, sem os adicionais de hora extra”, lembra Covac.

Com relação às atribuições do educador, ele analisa: “As atividades de ensino são extremamente dinâmicas. Se o MEC publica uma portaria em véspera de feriado, como vou dizer ao ministério que não vamos trabalhar em cima dela?”, ressalta. Ele completa ainda: “a pós-graduação vive dificuldades ainda maiores por conta das limitações para a contratação e aplicação de banco de horas. Nesse sentido, sentimos a desatualização das leis trabalhistas com relação a algumas realidades vividas no ensino superior. Precisamos compreender formas específicas de aplicá-las em cada situação e estado”.

Gestão de horas do educador

O principal desafio das instituições particulares é fazer com que se estabeleçam critérios e que esses sejam cumpridos, de forma clara. É o que explica Covac: “Percebemos, nas reclamações trabalhistas, a vulnerabilidade pela falta de controle e a falta de participação das partes. Algumas faculdades determinam tempo de trabalho fora da sala de aula para cumprimento de outras atividades acadêmicas, mas, por outro lado, não conseguem regular o que é produzido. Quando se observa o contrato de trabalho, não há nenhuma definição de quais são as atividades que o educador ou tutor precisa desempenhar”, analisa.

Covac enfatiza que a regulamentação é positiva para todas as partes. “Quando se sabe os limites, é bom para o professor e para o aluno. A mesma coisa vale para a hora extra. Se não tiver o controle, não há como aplicá-la”, defende. “É curioso ver como, a meu ver, parece não existir gestão de RH para professores em grande parte das escolas. Fica a impressão de que as regras se aplicam somente aos demais funcionários”, alerta.

Covac lembra que os artigos 12 e 13 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determinam que cabe ao professor ministrar os dias letivos e estabelecer estratégias para o melhor rendimento do aluno. Porém, ele aponta que “algumas instituições não conseguem administrar problemas sutis como a falta do professor e a aula que deixa de ser dada. É preciso acompanhar mais de perto as atividades do professor, dentro e fora da sala de aula”, afirma o advogado.

Aplicação de horas extras vs. Contratos de trabalho

Gestores educacionais presentes no Seminário ABMES questionaram a mesa debatedora sobre a aplicação de horas extras mesmo em casos onde está determinada, contratualmente, uma carga horária específica para atendimento de alunos e trabalho remoto on-line. Para os especialistas, o primeiro passo para solucionar questões ligadas a essa aplicação de hora extra nesses casos é consultar as convenções coletivas de trabalho e legislação específicas para cada estado.

“Em Minas Gerais, por exemplo, algumas atividades realizadas pelo educador são compreendidas de forma diferenciada, como a avaliação e a supervisão de estágio. A hora atividade e hora extra são aplicadas de formas específicas”, explica José Roberto Covac.

O especialista reforçou a importância da gestão efetiva do trabalho acadêmico, lembrando que é um interesse da instituição. “Se o professor realizar aquilo para o qual ele efetivamente foi contratado, a partir do programa de trabalho que ele tem que cumprir, a instituição tem como compreender e demonstrar o que é feito dentro da escola no momento da avaliação [realizada pelo Ministério da Educação]”, analisa Covac.

Tecnologia a favor do trabalho

Outro questionamento levantado durante o seminário diz respeito ao uso de novas tecnologias no trabalho a distância. Trazidas para as instituições de ensino superior com a finalidade de tornar mais ágil o dia a dia, ferramentas como e-mail corporativo disponibilizado para uso em celulares smartphones e tablets geram dificuldades para a gestão da carga horária realizada fora do ambiente de trabalho, seja ela acordada com a instituição, hora extra ou trabalho executado sem permissão.

A preocupação de gestores educacionais em se adequar aos parâmetros da CLT evitando-se abusos foi uma das principais questões levadas aos especialistas. “Caso a instituição veja a necessidade, é possível proibir que se use os celulares e outras ferramentas longe do ambiente de trabalho ou em horário em que o teletrabalhador não esteja executando suas tarefas”, aconselha Nelson Mannrich.

“Se eu não estabeleço formas de controlar o trabalho do meu empregado, ele terá como reclamar essas horas não combinadas. Por isso é importante deixar tudo pré-estabelecido”, diz. “Se ele realmente fez horas extras, deverá ser devidamente pago. Mas é importante deixar claro que não serão permitidas atividades fora das estabelecidas”, orienta Mannrich.

Por outro lado, o especialista acredita que não é viável proibir que o funcionário se desligue totalmente ao sair do trabalho. “Não há como proibir a eventualidade. Se o chefe precisa entrar em contato com seu funcionário para tirar uma dúvida, não pode ser um ato passível de punição ou cobrança de hora extra”, enfatiza.

Um outro critério importante deve ser deixado claro no momento da contratação: como proceder quando o professor cria ferramentas próprias para atendimento a alunos? Cabe à instituição prever esse tipo de processo. “Caso não esteja determinado em contrato, o profissional não poderá exigir remuneração por espontaneamente ter criado uma rede social, por exemplo, como canal de apoio aos alunos. Se for o caso, proíbe-se o exercício de novas atividades, a fim de garantir a segurança de ambas as partes”, explica Nelson Mannrich.

Atribuição de horistas

Em algumas instituições, profissionais contratados em modalidade “horista” acumulam atribuições, dentro e fora das dependências da escola. “Se o professor foi contratado para ser horista e está desempenhando outras atividades, sendo elas exigidas pela empresa, fica evidente que está cumprido outra carga de trabalho”, defende Nelson Mannrich. “O professor que desempenha atividade de extensão à classe por obrigatoriedade poderá comprovar que estava à disposição da empresa. Nesse sentido, é de extrema importância que o contrato de trabalho esclareça as atribuições do professor horista e que elas sejam seguidas”, afirma.

Tutores on-line

Um tutor que permanece on-line para atender demandas de alunos deve receber hora extra ou um valor fixo? “Quando o professor executa horas de trabalho comprovadas e efetivas além da carga horária, certamente a Justiça do Trabalho vai compreender o serviço prestado como hora extra”, explica Nelson Mannrich.

Ele analisa que é compreensível que a definição genérica gere problemas dentro das instituições. “A forma ideal para que esse tipo de questão seja resolvido é propor, em cada região, a negociação coletiva”, diz. Fechadas em conjunto com sindicatos, as negociações passam a ser vistas pela Justiça com transparência. “É um instrumento hábil para determinar como o trabalho no ensino a distância será executado de forma justa para empregados e empregadores”, reforça Mannrich.

Um dos exemplos citados foi o do Estado de São Paulo, onde uma das duas convenções aplicadas aceita que práticas educacionais realizadas por meios eletrônicos fizessem parte dos 5% destinados às atividades extraclasse.

Hora aula

Estudo levantado pela Covac Educacional, assessoria jurídica especializada no setor educacional, verificou que as instituições aplicam critérios para contratação de profissionais de ensino a distância e para pagamento de horas tecnológicas de formas diferenciadas. “Não há uma uniformização ou orientação e os sindicatos também divergem”, afirma José Roberto Covac, responsável pelo órgão jurídico.

Um dos maiores desafios para uniformizar a aplicação desse tipo de regra é primário: compreender o que é a hora aula e descrevê-la de forma correta. “É preciso enxergar exatamente as horas que o profissional passa em sala e aquelas pra atendimento, coordenação, correção de provas e elaboração de aulas”, explica Covac. “As instituições que dispõe de professores em regime integral devem aproveitar esses profissionais que ficam à disposição para atividades extraclasse. Os problemas ocorrem na gestão dessa jornada. Quando não há clareza, são contratados novos profissionais que acabam por acumular funções”, defende.

Controle de jornada

Algumas instituições adotam modelos onde professores com carga horária integral e pesquisadores são nomeados em ato especial, sem controle de jornada de trabalho. Nesses casos, há a aplicação de hora extra? O professor Nelson Mannrich explica que apenas em dois casos pode-se excluir o controle de jornada.

“Está excluído do controle da jornada de trabalho quem executa trabalho externo. Não é o caso de alguém que está em casa e é permanentemente controlado pelo gestor. O segundo excluído é o chefe ou gerente”, explica. “Para qualquer outro caso, deve haver controle da jornada e, da mesma forma, há hora extra”, diz. “No entanto, precisamos observar como a empresa caracteriza o serviço prestado. Se na minha escola não cobro horas de trabalho e sim resultado, como posso enxergar as horas extras? Elas deixam de existir nesses casos específicos”, explica Mannrich.

 

Seminários ABMES

Os documentos apresentados, bem como os arquivos de áudio e vídeo do seminário “Direitos trabalhistas na era digital: o que muda com a Lei 12.551/2011?” estão disponíveis no portal da ABMES (www.abmes.org.br).

Confira também no portal documento elaborado pelo consultor jurídico José Roberto Covac com orientações básicas para as entidades mantenedoras, em função da aplicabilidade da lei, em especial para professores e auxiliares de administração escolar.


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ABMES vai realizar no dia 14 de fevereiro o seminário "Direitos trabalhistas na era digital: o que muda com a Lei 12.551/2011?". Especialistas e estudiosos do tema vão discutir as questões conceituais que embasam as alterações no artigo 6º da CLT e examinar seus impactos no ensino presencial e no ensino a distância. As inscrições são gratuitas para associados.

14/02/2012

Legislação

LEI Nº 12.551, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2011

Altera o art. 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto- Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos.