O panorama econômico do país e a consequente ascensão da educação a distância no Brasil e em Minas Gerais podem ser constatados num novo perfil de cursos e alunos. O estudo Educação superior em Minas Gerais: contexto e perspectivas, feito pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) em parceria com a empresa de pesquisas educacionais Educa Insights, mostra que engenharia e tecnologia da informação (TI) são as áreas que mais absorvem alunos, com crescimento anual de 7,2% entre 2010 e 2016, enquanto educação, comunicação e humanas e negócios são as que mais perdem. Estas últimas áreas tiveram queda de 9,6%, 6,6% e 3,3%, respectivamente, no período analisado.
Por outro lado, se o bacharelado predomina nas salas de aula convencionais (89% em Minas e 84% no Brasil), nos estudos a distância as licenciaturas concentram a maior parte das matrículas (49% no estado e 43% em nível nacional). Na modalidade presencial, as carreiras clássicas continuam com o maior volume de alunos, sendo engenharia e saúde as que mais crescem entre os universitários mineiros.
Direito (não ofertado na modalidade EAD) é disparado o curso com a maior quantidade de estudantes (19,5%), seguido por administração (8,7%) e engenharia civil (8%). “Em Minas, vemos ainda a cultura imposta ao filho de que ele tem que fazer bacharelado e direito. Nos Estados Unidos, por exemplo, a corrida é pelos cursos tecnológicos”, compara o diretor executivo da ABMES, Sólon Caldas. O aquecimento do setor de construção civil registrado no histórico recente do país talvez explique o crescimento anual de 20,4% da graduação em engenharia civil no período compreendido entre 2010 e 2016, bem como o de arquitetura e urbanismo (20%) – posicionado no 11º lugar do ranking dos cursos com o maior número de matrículas.
Na EAD, por sua vez, educação e negócios crescem e já representam 70% do volume total da modalidade em Minas Gerais. A ABMES acredita que essas áreas estão sofrendo o impacto do crescimento do ensino a distância por causa da maior facilidade na adaptação ao formato. O curso preferido dos mineiros é pedagogia (29,3% do total de matrículas), seguido por administração (13%) e ciências contábeis (7,5%). No ranking do crescimento, educação física teve em Minas aumento disparado de 73,7% nos últimos sete anos, seguido pelo curso superior de estética (47,4%) e engenharia civil (33,5%).
O valor médio das mensalidades é outro fator que explica o crescimento da EAD. Na modalidade presencial, elas variam de R$ 598,93 (pedagogia) a R$ 6.228,58 (medicina), quando considerados os 20 cursos mais procurados em Minas, com 83% do volume de matrículas. O tíquete médio de medicina deixa o curso no 10º lugar entre aqueles com o maior número de alunos. No Brasil, a média é de R$ 8 mil. Na modalidade a distância, os valores se adequam melhor ao bolso, variando de R$ 193,58 (biologia) a R$ 427,74 (engenharia civil).
De forma geral, o universitário mineiro é majoritariamente do sexo feminino (independentemente do tipo de instituição ou modalidade de curso), trabalha, cursou o ensino médio em escola pública e pertence às classes de menor poder aquisitivo. Metade deles tem até 25 anos de idade. Quando analisados os graduandos de instituições públicas e privadas, as diferenças se destacam. Nas universidades bancadas pela União, a faixa etária até 25 anos é pouco maior que a metade e a minoria trabalha. As classes C, D e E predominam, mas numa proporção menor – efeito da Lei de Cotas, que se traduz também num maior equilíbrio entre o percentual de estudantes oriundos de escolas públicas e privadas. Nas particulares, menos da metade dos alunos têm até 25 anos, a maioria absoluta trabalha, pertence às classes menos abastadas e estudou a etapa final da educação básica em escolas estaduais.
O estudo da ABMES mostra a inversão que ocorre no Brasil. No país, as escolas privadas abarcam apenas 25% do ensino médio, ficando os outros 75% a cargo da rede pública de ensino. Na educação superior, é o contrário: os melhores alunos desse universo restrito da rede particular vão para a universidade pública e abocanham 41% das vagas.
Finalmente, as diferenças ganham contornos bem mais acentuados na comparação entre o estudante mineiro que opta pela sala de aula tradicional e aquele que estuda pelo computador. No primeiro caso, o perfil é bem parecido com a análise geral dos universitários em Minas, com destaque para uma menor diferença entre homens e mulheres. “O aluno da EAD não é aquele que saiu do ensino médio. Normalmente, já está no mercado de trabalho e não teve a oportunidade de fazer uma graduação, mas quer uma ascensão profissional, como um técnico em enfermagem que deseja fazer enfermagem”, explica o diretor-executivo da associação. O público feminino é maioria esmagadora, bem como o percentual de alunos que trabalham, aqueles pertencentes às classes C, D e E e que cursaram o ensino médio na rede estadual. São maioria também os universitários com idade superior a 26 anos.
Caminho sem retorno
O diploma é o mesmo. Nada informa se o curso foi feito numa sala de aula tradicional ou a distância. Além disso, o aluno agrega ao currículo disciplina e o domínio total da tecnologia. O futuro ainda é incerto, mas educadores e gestores não têm dúvidas de que a educação superior passará pelo ensino a distância. Para o diretor da PUC Minas Virtual Marcos Kutova, será difícil, num futuro breve, encontrar um curso 100% presencial.
“Se analisarmos os rumos da graduação, fica claro que ela vai incorporar uma parcela de ações ou disciplinas a distância. Não há legislação formal indicando isso, mas em diversas apresentações o Ministério da Educação (MEC) sinaliza que o limite atual de 20% de carga horária EAD para cursos presenciais deixará de existir”, diz. Ele cita o novo instrumento de avaliação de curso proposto pela pasta, segundo o qual cada instituição ganha autonomia para definir suas metodologias de ensino, podendo incluir ações a distância e presenciais. “Antes, tudo era determinado pelo MEC. Agora, a gestão é transferida para a instituição e o ministério vai avaliar se ele está fazendo o que prometeu.”
O fato de universidades, faculdades e centros universitários não mais precisarem de credenciamento específico para a EAD é outro ponto positivo, na opinião do professor, além da liberdade para ampliação de polos. “Quem estava iniciando essa expansão acelerou o processo. O mercado deve crescer muito, mas terá de encontrar um equilíbrio. Se todos fizerem a expansão nas mesmas regiões, corre-se o risco de não chegar aos lugares onde ainda não há polos disponíveis”, relata.
Para Kutova, a flexibilidade está associada ao crescimento que o Plano Nacional de Educação (PNE) espera. “Com a EAD, haverá uma facilidade de participação e ingresso dos jovens na educação superior, que estavam sendo de certa forma impedidos ou atrasado s devido ao acúmulo de processos que o MEC tinha para analisar. A partir de agora, a expansão está liberada.”
Mas, o ponto- chave vai além. “Essa liberação vai demandar oportunidades de trabalho para esses jovens. Você oferece uma educação superior, mas, se depois não tiver um mercado que considere a formação que esses recém-formados tiveram, haverá uma massa de pessoas subempregadas. A meta do PNE é importante, mas tem de ser associada à situação econômica do país”.
Salto
Um crescimento que já dá sinais de vitalidade. Na PUC Minas, o número de alunos em cursos de especialização cresceu quase 50% de 2016 para 2017. Na graduação a distância, se comparado o primeiro semestre de 2017 com o de 2018, o aumento foi de 24%. Já as matrículas da graduação como um todo tiveram crescimento tímido, de apenas 2% nesse mesmo período. A restrição de acesso ao ensino superior também se torna algo do passado. “Do ponto de vista de vagas e preço, esses não são mais os problemas”, destaca o diretor da PUC. Ele chama a atenção para a dedicação aos estudos: “A EAD exige mais ainda s autonomia e disciplina. Não adianta se o aluno não reservar um momento para estudar. Por mais flexível que seja, demandará um grande esforço de uma educação presencial e permanecem as mesmas obrigações. O processo avaliativo é o mesmo, bem como as disciplinas.”
As mudanças na legislação deixaram também a cargo das diretrizes curriculares das instituições a definição relativa a atividades e avaliações. Na PUC Minas, a partir de agora, algumas avaliações serão feitas on-line nos cursos de especialização – na graduação, elas permanecem presenciais. “O maior desafio dos alunos era o deslocamento aos polos. Havia uma limitação de quantidade de avaliações que eles poderiam fazer dentro de um determinado período, por uma questão logística. Não é adequado ficar mais do que quatro horas fazendo prova. Para quem mora na capital pode parecer desnecessário, mas temos estudantes que viajam 600 quilômetros para fazer um teste”, relata o professor.
Diferentemente das provas presenciais, em que as questões objetivas são priorizadas, na versão on-line ela será pessoal e feita de forma a permitir ao aluno expor ideias e desenvolver projetos. “A cola perde o sentido, pois é a reflexão de cada um e não uma prova feita para todos”, explica. “Mudanças não devem ser vistas como a digitalização de algo que era feito anteriormente, mas a oportunidade para repensar muitas das políticas que eram restritas por conta das questões presenciais. Não se faria isso se não houvesse ganho para o aluno.”