Desde 2011, apenas 5% dos alunos bancados pelo Financiamento Estudantil (Fies) e com baixo desempenho acadêmico tiveram o benefício cortado. Portaria do Ministério da Educação (MEC) prevê que os contratos só podem ser renovados caso o estudante tenha sido aprovado em 75% das disciplinas daquele semestre. Mas cabe às faculdades monitorar esse resultado dos universitários.
Os números foram tabulados pelo Estadão Dados com base em informações enviadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do MEC responsável pelo programa. Principal estratégia do governo federal de acesso ao ensino superior, o Fies banca uma parte ou todo o curso em graduações privadas. O estudante paga depois, com taxas de juros baixas.
Entre 2011 e o 1.º semestre deste ano, 31,6 mil alunos não conseguiram renovar seus contratos por este motivo – de um total de 604,2 mil contratos, de acordo com dados de monitoramento feito pelas próprias faculdades. O FNDE não informou o total de beneficiados no período, mas o volume de contratos é de cerca de um milhão ao ano.
A fiscalização do desempenho do estudante cabe a um grupo interno das próprias instituições, a Comissão Permanente de Supervisão e Acompanhamento (CPSA), composta por cinco membros – um professor, dois alunos e dois funcionários da universidade. Não há monitoramento realizado diretamente pelo MEC.
Esse modelo é questionado pela Controladoria-Geral da União (CGU), que vê conflito de interesse no desenho da política. “Há dificuldade em se encontrar discentes dispostos a desempenhar esse papel, e não há interesse de representantes das instituições em recusar estudantes, uma vez que sua remuneração depende dos financiamentos”, ressalta uma auditoria sobre programas educacionais, do ano passado.
Regra do MEC, de 2011, prevê que a comissão de acompanhamento pode autorizar a continuidade do financiamento em casos excepcionais e justificados, sem especificar as condições. O aluno, portanto, pode entrar com recurso na própria universidade e, assim recuperar o direito ao financiamento.
“Os dados mostram que o que deveria ser exceção virou regra. O Fies é um programa muito caro e há alta inadimplência”, diz Renato Pedrosa, especialista em ensino superior da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para este ano, a previsão de gastos com o Fies é de R$ 17,74 bilhões. “É preciso passar a mensagem de que perder o benefício é possibilidade séria. Recurso é só se for algo grave: morte na família, acidente pessoal, doença”, defende.
Justiça
Parte da minoria desligada do Fies por desempenho, Bruno Pitta, de 23 anos, vai acionar a Justiça para reverter a medida. Ele perdeu o financiamento do curso de Administração, em 2014. “Não acho justo ter de pagar boa parte do curso e sequer conseguir o diploma. Só fiquei sabendo depois de já terem me excluído”, reclamou ele, que trancou a faculdade.
O advogado do aluno, Saulo Rodrigues Mendes, questiona a política de desligamentos. “Se você tira o aluno no meio do curso, ele já contraiu dívidas e ainda não se formou para entrar no mercado de trabalho. Como ele vai pagar isso?”
Em dezembro, o Tribunal Regional da 3.ª Região decidiu, em um caso, que alunos com desempenho baixo por mais de dois semestres podem ser excluídos do programa.
O que diz o MEC
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do Ministério da Educação responsável por gerir o Fies, informou que a verificação de desempenho dos alunos com financiamento é atribuição exclusiva das universidades. Isso se deve, segundo o FNDE, à autonomia didático-científica das instituições, uma previsão constitucional.
O órgão do MEC ainda informou que, após a auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU), orientou as universidades citadas no documento sobre as falhas apontadas. Disse também o desempenho mínimo exigido para entrar no Fies: 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas, aponta que um dos possíveis motivos para que os desligamentos ocorram em poucas instituições é a regra do MEC permitir que, em alguns casos, as comissões mantenham o estudante mesmo com desempenho baixo por até duas vezes. “O aluno não é punido de cara. Tem nova oportunidade. Imagino que esse aluno que não teve rendimento suficiente pode tentar recuperar esse conteúdo depois, repensar a rotina”.
Não há, para Caldas, problema de qualidade na graduação feita por esses alunos. As faculdades, defende, têm diferentes políticas de recuperação e acompanhamento dos estudantes, o que seria suficiente para garantir o conteúdo necessário.
As graduações com maior número de universitários estão no topo dos que mais perderam alunos, segundo os dados do FNDE. Direito (5,2 mil), Engenharia Civil (3,6 mil) e Administração (2,1 mil) tiveram mais benefícios cortados de 2011 ao 1.º semestre deste ano.