O número de calouros em cursos superiores à distância, o EAD, superou o de presenciais no Brasil em 2019. Foram mais de 1,4 milhão de alunos no EAD, 52% do total, segundo projeção da consultoria educacional Atmã Educar. Em 2013, essa parcela era de 22%. A expansão desse tipo de ensino tem mudado as estratégias de grandes universidades privadas.
A aposta é na mescla de aulas on-line e presenciais — o chamado modelo híbrido. Em paralelo, o avanço do EAD e dos sites de comparação de preços de cursos superiores aumentou os descontos nas mensalidades e a concorrência.
Por trás do crescimento no ensino à distância estão mudanças na economia brasileira, como a alta no desemprego após 2014, que reduziu a renda de universitários para custear a mensalidade do curso presencial, e o endurecimento das regras do Fies, programa do governo federal de financiamento estudantil para o ensino superior.
Além do dinheiro mais curto do Fies, o Ministério da Educação (MEC) ampliou o acesso ao EAD. Há dois anos, a simplificação das regras para abertura dos polos de ensino à distância dobrou o número dessas unidades — hoje são mais de 12 mil. Em dezembro de 2019, o ministério deu mais um impulso ao dobrar o limite de aulas on-line para 40% da grade de cursos presenciais, com algumas exceções
— Em até três anos, a maioria dos universitários, em todas as fases da graduação, vai estar aprendendo via EAD — diz o consultor Romário Davel, fundador da Atmã Educar.
As principais universidades privadas adotam estratégias diferentes para lidar com o avanço do ensino à distância. Na Cogna, dona da Kroton, maior rede privada do país, a tendência deu margem a novos negócios. A Platos, um braço da empresa para tecnologias educacionais que até agora vinha atendendo apenas a unidades educacionais da Cogna, vai vender conteúdos de EAD a terceiros.
— Muitas universidades pequenas querem oferecer 40% dos conteúdos à distância, mas não têm tecnologia. Vamos atender à demanda — diz Rodrigo Galindo, presidente da Cogna, que projeta alta de 30% na receita da Platos em 2020.
Modelo híbrido
O futuro é a mistura de aulas presenciais e on-line, o chamado modelo híbrido, diz Fábio Figueiredo, diretor de planejamento da Cruzeiro do Sul Educacional, faculdade paulistana com mais de 130 mil alunos, dos quais 70% no ensino à distância.
— O ensino presencial não vai desaparecer, porque não dá para tirar do aluno o convívio com colegas, mas uma parte das aulas pode ser on-line — diz Figueiredo.
De 2017 para cá, a Cruzeiro do Sul multiplicou por dez o número de polos para as teleaulas (hoje são mais de mil, espalhados em 600 cidades), e tornou-se a quarta maior universidade privada do país em alunos.
Os cursos híbridos também são o foco na Laureate Brasil, sexta maior rede privada do país e dona de marcas como FMU e Anhembi Morumbi. Apesar disso, o diretor acadêmico da empresa, Filipe Ramos Barroso, vê com cautela a permissão do MEC para uma carga horária de até 40% on-line.
O avanço da teleaula
Em 2019, o ensino superior a distância (EAD) deve ultrapassar o presencial em matrículas atraindo alunos com praticidade e descontos.
— Há vários movimentos pelo Brasil demonstrando resistência a essas mudanças. O assunto ainda vai gerar discussões — diz ele.
Por via das dúvidas, a estratégia na Anima Educação, dona da marca São Judas, é apostar na liberdade de escolha do aluno.
— Nossa plataforma on-line replica todos os cursos presenciais, e o estudante decide — diz Cristovam Ferrara, diretor nacional de vendas da Anima, que é a décima maior universidade privada do país em participação de mercado.
Na Ser Educacional, oitava maior do país e líder nas regiões Norte e Nordeste, a expectativa é que o ensino à distância cresça para além dos cursos em que essa plataforma já é a preferida dos alunos, como Pedagogia e Administração.
— Mesmo na área da saúde, onde há uma forte carga horária presencial, é possível colocar carga teórica na internet — diz Enzo Moreira, diretor de EAD da Ser.
Para além da maior adoção dos estudantes ao ensino à distância, as principais universidades privadas preveem uma expansão do EAD por causa da proliferação de sites para descontos de até 80% nas mensalidades. Hoje, há pelo menos dez deles em funcionamento no país. A expansão do Quero Bolsa, um dos principais, demonstra a força desses sites para a tomada de decisão do futuro universitário. A audiência anual do site gira em torno de 75 milhões de visitantes. Há cinco anos, esse número era de um milhão.
— A meta é chegar a cem milhões em 2020 — diz Pedro Balerine, diretor do Quero Bolsa.
A relevância dos comparadores de preço e a disputa acirrada das empresas por alunos vêm aumentando a presença de alunos bolsistas na rede privada. Atualmente, sete em dez estudantes pagam mensalidades com desconto. Em 2016, só metade tinha o benefício. Nos últimos cinco anos, dobrou a renúncia de receitas por causa das bolsas — hoje, em média, as universidades deixam de ganhar 35% do que poderiam diante dos alunos que têm. Nesse cenário de concorrência acirradíssima, os cursos de EAD, mais baratos que os presenciais, devem ganhar ainda mais espaço, diz Davel, da Atmã Educar.
Na visão da ABMES, Associação das Mantenedoras de Ensino Superior Privado, a concorrência aberta pelo avanço doEAD é uma realidade não só no Brasil como no mundo inteiro.
— Sem o auxílio dessas ferramentas digitais, milhares de pessoas não conseguiriam realizar o sonho de ingressar no ensino superior, ou mesmo de fazer uma nova graduação — diz Celso Niskier, diretor presidente da ABMES.