Detalhe

Diplomas de 1,6 milhão de estudantes ameaçados pela Reforma Tributária

21/12/2020 | Por: Estado de Minas | 2857
Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press Luana Ferreira, de 19 anos, fala sobre importância do Fies

Depois de aumentar oportunidade para mais de 1,2 milhão de brasileiros entrarem na universidade nos últimos anos, o país corre o risco de regredir a patamar pior que o de 10 anos atrás, quando apenas um quarto da população em geral e 13% dos jovens entre 18 e 24 anos tinham acesso ao ensino superior.

A reforma tributária (Projeto de Lei 3.887/2020), em tramitação em Brasília, pode decretar o fim do maior programa educacional do país, o Universidade para Todos (ProUni), voltado para quem não tem condições de pagar os estudos. Além do risco de onerar o setor, com provável aumento de mensalidades. 

Somado à falta do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que também depois de viver seus dias de glória está agora à míngua, o setor privado, responsável por nada menos que três quartos das matrículas nessa fase do ensino, prevê a debandada de 1,6 milhão de estudantes da graduação nos próximos 10 anos. Em Minas, somente no ano que vem, cerca de 346 mil estudantes devem pleitear uma cadeira em universidades particulares.

A educação particular no país concentra 15,5 milhões de alunos, sendo 9,1 milhões no ensino básico (20% do total do país) e 6,5 milhões no superior (75% do total). Na base de cálculo dos tributos das instituições privadas do ensino básico ao superior estão o PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e imposto de renda de pessoa jurídica.
 
Na matemática atual, estão isentas desse bloco de tributos parte das instituições que oferecem bolsas do Prouni, no caso do ensino superior. O PL 3.887/2020 faz cair por terra esse acordo, ao retirar da cesta o PIS/Cofins, cuja alíquota varia de 0% a 3,65%, e substituí-lo por uma nova contribuição sobre bens e serviço, a CBS, de 12% (o que atinge todo o setor de educação privada).

Com isso, calculam as instituições, quem não pagava os 3,65% terá que arcar com 12% (inclusive as classificadas como “sem fins lucrativos”), a serem prontamente repassados para as mensalidades. “Não será interessante oferecer as bolsas sem a contrapartida”, avisa o diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas. “Instituições sem finalidade lucrativa que não pagam impostos vão passar a pagar a CBS. Antes, ofereciam bolsa, mas não tinham o peso do tributo. Agora, terão incentivo zero. E as com fim lucrativo que pagavam 3,65% com as bolsas, pagarão agora 12%”, explica. 

A previsão de impacto é de aumento de até 11% em mensalidades de escolas e faculdades. De acordo com o setor privado, o peso da Reforma Tributária recai especialmente sobre as classes média e baixa, com renda familiar per capta de até R$ 3.145. Tanto no ensino superior quanto no básico, 89,6% dos alunos têm renda familiar per capta inferior a esse valor, sendo que 47,3% do total têm vencimentos de até R$ 1.045. 

Na graduação, as instituições oferecem hoje 532,3 mil bolsas do Prouni, sendo 412,7 mil integrais e 119,6 mil parciais. “Enquanto um estudante do ensino superior público gera um ‘gasto orçamentário’ de R$ 28,6 mil por ano, o estudante do Prouni representa um ‘gasto tributário’ de R$ 4,6 mil por ano (valor que se deixa de arrecadar em impostos). Por 16% do custo, forma-se pelo Prouni um estudante com índices de performance equivalente no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes)”, afirma nota técnica produzida pela Abmes, Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) e outras instituições do setor.
 
A estimativa é de que, se aprovada a reforma nos moldes propostos, faculdades, universidades e centros universitários percam, de imediato, 322.282 alunos – 161.465 deles por causa de reajustes e outros 160.816 que abandonariam o sonho do diploma sem o benefício do ProUni. Nos próximos 10 anos, levantamento aponta que 1,3 milhão de brasileiros deixariam de ingressar na graduação em instituições privadas, totalizando 1,6 milhão de pessoas privadas de acesso ao diploma de ensino superior. “O ProUni é a oportunidade para os menos favorecidos cursarem uma medicina, por exemplo, cuja mensalidade pode chegar aos R$ 10 mil”, afirma Sólon Caldas.

Fies

Aos desajustes do Prouni se soma um outro fator-chave para o ingresso no ensino superior: o Fundo de Financiamento Estudantil, fadado a fechar apenas 54 mil contratos a partir do ano que vem, conforme normatização do Planalto. O Fies teve seu auge em 2014, quando alcançou 731 mil contratos. Em franco declínio, chegou ao patamar de 85 mil ano passado e, para este ano, não deve passar dos 80 mil.

“São 100 mil vagas oferecidas com recurso público, mas 20% ficam sem preenchimento devido às condições de acesso”, afirma o diretor da ABMES. “Quem paga mensalidade no limite financeiro não vai suportar, vai evadir e, com isso, cada vez mais o país aumenta sua desigualdade social, que já é absurda. As únicas portas de entrada da população de menor renda (à universidade) são Prouni e Fies. São duas políticas de sucesso que democratizaram o acesso ao ensino superior. Sem eles, a graduação voltará a ser algo só de classe rica”, diz.  

A quantidade de brasileiros a cursar a graduação saiu do patamar de 26%, em 2010, para 37,4% nove anos depois, conforme dados do Censo da Educação Superior. No mesmo período, o número de universitários entre 18 e 24 anos (idade correta para essa etapa acadêmica) subiu de 13% para 21,4%. 

De acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE), o Brasil deveria ter 50% de sua população total nas universidades até 2024 e 33% dos jovens com até 24 anos. Com o golpe duplo no Prouni e no Fies, levantamento feito pela Abmes em parceria com a empresa de estudos educacionais Educa Insight projeta que as metas só possam ser cumpridas quase duas décadas depois, em 2041.

Problema para as próximas gerações

“Se não tivesse o Prouni, provavelmente eu não estaria estudando”, afirma a estudante do 6º período de jornalismo Luana Ferreira Silva Souza, de 19 anos. “Procurei o ProUni porque eu não queria fazer UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), mas também não tinha condição alguma de pagar pela graduação em nenhuma universidade, muito menos na PUC Minas, que escolhi. Estudei muito durante o ensino médio, porque dinheiro para cursinho também não tinha. Era eu por mim mesma e se não desse conta, ficaria sem estudar.”

Luana é a primeira de uma família simples de um distrito de Governador Valadares, no Leste de Minas, a fazer curso superior. A mãe, auxiliar de serviços gerais numa escola estadual, terminou o ensino médio apenas em 2013. O pai, com o mesmo nível de escolaridade, é funcionário do serviço de zoonoses. Foi na localidade de 2 mil habitantes que ela também concluiu a última etapa da educação básica e estudou muito para ter boa nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e pleitear a bolsa integral do Prouni.

“Em Belo Horizonte, tenho que arcar com aluguel, gasto de casa e as outras despesas da universidade. Se ainda tivesse de pagar a mensalidade, não daria conta”, relata. Ela diz que desde a mudança de governo teme o futuro de programas como o ProUni e o Fies. “Há um medo constante (dos alunos) de perder essas portas de acesso (à graduação) e quando vemos certas medidas sendo tomadas, percebemos que o temor não é infundado”, diz.

Para a jovem universitária, o futuro das próximas gerações é incerto. “Acredito que mesmo a reforma sendo aprovada rápido não haverá consequências para quem já está terminando o curso. Mas minha irmã, que está no ensino médio, e tantos outros que precisam desse tipo de apoio não vão conseguir”, afirma. “Meus pais fizeram de tudo para me incentivar e, não fosse por esse caminho, sabem que não conseguiriam me bancar numa faculdade.” 

O temor da universitária está em sintonia com as estimativas das mantenedoras de instituições privadas, segundo as quais não só não haverá ingresso de alunos, como deve haver uma evasão em massa dos já matriculados. E o baque no bolso dos estudantes poderá ter consequências mais amplas, se o cenário imposto pela reforma tributária se configurar, com instituições de pequeno porte, que atendem a determinadas regiões, correndo risco de fechar as portas. 

Em 2018, o Censo da Educação Superior contabilizou 229 instituições públicas e 2.238 privadas no país. Em Minas, universidades, faculdades e centros universitários particulares somam mais de 300. O grande erro, na opinião do direto-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas, é o Brasil passar a enxergar o financiamento estudantil como rombo fiscal, como despesa.  

“Em um país em que o ensino superior é eminentemente privado, o governo tem que ter uma política pública de financiamento que atenda às necessidades. A Constituição diz que educação é dever do estado e direito de todos, mas o Ministério da Economia passou a tratá-la como rombo e adotou o discurso da inadimplência no Fies”, relata. 

“O Serasa anunciou antes da pandemia 63 milhões de brasileiros inadimplentes. Não era por causa do Fies, mas da conjuntura, dos 12 milhões de desempregados”. afirma. “O aluno contraiu o financiamento, mas não tinha emprego, não tinha condição de pagar. Não pagava financiamento, nem água nem luz. Mas o governo preferiu adotar o discurso de que o Fies era o culpado do rombo que existia no país.”

Escolas falam em risco de “apagão”   

Sólon Caldas ressalta que, com a reforma proposta, o governo põe em xeque a estrutura educacional do país. “A estrutura do ensino superior é sobretudo privada. Se a põem em xeque, acaba com a educação. Como o brasileiro vai estudar, se o governo não tem capacidade de absorver esse contingente?”, questiona.
 
A educação básica e a superior privada desoneram o governo em R$ 225 bilhões por ano, de acordo com o setor. “Se todo mundo que estuda nas particulares fosse para as públicas, o Estado teria que arcar com esse valor. No ensino básico, há possibilidade de deixar a escola particular e passar para a pública. No ensino superior, não. Ou o aluno permanece e arca, ou evade, porque na universidade pública não tem vaga suficiente.”

Ele lista ainda o risco de um “apagão” de mão de obra. “Quem perde com tudo isso é o país. Hoje, o governo não sente o impacto, mas daqui cinco anos, tempo médio de formação da graduação, haverá falta de profissionais qualificados no país, porque não tem alunos ingressando. Logo, haverá impacto grande no desenvolvimento.” 

O Estado de Minas questionou o Ministério da Educação sobre os argumentos das mantenedoras da educação privada mas, até o fechamento desta edição, apesar de vários pedidos, não houve retorno. Em coletiva sobre o Censo da Educação Superior, o secretário de Educação Superior do MEC, Wagner Vilas Boas, argumentou que outras formas de financiamento estão em vigor e “compensam” a redução do Fies a partir de 2014. De acordo com o Censo, 61% dos suportes hoje aos estudantes são financiamentos e bolsas concedidas pelas próprias instituições de ensino. O secretário informou ainda que na semana passada foi publicada resolução com programa de refinanciamento da dívida do Fies, em até 174 vezes, para alunos que estão com o “nome sujo”.


Conteúdo Relacionado

Legislação

RESOLUÇÃO FNDE Nº 44, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2020

Dispõe sobre o Plano Trienal e o quantitativo de vagas dos contratos de financiamento no âmbito do Fundo de Financiamento Estudantil - Fies.


RESOLUÇÃO FNDE Nº 43, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2020

Dispõe sobre a prorrogação do prazo do art. 2º da Resolução nº 42, de 21 de outubro de 2020, no que se refere às alíneas "b" e "c" do inciso II, que dispõe sobre o Programa Especial de Regularização do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), nos termos dos §§ 4º e 5º do artigo 5º-A, da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001.


PORTARIA FNDE Nº 782, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2020

Dispõe sobre a prorrogação do prazo para validação das inscrições pelas Comissões Permanentes de Supervisão e Acompanhamento (CPSA) referente ao processo de ocupação de vagas remanescentes do 2º semestre de 2020 e para realização dos aditamentos de renovação semestral dos contratos de financiamento concedidos pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), simplificados e não simplificados, do 2º semestre de 2020.


Notícias

Projeto inclui financiamento de cursos profissionais e tecnológicos no Fies

Para o senador Telmário Mota (Podemos-RR), o Fies também deve financiar ensino técnico

Enem 2020 divulga resultados nesta segunda-feira

Essa edição do exame seria realizada em novembro de 2020, mas foi adiada para janeiro e fevereiro em função da pandemia

Prorrogação de prazo do Fies não pode ultrapassar um ano

A iminência da conclusão do curso superior pode justificar a prorrogação do prazo de financiamento estudantil

MEC amplia para 14 de abril prazo para convocação de espera do Fies

Todos os candidatos não selecionados estão na lista de espera

Ampliado até 14 de abril o prazo para convocação por meio da lista de espera do Fies

Edital com a nova data será publicado nesta sexta-feira, 19

Encerra convocação da lista de espera nesta quinta-feira (18)

Candidatos devem acompanhar possível pré-seleção pelo site do financiamento

Fraudes no Fies são investigadas, diz Ministério da Educação

Programa financia mensalidades em universidades privadas. Controladoria-Geral da União, responsável por esclarecer caso, afirmou que o processo está sob sigilo.

Fies preenche 53% das vagas em 2020

Índice é o mais baixo desde o Novo Fies, que entrou em vigor em 2018

Complementação da inscrição do Fies deve ser efetuada até segunda-feira, 8

O prazo foi ampliado por meio de edital publicado nesta quinta-feira, 4

Resultado do Fies é divulgado após atraso do MEC

Lista de aprovados deveria ter sido publicada na terça-feira (2). Programa concede financiamento de mensalidades em universidades privadas

Resultado da pré-seleção para o Fies será publicado nesta terça-feira

Candidatos não selecionados integrarão lista de espera

Inscrições para o Fies 2021 do primeiro semestre terminam nesta sexta

Como as notas do Enem 2020 serão divulgadas em março, não será possível usar o desempenho desta edição para concorrer ao financiamento estudantil neste primeiro semestre

Últimos dias para solicitar renegociação de débitos do Fies

Prazo que terminaria em dezembro de 2020 foi prorrogado até 31 de janeiro

Fies do 2º semestre aceitará notas do Enem 2020 e mudará regra para vagas remanescentes, diz MEC

Na edição do 1º semestre, cujas inscrições estão abertas, só serão aceitas notas do Enem de 2010 a 2019. Programa financia mensalidades de instituições de ensino superior privadas

Começam hoje as inscrições para o Fies 2021

Resultado será divulgado no dia 2 de fevereiro

Universitários de instituições privadas podem pedir financiamento dos estudos a partir de segunda-feira

Crédito do Programa de Financiamento Estudantil (P-fies) beneficia estudantes de nível superior regularmente matriculados em cursos de graduação não gratuitos

Autor da proposta calcula que 170 mil vagas a mais no Fies custariam R$ 2 bilhões

Autor da proposta calcula que 170 mil vagas a mais no Fies custariam R$ 2 bilhões

Fies 2021 abrirá 93 mil vagas para financiamento do ensino superior

Inscrições para o primeiro semestre vão de 26 a 29 de janeiro; MEC ainda não informou quantas vagas estarão disponíveis nesta etapa.

Fies prorroga prazo de renegociação de financiamento até 31 de janeiro

Prazo anterior terminava em 31 de dezembro. A medida permite que mais estudantes tenham a oportunidade de renegociar suas dívidas

Sem Fies, mais de 50% dos alunos com crédito estaria fora da faculdade

Levantamento da fintech Pravaler mostra que os estudantes das faculdades privadas apostam no financiamento educacional para terem acesso ao Ensino Superior.

Reforma tributária provoca romaria de reitores ao MEC

Os representantes de universidades privadas preencheram mais da metade da agenda de encontros com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, com dirigentes do ensino superior ao longos dos quatro primeiros meses dele à frente do cargo.

Faculdades particulares dizem que país pode ter apagão de mão de obra

Folha de S.Paulo: Setor pede a Bolsonaro que reconsidere estudo para acabar com dedução

Atual reforma tributária ameaça futuro dos jovens

Estadão: As entidades representativas do setor privado de ensino se uniram para alertar a população e sensibilizar os parlamentares sobre os sérios danos que podem ser provocados pela alíquota indiferenciada da CBS

Em crise, ensino particular pode sofrer apagão, afirmam especialistas

A criação de um novo imposto, conforme previsto pela proposta de reforma tributária do governo, pode aumentar mensalidades e extinguir bolsas do ProUni

#CARTAASSOCIADOS